Ansiedade, estresse, angústia, rotina inadequada de sono. Somam-se a esses fatores os outros que vieram com a pandemia: o medo do coronavírus em si, as preocupações financeiras, a sobrecarga de trabalho e o isolamento prolongado. Com tudo isso, observamos um aumento de frequência e intensidade das crises de enxaqueca, uma doença neurológica e genética, que tem na dor de cabeça seu sintoma mais conhecido.
A enxaqueca é uma doença muito mais comum do que
se imagina: no país, acomete 20% das mulheres e até 10% dos homens, de acordo
com a Sociedade Brasileira de Cefaleia. Ela ocupa a sexta posição entre as
doenças mais incapacitantes, segundo a Organização Mundial de Saúde. É também
uma das principais causas de absenteísmo e queda de produtividade.
É chamada de crônica quando se manifesta em
pelos menos 15 dias por mês. O diagnóstico é clínico, isto é, nenhum exame é
capaz de identificar a doença.
Na infância, a enxaqueca se manifesta de forma
semelhante em ambos os sexos. A partir da adolescência, as mulheres costumam
ter crises mais graves e frequentes do que os homens devido ao gatilho hormonal
do ciclo menstrual. Depois dos 50 anos, ela volta a afetar da mesma maneira o
sexo masculino e o feminino.
As crises podem durar de quatro a 72 horas. A dor
de cabeça moderada a severa é latejante e atinge a testa e as têmporas, podendo
descer até o pescoço e os ombros. Ela é acompanhada de intolerância a luz,
barulhos e cheiros; sensação de má digestão refluxo, náuseas e, às vezes,
vômitos.
Cerca de 30% dos pacientes apresentam enxaqueca
com aura, um sintoma visual que faz a pessoa enxergar pequenos brilhos ou
luzes. A própria visão fica embaçada em certas ocasiões
O estresse está entre os fatores que desencadeiam
as crises de enxaqueca. Outros gatilhos importantes são a privação de sono, o
jejum prolongado, a pouca ingestão de água, o sedentarismo e o consumo em
excesso de cafeína, bebidas alcoólicas e alimentos gordurosos e muito
condimentados.
O medo e as incertezas provocados pela pandemia
têm contribuído para aumentar as crises de enxaqueca. O que estamos vendo hoje
nos consultórios são pessoas que antes tinham episódios esporádicos e agora são
acometidas quase diariamente de dores de cabeça e outros sintomas associados à
doença.
A Covid-19 também contribuiu para o aumento da
automedicação. Por medo da infecção pelo coronavírus, muitas pessoas tentam
minimizar os sintomas tomando anti-inflamatórios ou analgésicos sem indicação.
Acontece que, se a pessoa ingerir medicamentos mais de duas vezes por semana,
pode ser vítima da "dor de cabeça de rebote", uma consequência do
excesso de medicamentos e do aumento progressivo das doses necessárias para
alívio das crises. O efeito rebote costuma agravar os sintomas e tornar os
incômodos mais frequentes e severos.
A boa notícia é que a enxaqueca pode ser
controlada. Com remédios adequados e sob prescrição médica, a ocorrência de
crises é espaçada e a intensidade dos sintomas, amenizada.
Segundo o Consenso Latino-Americano para as
Diretrizes de Tratamento de Migrânea Crônica e o Consenso da Sociedade
Brasileira de Cefaleia sobre o Tratamento da Migrânea Crônica, os tratamentos
se dividem basicamente em duas vertentes:
• Tratamento agudo: serve para reduzir a intensidade da dor no momento da crise
e amenizar sintomas associados. A escolha do medicamento será definida por um
neurologista caso a caso, incluindo tratamento hospitalar em pronto-socorro.
• Tratamento preventivo: seu objetivo é diminuir ou evitar a recorrência das crises.
Ele pode incluir fármacos orais, como neuromoduladores e betabloqueadores, e
injetáveis, como a toxina botulínica. Nesse caso, ela é aplicada no trajeto dos
nervos na cabeça e pescoço, impedindo o processo inflamatório e a liberação de
neurotransmissores que levam os sinais de dor para o cérebro. Em média, cada
aplicação tem duração de três meses e é possível retornar à rotina no mesmo
dia.
Muitos gatilhos das crises de enxaqueca estão
relacionados aos hábitos de vida. Manter uma rotina de alimentação balanceada,
sono adequado e atividades físicas equilibradas favorece o bem-estar de quem
sofre com a doença.
O paciente deve ainda evitar luzes intensas, o
consumo excessivo de álcool e ruídos altos, além de manejar o estresse, ainda
mais durante a pandemia.
Thais Villa - neurologista e chefe do Setor de Cefaleias da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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