Neurocirurgião funcional e pesquisador da Unicamp explica em quais casos há comprovação científica para o uso do CDB e faz ressalvas à indicação indiscriminada
O canabidiol (CBD) tem sido alardeado como recurso
promissor para a medicina moderna, principalmente em casos de distúrbios
neurológicos como a epilepsia, sendo administrado, em grande parte, por meio de
óleo sublingual, o que garante uma rápida absorção e efeitos mais rápidos.
Entretanto, este não é um tratamento cientificamente comprovado para todas as
condições e seus efeitos são marginais em alguns casos.
Derivado da Cannabis sativa, a eficácia do CDB
depende de fatores como a dosagem, a absorção e a qualidade do produto, o Dr.
Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador da Disciplina de
Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp) alerta, ainda, que a resposta ao tratamento depende
especialmente da indicação médica adequada.
“A prescrição de canabidiol como indicação
terapêutica para doenças em substituição a tratamentos convencionais e
cientificamente comprovados deve ser vista com cautela. Esses produtos podem
auxiliar ou entrar com alternativa quando não alcançamos respostas
satisfatórias com as medicações tradicionais, por exemplo”, explica ele.
Confira alguns dos principais mitos e
verdades sobre o uso do CDB na medicina elencados pelo Dr.
Marcelo Valadares e respaldados por evidências científicas:
1.
O canabidiol é eficaz para o controle da dor
Isso é um mito. Duas das dores mais intensas que existem, a fibromialgia1 e
as dores oncológicas2, não são gerenciáveis com o canabidiol,
segundo revisões sistemáticas da Biblioteca Cochrane.
As evidências de ensaios clínicos sobre o uso de
produtos de cannabis na fibromialgia foram limitadas a dois pequenos estudos
com curta duração. Neste contexto, não foram encontradas evidências que sugiram
que o canabinoide sintético interfira no tratamento de pessoas com
fibromialgia, com eventos adversos, como sonolência, tontura e vertigem que
podem inviabilizar a sua recomendação.
“Em relação às dores provenientes dos diferentes tipos e estágios da dor do câncer, o potencial dos medicamentos à base de cannabis e da cannabis medicinal não pode ser definido devido à falta de evidência de eficácia ou dano, com indícios de efeito adversos psiquiátricos e do sistema nervoso prevalentes e não tão bem tolerados, o que pode limitar a utilidade clínica”, explica o Dr. Marcelo Valadares.
2. O canabidiol é indicado contra o
Alzheimer
Mito. “O uso de canabinoides para o tratamento de pacientes com síndrome
demencial, caracterizada por declínio cognitivo e funcional e acometimento
principalmente de idosos, é alvo de intensa pesquisa, mas não há resultados
uniformes até o momento”, reforça o especialista.
Uma revisão sistemática da Cochrane3,
que incluiu dados de quatro estudos de curta duração realizados com 126
participantes - sendo a maioria dos casos de Alzheimer - não mostrou benefícios
nem malefícios para pacientes com demência. A Sociedade Brasileira de Geriatria
e Gerontologia4 manifesta-se contrária a seu uso, bem como a
Academia Brasileira de Neurologia5, que constatou não haver
evidência científica que corrobore o uso do CBD ou mesmo do THC para o
tratamento dos sintomas, reversão ou estabilização do Alzheimer.
A revisão também apontou a necessidade de estudos
de longo prazo para avaliar os resultados. Nesse sentido, cientistas da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Federal da
Integração Latino-Americana (Unila) 6 conduzem os maiores ensaios
clínicos do mundo, com 140 pacientes e duração prevista de três anos, para
avaliar como o uso de substâncias extraídas da Cannabis sativa,
podem colaborar para o tratamento do Alzheimer e Parkinson.
3.
O canabidiol é a nova aposta para pacientes com epilepsia
Verdade. Atualmente, o Conselho Federal de Medicina (CFM) aceita o uso de
canabinoides em ensaios clínicos controlados ou na falta de alternativas
terapêuticas para crianças e jovens adultos com crises epilépticas refratárias
aos tratamentos usuais, como a síndrome de Dravet e a síndrome de
Lennox-Gastaut (LGS). Os estudos mostram que o CDB é capaz de reduzir e, em
alguns casos, extinguir as convulsões nos pacientes.
O uso do CDB para casos de epilepsia é a aplicação
com maior número de estudos e com mais tempo de análise, com estudos que datam
desde a década de 1980 - iniciando com Elisaldo Carlini, da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo), um dos precursores dos trabalhos com a
maconha medicinal.
4.
O canabidiol é promissor no tratamento de crianças com transtorno do espectro
autista (TEA)
Parcialmente verdade. “Até o momento, não existem medicamentos comprovadamente eficazes para
tratar os principais sintomas do TEA, que consistem em dificuldades na
comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de
comportamento, apesar do interesse em explorar o potencial terapêutico do CBD”,
explica o Dr. Valadares.
No entanto, indivíduos com TEA frequentemente
apresentam alguns transtornos psiquiátricos associados, como ansiedade,
depressão, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e
epilepsia. No caso desta última, há evidências científicas significativas da
ação anticonvulsivante do Canabidiol em epilepsias da infância e da
adolescência refratárias aos tratamentos convencionais, razão pela qual pode
ser benéfico aos autistas e é regulamentado pelo CFM.7
5.
Canabinoides podem ser utilizados no tratamento da esclerose múltipla
Parcialmente verdade. “As terapias à base de Cannabis sativa já são indicações
consolidadas para o controle da espasticidade - excesso de tônus muscular que
dificulta a movimentação e causa dores - que é sintoma da esclerose múltipla”,
elucida o neurocirurgião. É importante reforçar que a substância é um
tratamento, na verdade, para este sintoma especificamente, e não para a
esclerose múltipla como um todo.
Neste caso, o principal responsável pelo benefício
é o THC (tetra-hidrocanabinol), ainda que o CDB possa ser usado conjuntamente
para potencializar a resposta e proporcionar alívio ao paciente.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já liberou o uso dessa
combinação direcionada ao tratamento de espasmos, moderados e graves ligados à
esclerose múltipla em pacientes que não apresentaram bons resultados após
tratamento com medicamentos conservadores.
Importante entender também:
CBD X THC
A planta contém centenas de substâncias químicas,
das quais 60 são classificadas como canabinoides. Nos produtos medicinais, o
CBD é o principal ativo presente, não causando efeitos psicoativos ou gerando
dependência.
Embora o CBD tenha ganhado destaque, ele nem sempre
é o protagonista. Outro composto, o THC (tetra-hidrocanabinol), responsável
pelos efeitos psicoativos da Cannabis sativa, também têm comprovado
potencial terapêutico.
“Os avanços no número de estudos clínicos e o
interesse de médicos e pacientes pelos canabinoides, seja o CBD ou o THC, em
suas diferentes dosagens e administrações, são de imenso valor, mas é
imprescindível, em consultório, prescrever esse tipo de medicamento com olhar
humanizado, sem levantar falsas esperanças a pessoas que estão em sofrimento”,
pondera o Dr. Marcelo.
Dr. Marcelo Valadares - médico neurocirurgião e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A Neurocirurgia Funcional é a sua principal área de atuação. Seu enfoque de trabalho é voltado às cirurgias de neuromodulação cerebral em distúrbios do movimento, cirurgias menos invasivas de coluna (cirurgia endoscópica da coluna), além de procedimentos que envolvem dor na coluna, dor neurológica cerebral e outros tipos de dor.
O especialista também é fundador e diretor do Grupo de Tratamento de Dor de Campinas, que possui uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos.
No setor público, recriou a divisão de Neurocirurgia Funcional da Unicamp, dando início à esperada cirurgia DBS (Deep Brain Stimulation – Estimulação Cerebral Profunda) naquela instituição. Estabeleceu linhas de pesquisa e abriu o Ambulatório de Atenção à Dor afiliado à Neurologia.
Referências:
1: Cannabinoids for fibromyalgia (Review). Acesso em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD011694.pub2/full
2: Cannabis-based medicines and medical cannabis for adults with cancer pain. Acesso em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD014915.pub2/full
3: Cannabinoids for the treatment of dementia. Acesso em: https://www.cochranelibrary.com/cdsr/doi/10.1002/14651858.CD012820.pub2/full?highlightAbstract=cannabidiol
4: Esclarecimento da SBGG sobre o uso de Cannabis medicinal em idosos com doença de Alzheimer. Acesso em: https://sbgg.org.br/esclarecimento-da-sbgg-sobre-o-uso-de-cannabis-medicinal-em-idosos-com-doenca-de-alzheimer/
5: Nota de Esclarecimento do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da ABN. Acesso em: https://abneuro.org.br/2022/09/28/nota-de-esclarecimento/
6: UFSC estuda substâncias da cannabis para tratamento de Parkinson e Alzheimer. Acesso em: https://noticias.ufsc.br/2024/03/ufsc-estuda-substancias-da-cannabis-para-tratamento-de-parkinson-e-alzheimer/
7: Resolução CFM 2113|2014 aprova o uso compassivo do canabidiol para o tratamento de epilepsias da criança e do adolescente refratárias aos tratamentos convencionais. Acesso em: https://portal.cfm.org.br/noticias/cfm-atualiza-resolucao-sobre-prescricao-do-canabidiol-cbd-como-terapeutica-medica
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