O assédio sexual nas relações de trabalho ganhou visibilidade na Imprensa e nas redes sociais, nos últimos dias, por força de denúncias, feitas à Organização Não-Governamental (ONG) Me Too Brasil, que sinalizam, supostamente, que o então ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, teria praticado condutas assediadoras em ambiente profissional. O caso traz a necessidade de se jogar luzes sobre os assédios sexual e moral e em outras formas de violência laboral ocorridas no País.
Com a inserção cada vez maior de mulheres no mercado de trabalho, percebe-se,
na prática policial, o consequente aumento de ocorrência envolvendo crimes
cometidos no ambiente profissional. Em especial, destaca-se o assédio sexual,
que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024, teve aumento de
28,5% em registros em relação ao período anterior.
Na prática jurídica, o termo “assédio sexual” encontra previsão legal no artigo
216-A do Código Penal e somente ocorre quando o assediador constrange alguém
“com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se da
sua condição de superior hierárquico, ou ascendência inerentes ao exercício de
emprego, cargo ou função”.
Portanto, para a configuração deste delito, é indispensável a existência de uma
superioridade em regra de competência, ou ascendência do assediador em relação
à vítima. Logo, se ambos estiverem, por exemplo, na mesma posição laboral, não
se pode falar, tecnicamente, em assédio sexual. Entretanto, nada obsta a
prática de outros crimes, a depender dos fatos, como, por exemplo, a
importunação sexual.
Apesar de denúncias desta natureza aumentarem todos os anos, ainda há uma
grande subnotificação, haja vista que, muitas das vítimas temem denunciar seus
assediadores, que, na grande parte das vezes, ostentam cargos de alto comando e
gozam de prestígio e de boa reputação social. As vítimas, temerosas por
perderem seus empregos, por terem sua palavra e honra questionadas e, muitas
vezes, por desacreditarem na Justiça, optam pelo silêncio.
Os assédios sexual e moral, além de terem o condão de trazer reflexos para a
saúde física e mental das vítimas, são aptos a macular a imagem de instituições
- geralmente, de forma irreversível, ao passo em que podem oferecer prejuízos -
inclusive, financeiros - seja em razão do absenteísmo de funcionários, seja por
força do rompimento de contratos com quem não deseja se vincular a um escândalo
midiático de assédio.
É preciso que órgãos públicos e a rede privada fomentem ambientes de trabalho
mais seguros para as mulheres. A criação de canais de denúncia, a implementação
de regras de conduta, e o investimento contínuo em treinamentos, capacitação,
orientação e em sensibilização de funcionários de todos os níveis visam o
rompimento dessa engrenagem violenta.
É preciso que esse pacto de tolerância e de silêncio que protege assediadores e
culpabiliza e recrimina vítimas seja rompido. Para tanto, padrões culturais que
normalizam comportamentos discriminatórios e violentos disfarçados de elogios,
de brincadeiras, de piadas ou de gentilezas devem ser igualmente rechaçados e
rigorosamente punidos.
Dra. Jacqueline Valadares - presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp); especialista em Direito Penal, em Processo Penal, e em Inteligência Policial; palestrante de temas e docente de disciplinas relacionadas à Defesa da Mulher; co-fundadora do movimento Mulheres na Segurança Pública; e autora de artigos, de estudos e de livros sobre Defesa da Mulher.
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