Peptídeo foi inspirado na
proteína ACE2, à qual o vírus SARS-CoV-2 se conecta para viabilizar a infecção;
resultados indicam caminho para o desenvolvimento de novos antivirais
Pesquisadores da Universidade
de São Paulo (USP) sintetizaram um peptídeo inspirado no receptor natural do
vírus SARS-CoV-2 nas células humanas, a proteína ACE2. A molécula se mostrou
capaz de proteger células pulmonares humanas da infecção nos testes in
vitro. Além disso, tratou a inflamação causada pelo vírus em camundongos
suscetíveis à COVID-19.
Esses resultados foram
publicados na revista Antiviral Research, indicando um possível
caminho para a criação de medicamentos do tipo bloqueadores antivirais mais
eficazes contra a doença, que já matou mais de 700 mil brasileiros.
Como lembram os autores no
artigo, o vírus SARS-CoV-2 conecta sua proteína spike (S) à
proteína ACE2 localizada na superfície das células humanas para invadi-las.
“O momento da infecção acontece
como se fosse o encaixe entre uma chave e uma fechadura”, compara Geraldo Aleixo Passos,
professor do Departamento de Biologia Básica e Oral da Faculdade de Odontologia
de Ribeirão Preto (Forp-USP) e um dos coordenadores da pesquisa. “A ‘chave’
representa a proteína spike do vírus, e a fechadura, o
receptor ACE2 das células humanas. Os ‘dentes’ da chave, ou seja, os resíduos
de aminoácidos da spike, são complementares ao ‘segredo fechadura’,
os aminoácidos ACE2.” Os resíduos de aminoácidos da spike e da
ACE2 interagem entre si e isso “abre a porta” para o vírus infectar as células
humanas.
Quanto melhor for essa
interação, maior será o potencial de infecção do vírus – este é, inclusive, o
fator que tornou a variante B.1.1.7 do SARS-CoV-2 tão mais contagiosa, como
mostrou artigo do mesmo grupo de pesquisadores divulgado em 2021 na
plataforma bioRxiv (leia mais em: agencia.fapesp.br/34932).
Neste novo estudo financiado
pela FAPESP (projetos 17/10780-4 e 19/02418-9), os
cientistas investigaram maneiras de bloquear a ligação da spike com
a ACE2 e, consequentemente, proteger as células humanas da infecção. Para isso,
desenharam um peptídeo mimético (semelhante) ao receptor ACE2 por meio de
programas de bioinformática de proteínas e testaram modificações em seus
resíduos de aminoácidos – na analogia feita por Passos, os cientistas mexeram
no “segredo da fechadura”.
Durante esse processo,
descobriram que algumas partes específicas do receptor ACE2 – mais
especificamente os resíduos de aminoácidos F28, K31, F32, F40 e Y41 presentes
na alfa hélice α1, uma das estruturas secundárias dessa proteína – são cruciais
nessa interação.
Experimentos in vitro utilizando
células pulmonares humanas em cultura e in vivo com
camundongos suscetíveis ao vírus confirmaram que o peptídeo sintético foi capaz
não só de controlar a infecção, mas também de tratar os animais que haviam sido
previamente infectados, fazendo com que a inflamação pulmonar causada pela
COVID-19 diminuísse drasticamente.
“Nós conseguimos ‘enganar’ o
vírus, dando a ele uma parte do receptor ACE2 livre [o peptídeo sintético],
que, interagindo com a spike antes que essa proteína se
ligasse à superfície das células, obstruiu sua entrada. Estudando as bases
estruturais do reconhecimento do receptor ACE2 pelo SARS-CoV-2, nós elaboramos
uma barreira molecular contra o vírus”, explica Passos.
Tratamento
para imunossuprimidos
“A COVID-19 foi controlada com
a vacinação em massa, que reduziu drasticamente o número de casos e mortes,
sendo, portanto, a melhor opção para evitar que a doença se espalhe nas
populações. Mas o vírus SARS-CoV-2 ainda está em circulação, infectando
milhares de pessoas no mundo. Além, disso, o vírus circulante pode sofrer novas
mutações. Estudos sobre sua evolução indicam que a perspectiva de novas
epidemias ou até mesmo uma pandemia como a causada pela cepa original de Wuhan
e linhagens subsequentes é plausível e, justamente por isso, nós, cientistas,
precisamos continuar investigando o assunto”, considera Passos.
De acordo com o pesquisador, um
produto como o peptídeo identificado nesse estudo, que não depende do sistema
imunológico para atuar, poderá ser desenhado de forma específica para cada nova
variante. Como ele tem ação rápida, pois funciona como um escudo molecular,
pode ser eficaz para barrar o vírus num curto prazo, especialmente em pacientes
imunossuprimidos ou crianças com imunodeficiências e baixa resposta imunológica
às vacinas.
O estudo foi multidisciplinar e
multicêntrico, reunindo pesquisadores do Centro de Pesquisa em Virologia,
do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID)
e do Departamento de Genética da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP-USP), além do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (CTI),
ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Contou com
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes).
O artigo A mimetic
peptide of ACE2 protects against SARS-CoV-2 infection and decreases pulmonary
inflammation related to COVID-19 pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0166354224001773?via%3Dihub.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/molecula-sintetizada-na-usp-age-como-escudo-molecular-e-impede-o-virus-da-covid-19-de-infectar-a-celula/52652
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