Estudo realizado em Manaus constatou que nanopartículas resultantes de atividades humanas, entre elas a queima de combustíveis fósseis, crescem rapidamente na atmosfera e interferem no desenvolvimento das nuvens. Descoberta traz mais acurácia aos modelos meteorológicos e às simulações sobre as mudanças climáticas (foto: Luiz Augusto Machado/IF-USP)
Até mesmo as partículas mais finas de
poluição impactam os mecanismos de formação e desenvolvimento das nuvens e
alteram o regime de chuvas. Estudo realizado na cidade de Manaus (AM) mostrou
que, por meio de um processo químico conhecido como oxidação, pequenos
aerossóis expelidos por fábricas ou escapamentos de carro, por exemplo, crescem
muito rapidamente, atingindo tamanho até 400 vezes maior. E isso interfere na
formação das gotas de chuva.
"Entender os mecanismos de
formação de nuvens e de chuvas na Amazônia é um grande desafio pela
complexidade de processos físico-químicos não lineares da atmosfera”,
explica Paulo Artaxo,
professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e autor
do estudo publicado ontem (12/01)
na Science Advances.
A descoberta de pesquisadores
brasileiros e norte-americanos aumenta a precisão de modelos e de simulações
matemáticas sobre as mudanças climáticas. “Essas nanopartículas de poluição
[com menos de 10 nanômetros] costumavam ser desprezadas em cálculos e modelos
atmosféricos. A atenção era voltada para as partículas com mais de 100
nanômetros, pois são elas que atuam como núcleo de condensação de nuvens [onde
o vapor de água condensa e forma gotículas] e alteram o padrão das chuvas. Com
este estudo mostramos que, ao longo de sua trajetória na atmosfera, as
partículas menores vão se oxidando e crescendo rapidamente até atingirem o
tamanho necessário para virar um núcleo de condensação”, explica Luiz Augusto Machado,
professor do IF-USP e coautor do artigo.
Os dados foram coletados com auxílio
de aviões que sobrevoaram a região de Manaus em baixa altitude, percorrendo
cerca de 100 quilômetros (km) da pluma de poluição produzida na metrópole entre
os anos de 2014 e 2015. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio da campanha
científica Green Ocean Amazon (GoAmazon) e
de um Projeto Temático –
ambos vinculados ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas
Globais (PFPMCG).
“Pouco se
sabia sobre a atuação dessas nanopartículas nos regimes de chuvas. Acontece que
a região de Manaus é um lugar único no mundo, um laboratório a céu aberto. É
uma megacidade rodeada de floresta e distante de outras cidades. Por isso, ela
permite entender como uma metrópole modifica um ambiente parecido com o da era
pré-industrial”, conta Machado.
Aerossóis
são partículas (sólidas ou líquidas) suspensas no ar. Eles podem ser produzidos
naturalmente pela floresta, como partículas primárias, ou secundariamente na
atmosfera a partir de precursores gasosos (COV) emitidos pelas florestas
(aerossóis orgânicos secundários), por exemplo, ou – como o que foi investigado
neste estudo – por atividades humanas, como a queima de combustíveis fósseis.
Machado
explica que os aerossóis com menos de 10 nanômetros, ao serem liberados na
região de Manaus por escapamentos de veículos, pela indústria ou durante a
geração de energia elétrica, formam uma espécie de pluma de poluição que segue
em direção ao sudoeste (por causa dos ventos). Os pesquisadores avaliaram que é
durante esse trajeto que as partículas crescem rapidamente.
“É muito
difícil avaliar o efeito do material particulado na chuva, pois existe um
número grande de variáveis atmosféricas que interferem nessa relação. Por isso,
comparamos a linha de poluição com as áreas ao redor, que estão fora da pluma
de poluição. O que percebemos é que esse particulado vai crescendo de tamanho
rapidamente. A 10 km de distância de Manaus ele já está maior e a 30 km é
possível que já tenha atingido tamanho suficiente para se tornar um núcleo de
condensação, interferindo na formação das gotas de chuva”, diz.
Impacto variável
Os
mecanismos de formação de nuvens são complexos e dependem de muitos parâmetros
atmosféricos. No caso dos pequenos aerossóis, eles vão interferir na
condensação das gotas de chuva. No entanto, dependendo de como está a condição
atmosférica e, sobretudo, a formação de nuvem a cada momento, as chuvas podem
ser intensificadas ou reduzidas.
Machado
explica que, como há muito material particulado, quando a pluma de poluição
entra em contato com uma nuvem, ocorre uma competição pelo vapor d'água lá
presente – reduzindo o tamanho das gotas.
“Para que
a chuva caia, é necessário que as gotas tenham um determinado tamanho. É o que
chamamos de velocidade terminal da gota, que precisa ser menor do que o
movimento de ar que está subindo. Caso contrário, a nuvem fica com um monte de
gotinha pequena e a chuva não cai”, explica.
Porém,
ressalta Machado, caso ocorra um vento vertical muito forte, ele pode levar
essa grande quantidade de gotinhas para uma maior altitude, formando partículas
de gelo, podendo gerar uma tempestade intensa.
“Percebemos que, conforme esse
material particulado vai crescendo, ele se torna núcleo de condensação. Quando
encontra uma nuvem pequena e fraca [nuvem quente], chove pouco. O aerossol
reduz a precipitação. Mas se a nuvem ganhar potência e se tornar uma cumulonimbus [de grande desenvolvimento vertical],
por exemplo, os aerossóis aumentam a precipitação. Ou seja, até mesmo essas
pequenas partículas de poluição têm influência na formação das chuvas”, detalha
Machado.
Segundo os pesquisadores, o projeto
deve continuar de forma ampliada, captando novos dados. A equipe vai realizar
este ano o experimento Cafe-Brasil (Chemistry of the Atmosphere: Field
Experiment in Brazil) com o auxílio de uma aeronave alemã que pode voar a 15 km
de altitude. Artaxo explica que estudos similares usando sensoriamento remoto
também estão sendo realizados na torre ATTO, de 325 metros de altura, no meio
da floresta amazônica (leia mais em: agencia.fapesp.br/29519/).
"Nesse
estudo que publicamos agora, coletamos os dados por meio de voos de baixa
altitude [4 mil metros]. A aeronave alemã que vamos utilizar para as nossas
próximas coletas é um dos mais sofisticados aviões-laboratórios que existem.
Desse modo, poderemos fazer um experimento para entender questões
físico-químicas fundamentais na produção de aerossóis, nuvens e precipitação
que ainda permanecem um mistério para nós", conta Artaxo.
O artigo Rapid growth of anthropogenic organic nanoparticles greatly alters cloud lifecycle in the Amazon rainforest, de Rahul A. Zaveri, Jian Wang, Jiwen Fan, Yuwei Zhang, John E. Shilling, Alla Zelenyuk, Fan Mei, Rob Newsom, Mikhail Pekour, Jason Tomlinson, Jennifer M. Comstock, Manish Shrivastava, Edward Fortner, Luiz A. T. Machado, Paulo Artaxo e Scot T. Martin, pode ser lido em www.science.org/doi/10.1126/sciadv.abj0329.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP https://agencia.fapesp.br/ate-as-menores-particulas-de-poluicao-alteram-o-ciclo-de-chuva-na-amazonia/37706/
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