Sem sua inclusão no teste do pezinho ampliado, o diagnóstico da Mucopolissacaridose Tipo II, doença genética que faz parte do grupo dos erros inatos do metabolismo, acaba sendo demorado e complexo, uma vez que ela se apresenta progressivamente e há múltiplos sintomas e muitos são comuns a outras patologias.
De acordo com o estudo qualitativo “Jornada do
Paciente MPS II”, realizado pelo Instituto Inception
Consultoria e Pesquisa, instituto de pesquisa focado na área da saúde, e
encomendado pela JCR Farmacêutica, cuidadores de pacientes com MPS relatam que
passaram por mais de cinco médicos diferentes, incluindo pediatra, otorrino,
ortopedista, neurologista e cirurgião, até ser levantada a suspeita de uma
doença rara e o diagnóstico ser realizado, usualmente pelo geneticista.
Esse percurso pode durar até quatro anos e, ao
longo desse percurso, a doença vai se agravando , reduzindo a expectativa de
vida do paciente que, sem tratamento, na maioria dos casos não atinge a idade
adulta.
Isso acontece porque em cada uma das diferentes
MPS, a produção de uma das enzimas responsáveis pela degradação de compostos
específicos é afetada e o acúmulo dos mesmos no organismo do paciente, de
forma progressiva, provoca diversas manifestações. Dessa forma, quanto mais
tempo se passa sem tratamento, piores são as consequências.
O pediatra é o médico que tem contato com o bebê e
pode perceber as primeiras manifestações da doença, que muitas vezes acontecem
já nos primeiros meses de vida. Ao se deparar com os problemas,
especialistas como otorrinolaringologista, ortopedista e cirurgião pediátrico
são indicados para as complicações da doença que aparecem na infância
“Otites recorrentes que muitas vezes levam à
colocação de drenos no tímpano, cirurgias para retirar adenoides e amígdalas,
ou para corrigir hérnia umbilical ou inguinal, são alguns dos procedimentos
comuns nos pacientes com MPS, geralmente realizados antes que o diagnóstico
esteja estabelecido”, comenta o Prof. Roberto Giugliani, médico geneticista do
HCPA. “Seria importante que, embora sejam situações frequentes, esses
procedimentos gerassem um questionamento sobre a possibilidade de MPS,
especialmente quando mais de um deles está presente num mesmo paciente ou então
associado a algum outro problema, como deficiência auditiva, restrição
articular ou alteração na coluna”, complementa Giugliani.
Como os médicos muitas vezes não têm informações
sobre doenças raras, que são muitas e individualmente pouco frequentes,
demora-se até suspeitar da doença e encaminhar para um especialista.
Entre os problemas que ocorrem com os pacientes com
MPS que não recebem o tratamento adequado, se incluem: limitações articulares,
perda auditiva, problemas respiratórios e cardíacos, aumento do fígado e baço e
déficit neurológico. E segundo pesquisa do Instituto Inception, não são apenas
as crianças que sofrem com o diagnóstico tardio.
As mães sentem uma grande frustração por não terem
conseguido realizar o diagnóstico mais cedo. Os relatos mostram que elas vivem
um mix de sentimentos como alívio, por finalmente ter o diagnóstico e a chance
de tratamento; e culpa, por não terem suspeitado e levado a criança ao médico
certo antes, o que poderia ter diminuído o sofrimento.
É o caso de Silmara Moraes da Silva, cujo filho,
João Guilherme, tem MPS tipo II. A criança, que hoje tem 10 anos, fez o teste
do pezinho convencional (que não incluía MPS II) logo que nasceu, por meio do
convênio médico.
“Só tive o diagnóstico de MPS do meu filho aos
cinco anos. As suspeitas começaram aos três, quando a pediatra da creche o
examinou e, ao perceber a barriga muito inchada, pediu exames e o encaminhou
para outros médicos. Dos 3 aos 4 anos, percorremos vários especialistas, até
chegar a um pediatra que nos incentivou a ir ao geneticista. O geneticista, ao
examiná-lo, já suspeitou de MPS, mas pediu os exames que só foram concluídos
após mais um ano. Nem sabíamos o que era a doença”, revela Silmara.
Hoje, a mãe de Luiz Guilherme lamenta não ter tido
acesso ao diagnóstico antes, por meio do teste do pezinho. Se esse fosse o caso,
seu filho teria tido uma melhor evolução da doença por meio do tratamento
precoce. “Hoje, meu filho já tem sequelas e está começando a ficar debilitado”,
lamenta.
Isso nos mostra que, com o teste do pezinho
ampliado no SUS, a possibilidade dos pais detectarem a doença logo após o
nascimento e assim garantirem uma qualidade de vida melhor aos seus filhos vai
fazer muita diferença não só no tratamento da criança, mas também na saúde
mental familiar.
“Sorte dos pais que no futuro vão conseguir
diagnosticar com o teste do pezinho. Eu me alegro muito pela lei ter sido
aprovada, pois sei que esses novos pacientes terão muito mais chance de ter uma
vida melhor”, destaca Silmara Moraes.
A pesquisa ouviu pais de pacientes, associações de
pacientes, cuidadores, enfermeiros e médicos de diferentes especialidades com
objetivo de compreender a jornada do paciente com MPS II. durante todas as
fases. Esse mapeamento reflete as etapas, ações, pensamentos e considerações de
todos os envolvidos com a enfermidade, bem como os sentimentos, emoções e
preocupações.
As Mucopolissacaridoses (MPS)
A incidência das Mucopolissacaridoses é de cerca de
1 para cada 20 mil nascidos vivos². De acordo com a enzima que se encontra
deficiente, as Mucopolissacaridoses podem ser classificadas em 11 tipos
diferentes.
No Brasil, o tipo II, conhecido como Síndrome de
Hunter, é o mais prevalente - são 0,48 para cada 100.000 nascidos vivos², com
uma média de 13 novos casos ao ano. Ocorrendo quase exclusivamente em pessoas
do sexo masculino, a MPS II, sem o tratamento adequado, pode causar a morte do
paciente precocemente.
De acordo com dados da Rede MPS Brasil, entre os
anos 1982 e 2019, foram diagnosticados por esse programa 493 pacientes com a
MPS tipo II em nosso país, e diagnóstico dessa doença pode ganhar um novo
aliado com a aprovação do Projeto de Lei que visa a ampliar as doenças que
devem fazer parte do Teste do Pezinho realizado no âmbito do SUS.
Tratamento - A MPS não tem cura, mas com
tratamento adequado é possível controlar a doença e aumentar a expectativa de
vida do paciente. Segundo o médico geneticista do Hospital das Clínicas de
Porto Alegre e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Dr.
Roberto Giugliani, a Terapia de Reposição Enzimática (TRE), com infusões
semanais de enzima deficiente nesses paciente, foi um importante avanço
no tratamento das MPS, embora tenha algumas limitações, como o fato de não
penetrar no sistema nervoso, já que em ⅔ dos
pacientes com MPS II a doença afeta também o cérebro.
“Novos tratamentos, como os que utilizam enzimas
que são capazes de chegar ao cérebro, ainda que tenham sido administradas no
sangue, irão permitir tratar as manifestações neurológicas. A combinação dessas
novas tecnologias de tratamento com o diagnóstico precoce, idealmente através
do teste do pezinho, trará um ganho significativo na qualidade de vida dos
pacientes com MPS”, explica o Dr. Roberto Giugliani.
Referências:
1) Casa Hunter. Disponível em https://casahunter.org.br/o-que-e-doenca-rara/
2) Estudo ‘Updated birth prevalence and relative
frequency of mucopolysaccharidoses across Brazilian regions’. Disponível em https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-47572021000100103&script=sci_arttext
3) Rede MPS Brasil. Disponível em http://www.ufrgs.br/redempsbrasil/sobremps.php
Nenhum comentário:
Postar um comentário