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quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

CRER, PREGAR, PRATICAR

Profissionais que lidam com sanidade mental sabem que alguém que está seguro de que a sua divindade a escuta é um crente. Sabem, igualmente, que se alguém está convencido de que escuta a sua divindade, não vai bem, carece de remédio. Menos grave, mas ainda doentio, é o presunçoso que se constitui em intérprete ou porta-voz da “palavra divina”.


Acredito que nem todos esses arautos do além estão afetados em sua saúde psíquica; a maioria são espertalhões dedicados ao ramo tal qual alguém cultiva um lucrativo negócio. Como têm habilidades em traficar ilusões e consolo, e dado que não faltam interessados na aquisição dessas mercadorias, está garantido o sucesso das bodegas religiosas.


Em geral, crê-se nessas coisas divinais por se receber, desde a mais tenra idade, conformação ideológica que explica o mundo como sendo coisa criada. O mundo seria obra de um criador (nunca foi explicado quem criou o criador, mas isso é outra conversa) que teria escolhido, posteriormente, determinados representantes para orientar suas criaturas.

 

Tais representantes, sedizentes cintilados por revelação esotérica dos desígnios divinos, são os fundantes das religiões, aglomerando e controlando multidões. Na tradição semita, judaísmo, cristianismo e islamismo assentaram-se por meios violentos, com sistemática e cruel eliminação dos incréus. Aliás, quando podem, religiosos repetem guerras atrozes.


O nosso país foi colônia portuguesa. Portugal tinha reis católicos. Depois, a Corte mudou-se para terras brasileiras. Pelos costumes da época, os súditos seguiam a religião de seu rei. Nós éramos súditos dos reis de Portugal, depois de nossos próprios reis, então, éramos católicos, donde decorreu e decorre até hoje que, como católicos, fomos e somos educados.


Há variantes cristãs importantes, mas são desdobramentos da mesma tradição que estabeleceu o cristianismo a ferros e fogueiras da Inquisição. Uma “lógica” simples: ou crê e pratica os rituais da crença, ou morre. Então, na Europa e, por herança, no Brasil, sobraram vivos apenas os cristãos. Eu diria: uma seleção ideológica efetuada por aparelhos repressivos.


Como, com métodos tão “convincentes”, dentre nós, o cristianismo tornou-se hegemônico, os cristãos passaram a sobrepor aos milhões de deuses de todo o mundo e de todos os tempos o seu próprio deus. Interditaram os tantos existentes no planeta e apregoaram o seu como “o” deus. Para categorizar a exclusividade, os cristãos grafam deus com maiúscula.


Atualmente, com as informações mais disseminadas, é impossível desconhecer o panteão. Quem fala em nome de alguma divindade já não pode escamotear o fato: o seu deus é apenas um dentre tantos. Também é perceptível que as diversas religiões se copiam: seus mitos e princípios são muito semelhantes, como evidencia a transcrição abaixo.


Bendito quem ama ao outro antes que a si mesmo (baha’i); não trates aos outros de maneira que tu mesmo considerarias prejudicial (budismo); a benevolência máxima consiste em não fazer aos outros o que não queres que façam a ti (confucionismo); tudo o que desejam que os demais façam por vocês, façam-no pelos demais (cristianismo); o dever supremo é não fazer aos demais o que te magoa quando é feito a ti (hinduísmo); nenhum de vocês crê verdadeiramente até que queiram para os outros o que desejam para si mesmos (islamismo); cada um deveria tratar a todas as criaturas do mundo como gostaria de ser tratado (jainismo); o que para ti é odioso, não o faças para o teu próximo (judaísmo); não sou um estranho para ninguém e ninguém é um estranho para mim (sikismo); considera o sucesso do teu próximo como se fosse o teu, e a sua derrota como se fosse a tua (taoísmo) (psinfantil.blogspot.com).


Nesse rol de preceitos, faço duas interposições: uma anotação: o discurso de respeito ao próximo não é exclusividade de ninguém, e quem menos o pratica é o religioso insistente em “levar a palavra”; um acréscimo, para chamar a atenção dos crentes: respeita a crença ou a não crença do outro como queres que o outro respeite a tua crença e o teu direito de crer.


Há muitos preceitos religiosos orientando vida com afeição. São só prédicas, não são práticas. Religiosos perpetram catequese forçada; não há controvérsia. Crianças crescem sob proselitismo dogmático. Dogmatismo alastra discórdia. Dogmáticos não.

 


Léo Rosa de Andrade
Doutor em Direito pela UFSC.
Psicanalista e Jornalista

 

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