Emenda parlamentar
não tem ligação direta com o texto principal em discussão no Congresso
Nacional, e não leva em consideração as especificidades do mercado cripto
Na esteira das discussões sobre a reforma tributária, a medida
provisória (MP 1171 e 1172, de 2023) que definiu o reajuste do salário mínimo,
incluiu dispositivos para definir novas regras de tributação de investimentos
no exterior envolvendo criptoativos e ativos digitais. A comissão mista que
analisa a MP aprovou, na última terça-feira (08) o novo texto que incorpora
disposições originalmente previstas na MP no Projeto de Lei de Conversão (PL)
15/2023.
O PL trata da qualificação de criptoativos e
carteiras digitais com rendimentos enquanto aplicações financeiras; a
qualificação da variação da criptomoeda frente à moeda nacional e de
rendimentos em depósitos em carteiras digitais, a exemplo dos rendimentos de
aplicações financeiras no exterior. Com a mudança para a MP, o envio e
recebimento de criptoativos passam a ser equiparados, para fins tributários, às
transações com demais ativos financeiros, com a possível aplicação dos novos
regimes de alíquotas e outras definições da reforma tributária.
Em nota técnica disponível na íntegra neste link,
a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), com suporte dos advogados
Daniel e Eduardo de Paiva Gomes, sócios do VDV Advogados – escritório que é
membro da associação –, defende que a emenda parlamentar inserida na MP do
salário mínimo pega carona em uma pauta sem relação com o tema inicial da
proposta, o chamado “jabuti”, no jargão jurídico. “A inserção dos criptoativos,
de maneira indiscriminada, na categoria de aplicações financeiras é uma questão
controversa, imprópria, ilegal e potencialmente inconstitucional",
ressalta Daniel Paiva.
Segundo o especialista, os criptoativos não podem
ser tratados de forma ampla e indiscriminada como aplicações financeiras
tradicionais, e é essencial adaptá-los à realidade atual, respeitando as
peculiaridades e garantindo um ambiente jurídico seguro e coerente. "As
carteiras digitais são essenciais para o funcionamento e gestão dos
criptoativos, mas não são aplicações financeiras. São ferramentas ou
infraestruturas que permitem o armazenamento das chaves privadas e a transação
de criptoativos. Enquadrá-las como aplicações financeiras é uma simplificação
excessiva e imprecisa da sua verdadeira função e natureza", explica Paiva.
Para o advogado, enquanto aplicações tradicionais
possuem relações claras com terceiros – como a relação entre um investidor -,
as carteiras digitais servem como meio para os usuários gerenciarem seus
próprios ativos. Além disso, destaca Eduardo Paiva, “o valor de um criptoativo
dentro de uma carteira digital pode flutuar com base no mercado, mas a carteira
em si não tem influência sobre essa valorização ou desvalorização. Ela é neutra
e apenas reflete o valor atual do ativo". Cada tipo de carteira digital
foi projetado para atender a diferentes necessidades e níveis de segurança. Na
visão de Eduardo, ao enquadrar os criptoativos como aplicações financeiras de
forma genérica, o texto reduz a segurança jurídica e ignora as nuances desses
ativos. “A consequência é a possibilidade de políticas regulatórias
inadequadas, prejudicando tanto os investidores quanto o desenvolvimento do
setor", completa.
Além disso, os criptoativos não possuem,
necessariamente, o seu valor atrelado a uma cotação em moeda nacional ou moeda
estrangeira. "Em razão disso, o preço do criptoativo corresponde
simplesmente à demanda do mercado em um dado momento, como acontece com
qualquer tipo de ativo. Uma bitcoin pode ser adquirida pelo preço praticado em
determinada corretora, ao mesmo tempo em que pode ser negociada diretamente
entre as partes por outro preço, seja inferior ou superior", explica
Eduardo Paiva.
Segundo Daniel Paiva, do VDV, o Projeto de Lei de
Conversão não traz conceitos ou definições aprofundadas. "O texto se vale
apenas de exemplos, sem critérios sólidos para definir quando está localizado
no Brasil ou no exterior, o que impede a identificação adequada da tributação.
O texto atual traz lacunas conceituais que elevam a insegurança jurídica e a
complexidade do sistema tributário”, afirma. Daniel lembra, ainda, que as
operações com criptoativos já são tributadas normalmente pelas regras atuais e
que a Lei 14.478/2022, o Marco Legal dos Criptoativos, já dialoga com a noção
de ativos virtuais. "Logo, incluir os criptoativos como aplicações
financeiras e rendimentos em uma outra Medida Provisória só aumenta a
complexidade do tema e, sob a perspectiva da arrecadação, não trará resultados
práticos", diz.
Como alternativa, o especialista sugere que os
ativos virtuais, quando equiparados às aplicações financeiras no exterior sejam
apenas representações digitais de ativos financeiros, restringindo a aplicação
da norma apenas aos security
tokens ou valores
mobiliários digitais negociados por meio de prestador de serviço de ativos
virtuais com domicílio no exterior, e com tributação restrita ao momento da
conversão em moeda fiduciária.
Para Bernardo Srur, diretor-presidente da ABCripto,
a ascensão e a popularização dos criptoativos têm chamado a atenção para o
debate em todo o setor, no cenário jurídico e financeiro. "As propostas
tributárias fazem parte da primeira parte da reforma do Imposto de Renda e, com
a incorporação dos textos na MP do salário mínimo, o Congresso pretende
acelerar e garantir duas medidas que estavam para caducar. A adição do texto,
da forma como foi feita, usando definições próprias e reduzindo a
criptoeconomia a "aplicações financeiras", trará insegurança para mercado
brasileiro, uma vez que exclui os mais diversos usos de dos criptoativos e
criptomoedas, como os relacionados a meios de pagamento e registros, entre
outros. Atualmente, o Brasil é referência mundial em desenvolvimento e evolução
regulatória. Passar o texto como foi inserido é retroceder fortemente nessas
evoluções", completa.
Associação
Brasileira de Criptoeconomia - ABCripto
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