Estudo do Insper aponta caminhos para reduzir conflitos e o contencioso tributário, estimado em 75% do PIB
É possível melhorar a relação
entre contribuintes e o fisco e, com uma parceria mais saudável, reduzir a alta
litigiosidade no Brasil. Estimativas apontam que o contencioso tributário
corresponde 75% do Produto Interno Bruto (PIB), muito acima do que ocorre em
outros países.
Quanto maior a assistência,
transparência, cooperação e respeito das administrações fazendárias e
procuradorias em relação aos contribuintes, maior a conformidade tributária e
redução dos processos judiciais.
Essa é uma das principais
conclusões do Diagnóstico do Contencioso Tributário Brasileiro, estudo de 300
páginas, realizado por pesquisadores do Insper, com o apoio do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ).
O trabalho deverá servir como
consulta obrigatória na formulação de políticas no âmbito da administração
tributária, incluindo as discussões em curso da reforma tributária que tramita
no Congresso Nacional.
A pesquisa teve duração de
sete meses, foi realizada a partir da análise de 750 milhões de decisões,
informações dos diários oficiais de todos os tribunais do país e entrevistas
com gestores de secretarias de fazendas e procuradorias em vários estados
brasileiros. O trabalho envolveu 128 órgãos, entre tribunais judiciais e
administrativos, fiscos, procuradorias e defensorias.
O objetivo principal do
levantamento é identificar quais as possíveis causas do elevado contencioso
brasileiro em matéria tributária e propor soluções de curto, médio e longo
prazo para garantir a redução na quantidade de processos, agilidade nos
julgamentos e reduzir a necessidade de acessar o Poder Judiciário.
Sabe-se que a alta
litigiosidade e a percepção de insegurança do sistema tributário de um país
interferem no desenvolvimento econômico, gerando distorções na economia, no
processo de atração de investimentos e na segurança jurídica.
ELEVADO CONTENCIOSO
O contencioso tributário
brasileiro é expressivo e está muito distante dos padrões mundiais. De acordo
com o relatório publicado pelo Núcleo de Tributação do Insper em dezembro de
2020, no âmbito da pesquisa “Observatório do Contencioso Tributário”, os
valores discutidos nas esferas administrativa e judicial corresponderam a 75%
do PIB.
“Isso significa que o
contencioso gerou 5,44 trilhões de reais em capital improdutivo, que poderia
estar sendo utilizado pelas empresas para produzir mais, para gerar mais
empregos, mas estão envolvidos em processos, garantias judiciais, pagamento de
advogados e Contadores”, analisa Larissa Longo, pesquisadora do Núcleo de
Tributação do Insper.
Nos países da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a mediana do contencioso
administrativo beira a 0,28% do PIB e, para um grupo de nações da América
Latina, chega a 0,19% do PIB.
COMUNICAÇÃO E TRANSPARÊNCIA
Um dos achados do estudo diz
respeito aos portais das administrações tributárias, considerados não amigáveis
e funcionais pela maioria dos contribuintes. O estudo recomenda o aprimoramento
dos portais de consulta à legislação tributária, com a atualização de normas,
atos e interpretação, conforme o art. 212 do CTN (Código Tributário Nacional).
A pesquisa também constatou
que há falta de transparência das procuradorias e secretarias de fazenda quanto
aos pareceres e notas referentes aos atos normativos. Para o bem da
democracia, é importante que o contribuinte tenha acesso rápido e fácil aos
pareceres ou notas técnicas em que o fisco se baseou para seus atos normativos.
Nesse quesito, o contribuinte no Brasil fica às cegas.
Conceitualmente, de acordo
com o trabalho, a transparência ativa ocorre quando o órgão público coloca à
disposição em sua página na internet tais documentos,
independentemente de requerimento do contribuinte. Já a transparência passiva é
verificada nas hipóteses em que o contribuinte deve provocar os órgãos da
administração tributária e formular pedido individual.
Na consulta feita a 72
órgãos, entre Procuradorias e Fiscos, dos 16 que responderam, só três adotam
transparência ativa, quanto a atos preparatórios, como notas, estudos,
pareceres internos sobre legalidade e constitucionalidade das normas e atos
tributários.
INTERPRETAÇÃO DA LEGISLAÇÃO
Outra constatação é que os
fiscais autuam o contribuinte antes que a interpretação de uma nova legislação
seja conferida pelo órgão máximo do órgão pertencente à administração
tributária.
No Brasil, é comum a
aplicação divergente da legislação por um mesmo órgão, provocando insegurança
jurídica nos contribuintes e, consequentemente, aumento de conflitos e do
contencioso tributário.
Desse modo, a interpretação
de uma nova legislação pelo órgão máximo do órgão pertencente à administração
tributária abrange toda norma que seja de observância obrigatória pelos agentes
e órgãos fiscais inferiores, assim como toda e qualquer norma que gere dúvida
sobre a sua aplicação
Assim, diante do risco de
formação de contencioso e pela falta de segurança jurídica ao contribuinte, o
estudo sugere a criação de norma que impeça o lançamento tributário com
entendimentos jurídicos que não estejam definidos pelo órgão como um todo.
TRIBUTO QUE MAIS APARECE
De acordo com Larissa Longo,
um dos achados mais surpreendentes para a equipe de pesquisa foi a constatação
de que o IPTU (Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana) é o tributo mais
litigado do Brasil.
Pelo levantamento, o imposto
municipal aparece em 25% dos processos judiciais tributários, seguido do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com 16,45% e a
Contribuição Previdenciária, com 8,23%.
“De forma preliminar, concluímos
que o elevado número de processos se deve ao fato de que o IPTU é um tributo
com uma base de contribuintes muito maior que os demais. Além disso,
desconfiamos que a maior parte desses processos seja execuções fiscais, que não
discutam aspectos relacionados ao tributo em si, mas apenas à cobrança de IPTU
devido e não pago”, explica a pesquisadora.
O resultado chama a atenção
porque diversos estudos, incluindo internacionais, confirmam a relação entre
complexidade, insegurança jurídica e contencioso. “Percebemos que o elevado
contencioso tributário não é um problema isolado, mas consequência da
complexidade da legislação, assim como a insegurança jurídica também é”,
analisa.
Na opinião da pesquisadora,
são louváveis as iniciativas que busquem a melhoria do contencioso tributário.
Mas isso é insuficiente, caso sejam feitas de forma isolada. “ É necessário que
sejam também melhor investigadas as causas da complexidade tributária e que
sejam tomadas iniciativas legislativas para resolvê-las”, sugere.
Em termos percentuais, os
cinco tributos ou temas tributários federais que mais demandaram consultas
fiscais, um indicador que expressa a dúvida dos contribuintes na interpretação
da legislação, foram PIS/COFINS (12,18%), IRPJ e CSLL (9,25%), contribuições previdenciárias
(8,68%), IRPF (4,36%) e Simples Nacional (2,94%).
Jornalista especializada em
legislação e tributação
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