O sistema tributário brasileiro pode estar prestes a passar por uma de suas transformações mais significativas desde os anos 1990, caso o Projeto de Lei nº 1.087/2025 seja aprovado pelo Congresso Nacional. Com o argumento de promover maior justiça fiscal, o projeto propõe a criação do Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), aplicável a rendimentos acima de R$ 600 mil anuais, ao mesmo tempo em que mantém a isenção do IRPF para quem recebe até R$ 5 mil por mês.
A proposta revoga parcialmente esse modelo
histórico, determinando que, quando excederem R$ 50 mil mensais por fonte
pagadora, os dividendos passarão a ser tributados na fonte à alíquota de 10%.
Além disso, caso a soma dos rendimentos anuais de uma pessoa física ultrapasse
R$ 600 mil, aplica-se o IRPFM, com aplicação de alíquota progressiva de 0% a
10%, conforme a faixa de rendimentos apurada na DIRPF.
É importante esclarecer que a tributação incide
exclusivamente sobre lucros e dividendos distribuídos por pessoas jurídicas.
Dividendos recebidos de empresas, inclusive listadas em bolsa, mesmo que
isentos de IR quando inferiores ao limite mensal, integram a base de cálculo do
IRPFM caso os rendimentos totais anuais ultrapassem R$ 600 mil. Já rendimentos
de aplicações de renda fixa e poupança, por estarem sujeitos a tributação
definitiva ou isentos, estão fora da base do IRPFM.
A controvérsia não está nos valores em si, mas no
fato de que esses dividendos já derivam de lucros tributados com até 34% em
IRPJ e CSLL. Ignorar essa carga prévia configura uma forma de bitributação.
Embora o PL preveja um redutor proporcional, sua aplicação exige controles
contábeis sofisticados, nem sempre acessíveis em estruturas de médio porte.
Vale lembrar que, quando a isenção dos dividendos
foi instituída em 1996, não se tratou de uma desoneração isolada.
Simultaneamente, foi criado o adicional de 10% no IRPJ para lucros que excedem
R$ 20 mil mensais, como forma de manter a carga global de tributação. Essa
adoção conjunta revela uma engenharia fiscal voltada a equilibrar a
arrecadação. Na prática, transferiu-se parte da tributação da pessoa física
para a pessoa jurídica, evitando um efeito arrecadatório negativo imediato.
Embora o governo alegue que não há bitributação, o
fato é que os dividendos já nascem de lucros amplamente tributados. A nova
incidência de 10% sobre a distribuição (ou sobre a soma dos rendimentos anuais)
representa, sim, uma segunda tributação econômica sobre a mesma renda. A
ausência de compensação automática e a complexidade do redutor proposto
confirmam a violação ao princípio da capacidade contributiva.
Essa medida, embora tecnicamente fundamentada,
desconsidera a complexidade do ecossistema empresarial brasileiro. Seu impacto
alcança não apenas empresas de capital fechado e estruturas familiares, mas
também investidores individuais que recebem dividendos de companhias listadas
em bolsa. A aplicação uniforme do IRPFM desconsidera essas nuances, tratando
igualmente casos com finalidades econômicas distintas, o que compromete a
previsibilidade tributária.
Além disso, é importante lembrar que esta proposta
faz parte da chamada “Reforma da Renda”, distinta da Reforma Tributária já
aprovada, que institui o IVA Dual, com estimativas de carga total próxima a 29%
sobre o consumo. A criação da tributação na pessoa física não veio acompanhada
de contrapartida estrutural que reduza ou compense a elevada carga já existente
sobre as pessoas jurídicas. Isso rompe com o princípio da neutralidade
econômica e compromete a coerência do sistema tributário.
Faltam medidas estruturantes. A tão necessária
Reforma Administrativa continua ausente, perpetuando o alto custo da máquina
pública como raiz do desequilíbrio fiscal. O que vemos, em seu lugar, é uma
solução de arrecadação de curto prazo às custas do setor produtivo.
Medidas populares, à primeira vista, podem trazer
efeitos colaterais profundos: retração do investimento formal, encarecimento de
serviços, informalidade e estagnação. Justiça tributária não é sinônimo de mais
impostos, mas de equilíbrio, previsibilidade e respeito à real capacidade
contributiva.
O Brasil precisa de reformas. Mas, antes de
tributar mais, precisa aprender a gastar melhor. Justiça fiscal começa com
responsabilidade na gestão dos recursos públicos — não com novos encargos sobre
quem já sustenta a economia real.
Taís Baruchi - CEO e sócia na ECOVIS® BSP.
BSP
https://ecovisbsp.com.br/
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