A Península
Ibérica, território que hoje abrange Portugal e Espanha, foi um paraíso de
biodiversidade há cerca de 20 milhões de anos. Animais parecidos com os que
hoje constituem a megafauna africana – por exemplo, versões ibéricas e mais
antigas dos atuais rinocerontes, elefantes e felinos – pastavam ou caçavam em
ambientes com muitas espécies de presas e predadores.
Por volta de 15
milhões de anos atrás, porém, uma queda acentuada das temperaturas, somada a um
clima cada vez mais árido, foi tornando a paisagem diferente. A vegetação se
tornou mais aberta, em detrimento das florestas fechadas. Isso favoreceu os
grandes herbívoros, que prosperaram enquanto seus equivalentes de médio porte
se extinguiam. Com isso, a disponibilidade de presas para os carnívoros também
foi se reduzindo. Era mais difícil caçar animais como gonfotérios de 3 metros
de altura e mais de 2 toneladas (um parente do elefante que possuía quatro
presas) do que cervídeos, de até 30 quilos, por exemplo.
Esse quadro do
passado foi reconstruído com detalhes por um grupo de pesquisadores apoiado
pela FAPESP, em trabalho publicado na revista Ecology Letters.
O estudo, liderado
por cientistas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com
participação de instituições da Espanha e da Suécia, reconstruiu e analisou a
maior série temporal de redes tróficas até hoje, de 20 milhões de anos atrás
até o presente.
As análises foram
possíveis graças ao banco de dados mais completo de mamíferos do período,
compilado a partir dos registros fósseis da região, um dos mais bem estudados e
compreensíveis no mundo.
A Península Ibérica
é conhecida pela abundância de fósseis de sua fauna extinta, o que permitiu
entender como os ecossistemas mudaram e como as espécies evoluíram milhões de
anos atrás.
“Os registros
fósseis são de vários sítios paleontológicos. O banco de dados que analisamos
tem a composição de espécies da região com uma resolução muito alta. Para cada
grupo de animais, existem informações detalhadas como tamanho corporal, tipo de
alimentação, forma de locomoção etc. Com isso, foi possível inferir, para uma
certa localidade, em certo período, quem predava quem e como isso foi mudando
ao longo do tempo”, explica João Nascimento, primeiro autor do artigo e bolsista de doutorado da FAPESP no Instituto de
Biologia (IB-Unicamp).
“O objetivo do
projeto é entender como interações ecológicas podem influenciar grandes padrões
evolutivos, principalmente o surgimento e a extinção de espécies. A grande
dificuldade desse tipo de estudo é que raramente há informações de como as
espécies interagiam no passado. A ideia foi usar ferramentas estatísticas e
modelos matemáticos sobre os dados de fósseis para suprir essa lacuna de conhecimento”,
conta Mathias Pires, professor do IB-Unicamp apoiado pela FAPESP, que orientou a pesquisa.
Simplificação
O processo ocorrido
na Península Ibérica ao longo de 15 milhões de anos é conhecido como
simplificação das redes tróficas, um fenômeno bastante presente em ecossistemas
atuais. Também é conhecido como homogeneização, quando poucas espécies generalistas
substituem as raras e especialistas (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/fragmentacao-de-florestas-muda-as-teias-alimentares-na-amazonia/).
“Da mesma forma,
como vemos em algumas populações atuais, estamos testemunhando a mudança da
composição das comunidades de herbívoros e dos predadores que se alimentam
deles. Numa escala de ecossistema, isso tem muito mais impacto do que a simples
perda de uma ou outra espécie”, ressalta Pires.
Como consequência
das mudanças nas comunidades de herbívoros, a longevidade dos predadores foi
diretamente relacionada com seu risco de extinção. Os modelos matemáticos
apontaram que aqueles que tinham menos presas disponíveis eram os que
desapareciam do registro fóssil com mais frequência ao longo do tempo.
“Fica claro o papel
das interações ecológicas em influenciar padrões de extinção ao longo do tempo
evolutivo. Por isso, precisamos considerar um grande contexto ecológico para
desenvolver estratégias de conservação para preservar os predadores em seus
ecossistemas”, disse Fernando Blanco, coautor do estudo e pesquisador da
Universidade de Gotemburgo, na Suécia, em um informe à imprensa.
Segundo os autores,
o estudo pontua a necessidade de conservar populações diversas de presas para
manter outras de predadores, mantendo redes ecológicas estruturalmente
robustas.
“A extinção de um
grupo de espécies tem efeito cascata sobre outros, o que é extremamente prejudicial
para os ecossistemas e os serviços que eles fornecem. Temos a oportunidade
única de entender o que aconteceu no passado e o que ocorre agora para intervir
e evitar que novas extinções ocorram”, conclui Pires.
O artigo The
reorganization of predator–prey networks over 20 million years explains
extinction patterns of mammalian carnivores pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/ele.14448.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/gigantismo-de-herbivoros-foi-fator-chave-para-a-extincao-de-predadores-ha-15-milhoes-de-anos/52665
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