Profissionais que lidam com sanidade mental sabem que alguém que está seguro de que a sua divindade a escuta é um crente. Sabem, igualmente, que se alguém está convencido de que escuta a sua divindade, não vai bem, carece de remédio. Menos grave, mas ainda doentio, é o presunçoso que se constitui em intérprete ou porta-voz da “palavra divina”.
Acredito que nem todos
esses arautos do além estão afetados em sua saúde psíquica; a maioria são
espertalhões dedicados ao ramo tal qual alguém cultiva um lucrativo negócio.
Como têm habilidades em traficar ilusões e consolo, e dado que não faltam
interessados na aquisição dessas mercadorias, está garantido o sucesso das
bodegas religiosas.
Em geral, crê-se nessas
coisas divinais por se receber, desde a mais tenra idade, conformação
ideológica que explica o mundo como sendo coisa criada. O mundo seria obra de
um criador (nunca foi explicado quem criou o criador, mas isso é outra
conversa) que teria escolhido, posteriormente, determinados representantes para
orientar suas criaturas.
Tais representantes, sedizentes cintilados
por revelação esotérica dos desígnios divinos, são os fundantes das religiões,
aglomerando e controlando multidões. Na tradição semita, judaísmo, cristianismo
e islamismo assentaram-se por meios violentos, com sistemática e cruel
eliminação dos incréus. Aliás, quando podem, religiosos repetem guerras
atrozes.
O nosso país foi colônia
portuguesa. Portugal tinha reis católicos. Depois, a Corte mudou-se para terras
brasileiras. Pelos costumes da época, os súditos seguiam a religião de seu rei.
Nós éramos súditos dos reis de Portugal, depois de nossos próprios reis, então,
éramos católicos, donde decorreu e decorre até hoje que, como católicos, fomos
e somos educados.
Há variantes cristãs
importantes, mas são desdobramentos da mesma tradição que estabeleceu o
cristianismo a ferros e fogueiras da Inquisição. Uma “lógica” simples: ou crê e
pratica os rituais da crença, ou morre. Então, na Europa e, por herança, no
Brasil, sobraram vivos apenas os cristãos. Eu diria: uma seleção ideológica
efetuada por aparelhos repressivos.
Como, com métodos tão
“convincentes”, dentre nós, o cristianismo tornou-se hegemônico, os cristãos
passaram a sobrepor aos milhões de deuses de todo o mundo e de todos os tempos
o seu próprio deus. Interditaram os tantos existentes no planeta e apregoaram o
seu como “o” deus. Para categorizar a exclusividade, os cristãos grafam deus
com maiúscula.
Atualmente, com as
informações mais disseminadas, é impossível desconhecer o panteão. Quem fala em
nome de alguma divindade já não pode escamotear o fato: o seu deus é apenas um
dentre tantos. Também é perceptível que as diversas religiões se copiam: seus
mitos e princípios são muito semelhantes, como evidencia a transcrição abaixo.
Bendito quem ama ao outro
antes que a si mesmo (baha’i); não trates aos outros de maneira que tu mesmo
considerarias prejudicial (budismo); a benevolência máxima consiste em não
fazer aos outros o que não queres que façam a ti (confucionismo); tudo o que
desejam que os demais façam por vocês, façam-no pelos demais (cristianismo); o
dever supremo é não fazer aos demais o que te magoa quando é feito a ti
(hinduísmo); nenhum de vocês crê verdadeiramente até que queiram para os outros
o que desejam para si mesmos (islamismo); cada um deveria tratar a todas as
criaturas do mundo como gostaria de ser tratado (jainismo); o que para ti é
odioso, não o faças para o teu próximo (judaísmo); não sou um estranho para
ninguém e ninguém é um estranho para mim (sikismo); considera o sucesso do teu
próximo como se fosse o teu, e a sua derrota como se fosse a tua (taoísmo)
(psinfantil.blogspot.com).
Nesse rol de preceitos,
faço duas interposições: uma anotação: o discurso de respeito ao próximo não é
exclusividade de ninguém, e quem menos o pratica é o religioso insistente em
“levar a palavra”; um acréscimo, para chamar a atenção dos crentes: respeita a
crença ou a não crença do outro como queres que o outro respeite a tua crença e
o teu direito de crer.
Há muitos preceitos
religiosos orientando vida com afeição. São só prédicas, não são práticas.
Religiosos perpetram catequese forçada; não há controvérsia. Crianças crescem
sob proselitismo dogmático. Dogmatismo alastra discórdia. Dogmáticos não.
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista
Nenhum comentário:
Postar um comentário