Carnaval é sinônimo de alegria, festa, diversão e festejo a nossa cultura e ao nosso povo. Durante esse período tão aguardado por grande parte dos brasileiros, o Brasil vira vitrine para o mundo.
Os refletores se voltam para a beleza da nossa cultura, a grandiosidade da nossa identidade nacional e para problemas sociais que insistem em continuar fazendo parte da nossa história. Um deles é o racismo estrutural, termo que se popularizou nos últimos anos e que traduz os efeitos da colonização exploratória, da diáspora africana e do genocídio dos primeiros que aqui habitaram.
“O Brasil é marcado pela miscigenação ente negros, indígenas e brancos. Processo traumatizante, doloroso e extremamente violento que resultou num país complexo. Ainda vivemos em uma nação desigual, pobre e violenta. A cultura, sendo uma das linguagens que encarregamos de traduzir quem somos, não passa ao largo dessas questões”, reflete Samuel Santana, coordenador de cursos e facilitador de Comunicação Não Violenta (CNV).
Santana reforça ainda que o racismo é um problema de várias facetas que insiste em se reinventar e fazer parte das estruturas que sustentam o Brasil. Está presente nas nossas instituições, na política, na educação, na forma como as cidades se estruturam, na segurança pública e em diversas outras áreas da sociedade brasileira. O racismo recreativo, conceito estruturado e muito bem definido por Adilson Moreira, soma-se ao rol de mecanismos racistas e constitui-se com uma tentativa de replicar as estruturas opressoras por práticas transvestidas de piadas, brincadeiras, diversão e até homenagens. As fantasias “de índio” e a “nega maluca” são bons exemplos desse fenômeno.
“Junto com a festa, o glitter e as marchinhas, surge uma pergunta que insiste em ser feita: Há problemas com as “fantasias de índio” ou de “nega maluca?”, questiona ele.
Para Diana Bonar, especialista em CNV e gestora de conflitos, antes de tentar responder aos questionamentos mencionados, recorremos a uma diferenciação importante quando estudamos CNV e temas afins: intenção é diferente de impacto.
Entender que nossas ações podem ter impactos
diferentes daqueles pretendidos por nós é fundamental para alcançarmos relações
mais empáticas, humanizadas e saudáveis. Dito isto, arriscamo-nos na tarefa de
responder ao questionamento sobre o uso de simbologias que
pertencem às culturas dos povos tradicionais em festas e comemorações
populares”, enfatiza.
Samuel Santana completa:
“Deixo claro desde já que minha intenção não é esgotar o assunto nem ditar a verdade universal. Na tentativa de contribuir com o debate, lançamos a nossa perspectiva baseada na nossa história e no que ouvimos das companheiras e companheiros empenhados em estabelecer novas narrativas sobre racismo”,
Segundo Diana, o uso de “fantasias de índio” ou da “nega maluca” nos parece estratégias drásticas para atender necessidades válidas. “Entendemos que quem busca se fantasiar em festas carnavalescas está buscando por diversão, alegria, descontração, pertencimento, comunhão etc. Todas as necessidades válidas que devem ser atendidas. No entanto, consideramos que usar de simbologias pertencentes às culturas de povos violentados historicamente é uma estratégia que não leva em consideração o outro, a sua dor e a sua história”, explica Bonar.
Ainda na explicação de Diana, ao se utilizar dos traços culturais dos indígenas, muitas vezes sagrados, como o cocar, ou homogeneizar o povo negro em uma personagem caricata, dar-se, no nosso entender, continuidade ao projeto de opressão iniciado como a colonização ao reforçar estereótipos negativos que movimentos indígenas e o movimento nego insistem em desmistificar. Para alguns, pode parecer drástico ou exagerado, mas a verdade é que o racismo é carregado de simbolismos muitas vezes incompreendidos por aqueles acostumados a vivenciar a realidade do racismo estrutural como espectador ou beneficiário direto.
Aos que veem no uso dessas “fantasias” um modo de
homenagear os povos tradicionais e a cultura negra, sinalizamos
humildemente: o racismo, a desigualdade e a superação das mazelas
históricas da escravidão e da dizimação dos povos indígenas são lutas que devem
ser compartilhadas por todos nós.
De acordo com Samuel Santana:
“É dever da sociedade traçar estratégias que
resultem na emancipação social, econômica e cultural dos povos oprimidos. Neste
sentido, a homenagem pode se traduzir em diversas outras formas mais humanas e
eficientes.”
E Diana Bonar finaliza:
“Há, por exemplo, importantes debates a serem
travados e que necessitam de uma consciência coletiva onde a energia que
impulsiona uma “homenagem no carnaval” é muito bem-vinda. A ampliação de
políticas de ações afirmativas, o encarceramento em massa dos jovens negros, os
abusos cometidos por agentes da segurança pública em comunidades, a falta de
negras, negros e indígenas em espaços de poder, a reestruturação da educação,
tornando-a mais inclusiva, a marginalização, o subemprego etc. Há muito
trabalho a ser feito coletivamente. Que possamos despender nossa energia e
força para algo verdadeiramente transformador “.
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