A série Adolescência (Netflix) traz à tona reflexões essenciais sobre os desafios vividos por nossos jovens e pela sociedade contemporânea. A escola, a família, a presença constante das telas, o bullying, a violência e o desrespeito às regras são apenas a superfície de um problema mais profundo: o distanciamento afetivo entre adultos e adolescentes. Diante disso, algumas perguntas se tornam inevitáveis para pais, professores e profissionais da educação: Eu realmente conheço este adolescente que convive comigo? Ele se sente seguro para dividir suas dúvidas, dores e inseguranças comigo?
O
que torna a série ainda mais perturbadora é o fato de não retratar uma família
desestruturada, negligente ou violenta. Ao contrário, vemos uma realidade muito
próxima da considerada "normal": pais presentes, um adolescente
inteligente, carinhoso, aparentemente tranquilo. E, mesmo assim, algo falha — e
falha de forma silenciosa. Isso revela a importância de um olhar atento, da
escuta ativa e da construção de um vínculo afetivo que vá além da convivência
rotineira. Porque o verdadeiro perigo mora no invisível: nos silêncios
prolongados, nas portas fechadas, no “está tudo bem” que escondem tempestades.
A
série nos lembra que os adolescentes, quando não encontram espaço de
acolhimento no ambiente familiar ou escolar, buscam respostas e validação no
ambiente digital. Lá, encontram um universo caótico, em que as regras são
outras e a vulnerabilidade muitas vezes é explorada. O personagem que se tranca
no quarto e ignora os pedidos da mãe para desligar os eletrônicos. O filho do
investigador que, com mensagens despretensiosas pela manhã, escondia o medo de
ir à escola. Ambos lançaram sinais — não explícitos, mas evidentes para quem
estivesse disposto a observar com atenção e empatia.
A
adolescência é um período de intensa transformação, mas o vínculo afetivo e o
diálogo não devem começar nessa fase — devem ser cultivados desde os primeiros
anos de vida. Só assim conseguimos construir uma base sólida de confiança, na
qual o adolescente se sente acolhido e não julgado. A presença dos adultos não
pode ser apenas física, precisa ser emocional. É preciso escutar com o coração,
sem interromper, sem minimizar, sem antecipar respostas. Observar mudanças
sutis no comportamento pode ser o primeiro passo para oferecer ajuda antes que
a dor se transforme em crise.
Na
minha atuação com escolas e famílias, percebo que muitos conflitos poderiam ser
prevenidos com um diálogo mais constante e uma escuta mais generosa. Ser
referência para um adolescente exige esforço, paciência e, acima de tudo,
disponibilidade genuína para estar presente — mesmo quando ele parece não
querer isso.
Para
quem deseja se aprofundar nesse tema, indico duas leituras indispensáveis: A Fábrica de Cretinos Digitais,
do neurocientista Michel Desmurget, que alerta sobre os impactos das telas no desenvolvimento
infantil; e O Adolescente e a
Internet: Laços e Embaraços no Mundo Virtual, de Cláudia Prioste,
que analisa as relações afetivas e identitárias dos jovens no ambiente on-line.
Não
se trata apenas de entender os adolescentes, mas de construir, com eles, uma
ponte em que o amor, o cuidado e o diálogo possam atravessar os abismos que o
mundo moderno insiste em criar.
Michelle Cristina Norberto Martins - psicóloga especialista em Psicologia Educacional, coordenadora de Orientação Educacional e da Educação Inclusiva do Centro de Inovação Pedagógica, Pesquisa e Desenvolvimento (CIPP) dos colégios da Rede Positivo.
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