Vivenciamos
neste século grandes mudanças sociais advindas das revoluções: digital,
científica e tecnológica, que alteraram e continuam alterando
significativamente nosso modo de agir, pensar, trabalhar e viver.
No mundo
jurídico não é diferente, inclusive no que se refere ao Direito do Trabalho,
uma área conhecida por ser “clássica” e por alguns, até mesmo “ultrapassada”,
evidenciamos com propriedade ser essa uma conclusão de quem pouco conhece a
área, ou que não tem se atualizado das inovações adotadas por essa área.
1. Direito
do trabalho “primitivo”
Aos olhos
daqueles que começavam a estudar a disciplina de Direito do Trabalho por volta
dos anos 1950 (CLT de 1943), passava pelo entendimento quanto ao título
apropriado para o então, novo, à época, ramo da ciência jurídica, chamado
“Direito Social Restrito”:
“[...]
Proposto a defender os hipossuficientes, que são aqueles que, na
sociedade capitalista, dependem do trabalho para que possam sobreviver e não
possuem recursos e meios para lutar por si mesmo. A princípio eles se
procuram unir, para que possam ser fortes. Agrupam-se. Aglutinam-se. Criam-se,
assim, organizações profissionais. É o momento em que a classe economicamente
fraca tenta proteger a si própria.
[...]
E o conjunto de normas legais que regula a formação do sindicato e das
outras instituições profissionais constitui o Direito Social Coletivo, ou seja,
o Direito Corporativo, que melhor fora chamar, no Brasil, de Direito Sindical,
visto que a organização das profissões, entre nós, se faz com base na oposição
entre empregados e empregadores, não existindo entidades de classe que
congreguem, ao mesmo tempo, uns e outros, para unificação das forças palpitantes
da produção nacional.
[...]
Após e finalmente, surgem leis sociais aplicáveis à generalidade dos que
trabalham ou, ainda mais, dos que não têm suficiente poder econômico para que
sobrevivam. É, agora, o Estado que favorece, diretamente, os hipossuficientes.
São normas jurídicas que visam ao aperfeiçoamento étnico, de acordo com os
quadros higiênicos e eugênicos, o progresso educacional do povo, a moralização
da família, a dignificação ética do homem, etc. Essas leis constituem o
Direito Assistencial, que abrange todos os aspectos do seguro social.
Portanto,
o Direito Sindical, o Direito do Trabalho e o Direito Assistencial são três
partes de que compõe o Direito Social Restrito, isto é o Direito Social”.
Porém, de lá
para cá muita coisa mudou, como por exemplo a concepção das partes envolvidas
nas relações trabalhistas, as classes, as organizações institucionais, o local
e a prestação de serviços, e principalmente, as leis trabalhistas diante da
mudança de todo esse cenário.
Não há sombra de
dúvidas quanto à necessidade de transformação das leis trabalhistas para
acompanhar esse turbilhão exponencial de mudanças na sociedade, daí a reforma
trabalhista, de 2017, que alterou a legislação trabalhista para acompanhar a
evolução da sociedade, visando atender de forma pratica as necessidades dos
envolvidos nas relações de trabalho, no mundo de hoje.
2. O
Direito digital
A sociedade
contemporânea vive a chamada “era tecnológica”, com o avanço das tecnologias
como, indústria e internet, sendo um relacionamento
cada vez mais inseparável entre a tecnologia e a vida humana como um todo,
cresce também a necessidade de regulamentar as relações entre as pessoas e a
internet. É nesse meio que nasce o direito digital, em uma era tecnológica, inclusive o mundo jurídico é
obrigado a se adequar aos avanços, para atender as necessidades da sociedade e
regulamentar as relações entre partes nesse ambiente digital.
O direito
digital é um ramo do direito que tem como objetivo proporcionar as
normatizações e regulamentações do uso dos ambientes digitais pelas pessoas,
além de oferecer proteção de informações contidas nesses espaços e em aparelhos
eletrônicos. Trata-se, portanto, de um ramo bastante novo do direito, uma vez
que lida diretamente com o uso da tecnologia, em particular da internet e dos
meios digitais.
Uma vez que a
tecnologia e o uso da internet são cada vez mais interconectados com todas as
relações humanas, o direito digital se torna cada vez mais relevante para a
proteção das informações das pessoas, além de se tornar, ao mesmo tempo, uma
área cada do direito cada vez mais importante e frutífera. Assim, com a era
digital e com a informatização das coisas, surge no meio desse desenvolvimento
um problema natural: onde há mais tecnologia, há também mais riscos de ataques
virtuais, roubo, vazamento e destruição de dados e hackeamento de informações
relevantes para pessoas, empresas e governos, surge aí a necessidade da criação
de normas e procedimentos para a proteção das pessoas atacadas e a punição de
condutas que prejudiquem terceiros digitalmente, portanto, é um caminho também
natural a seguir seguido.
Portanto, assim
como o direito que já conhecíamos, e muitos idealizam como um livro enorme com
“leis e punições infinitas” que os juízes utilizam contra quem as descumprem,
no ambiente digital não é diferente. A internet não é uma “terra sem lei”, a
normas e punições para quem as descumprem nesse ambiente, inclusive, valendo as
mesmas prerrogativas do mundo jurídico para este ambiente, como para qualquer outro.
Mas afinal, qual
a relação do direito digital com o direito do trabalho, que apesar do avanço
com o passar dos anos e advindo da reforma trabalhista de 2017, parece não
possuir qualquer Relação com o direito digital, que regula as relações na
internet?
3. A
relação do direito do Trabalho e o Direito Digital
Atualmente com a
modernização dos sistemas, grande parte dos procedimentos internos realizados
pelas empresas são realizados no ambiente virtual, desde o processo de triagem
de candidatos, processo seletivo, envio de documentação e coleta de informações
para elaboração de contratos e contratação de benefícios de colaboradores, até
o processo de armazenamento de documentação, troca de informações internas e
com clientes, entre outra infinidade de atividades em uma empresa. Ou seja,
todas as atividades que antes, realizadas manualmente, através de documentos
físicos, hoje, migraram para o ambiente digital, inclusive as relacionadas as
relações de trabalho, como exemplificadas acima. Portanto, verificamos a
relação do direito do trabalho com o direito digital e a importância de
observar essa relação para adoção de todas as medidas de segurança necessárias.
O grande erro de
muitas empresas e funcionários, é exatamente acreditar que o direito do
trabalho “caminha sozinho”, porém, conforme demonstrado, essa área do direito
está diretamente relacionada a diversas outras, como: i. Direito empresarial;
ii. Direito digital; iii. Direito tributário; iv. Direito societário; v.
Direito contratual; vi. Direito cível; viii. Recursos humanos; ix. Financeiro;
x. Administrativo etc.
Atualmente até a
busca por uma ocupação ou recolocação profissional é diferenciada. Quem ainda
manda pelo correio ou entrega pessoalmente um currículo escrito? Não seria por
e-mail a maior forma de envio de currículos? E plataformas de busca de emprego
digitais a maior ferramenta de busca de vagas?
Quando o RH de
sua empresa entra em contato com um candidato, ele armazena o currículo dos
candidatos? Com DADOS PESSOAIS deles? Qual o procedimento da empresa com esses
documentos? E a documentação dos funcionários e ex-funcionários? Qual a
conduta do administrador das páginas sociais da empresa? No Instagram,
Linkedin, Twitter? Ele coleta alguma informação pessoal de candidatos? Algum
documento? Por WhatsApp talvez? Um simples procedimento de triagem em um
processo seletivo pode gerar uma multa milionária a empresa por violação a
LGPD. Ou até mesmo a falha em um procedimento interno com um funcionário
afastado pelo INSS pode gerar uma ação trabalhista.
Sempre que
falamos em uma empresa que possui funcionários, ou seja, tem relação de
trabalho (empregado x empregador), temos o Direito do trabalho em conjunto com
outras áreas, que é essencial para o perfeito e adequado desempenho das
atividades da empresa, como serviço preventivo e ativo. Assim verificamos que
sem dúvida alguma, é importantíssima a celebração de mecanismos jurídicos
correlacionados ao direito do trabalho e ao direito digital para resguardar as
partes envolvidas na relação de trabalho, com intuito de garantir segurança e
proteção as partes envolvidas.
Tais medidas
podem ser adotadas através de contratos e aditivos contratuais; compromissos
expressos pós-contratuais, acordos coletivos de trabalho; políticas internas de
compliance; políticas de coleta e armazenamento de dados, documentos e manuais
internos e externos, treinamentos, entre outras. Toda e qualquer medida que
tenha o condão de limitar e/ou mitigar o conteúdo comunicativo de informações e
dados pessoais e profissionais e salvaguardar os dados das partes envolvidas na
relação de trabalho.
Não há aqui que
se esperar bom senso ou outra medida moral subjetiva. Deve-se, ao contrário,
exteriorizar e expressar categoricamente os entendimentos e seus limites.
Somente assim, se terá o respeito jurídico necessário e a possibilidade de
reparo, diante de uma eventual e futura infração.
Essa nova
realidade exige a adoção de um sistema de regras próprio para esse tipo de
situação, com a edição de uma política interna e específica, para que dúvidas e
mal-entendidos não se estabeleçam, evitando-se com isso confusão, deixando-se
claro de quem e porque são as responsabilidades, obrigações e deveres
contratuais de cada uma das partes, dentro dos limites contidos num contrato de
trabalho, uma vez que novidades tecnológicas não metamorfoseiam a relação de
emprego e os princípios que lhe são inerentes.
Deste modo, as
políticas relativas ao Direito do Trabalho x Direito Digital se mostram mais
eficazes, uma vez que sustentadas num plano composto por vários e distintos
departamentos, como, por exemplo: jurídico, RH e TI, que devem orientar a
conduta de todos os envolvidos.
Portanto, resta
evidente a inseparável relação do direito do trabalho com o direito digital,
atualmente, e a necessidade das empresas e funcionários se preocuparem com a
importância do respeito a essas vertentes pela proteção de informações e direitos.
Caroline Batista Teotonio - Advogada Trabalhista do Vigna Advogados e Associados.
Advogada, especialista em direito digital e pós graduanda em direito empresarial pela PUC.
FONTES BIBLIOGRÁFICAS:
1.https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/384/edicao-1/direito-digital-do-trabalho
2.https://www.politize.com.br/reforma-trabalhista-principais-pontos/?https://www.politize.com.br/&gclid=EAIaIQobChMIgJmiqfiCgAMVeS7UAR1KagLSEAAYASAAEgKDh_D_BwE
3.https://bartvarela.files.wordpress.com/2011/12/manual-de-introduc3a7c3a3o-ao-direito-25-10-113.pdf
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