Tema foi debatido por cientistas envolvidos em estudo sobre a conservação da floresta, monitoramento de queimadas e de efeitos das mudanças climáticas durante seminário virtual promovido pelo Instituto do Legislativo Paulista em parceria com a FAPESP (foto: Neil Palme/Wikimedia Commons)
O debate sobre o desenvolvimento sustentável da Amazônia tem se limitado a conciliar a intensificação da produção agropecuária com a preservação do bioma por meio de terras indígenas e unidades de conservação e contenção do desmatamento.
Um grupo de pesquisadores, no
entanto, propõe uma alternativa a essas duas vias de ação: uma nova bioeconomia
baseada no uso dos ativos da biodiversidade. A ideia consiste tanto em
conservar a floresta em pé quanto em gerar emprego, renda e desenvolvimento
econômico a partir de inovação e pesquisa sobre ativos biológicos e
biomiméticos oriundos de espécies amazônicas.
Esse e outros temas relacionados,
como a importância de realizar pesquisas científicas na região e de
disponibilizar dados abertos sobre desmatamento, foram tratados no seminário
on-line “Amazônia: tecnologia, desenvolvimento e sustentabilidade”.
Realizado no dia 05 de abril, o evento integra o Ciclo ILP-FAPESP de
Ciência e Inovação – uma parceria entre a Fundação e o Instituto do Legislativo
Paulista (ILP) da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A íntegra do
seminário está disponível no YouTube.
“O que queremos? Transformar a Amazônia numa grande fazenda de grãos?
Isso não é possível, pois mesmo se reduzirmos o desmatamento e mantivermos
áreas protegidas e agricultura sustentável e mais produtiva não será o
suficiente para frear a savanização do bioma. Precisamos criar um novo modelo
com desmatamento zero, grande recuperação florestal e com uma nova bioeconomia,
que ainda não existe em nenhum lugar tropical do mundo. Precisamos do que temos
chamado de Amazônia 4.0”, defendeu Carlos Nobre,
copresidente do Painel Científico para a Amazônia.
Com a intensificação do modelo
econômico desenvolvimentista, o que já havia sido previsto por modelos teóricos
começa a aparecer na prática: a possibilidade de que até 60% da Amazônia se
torne uma savana tropical degradada. De acordo com Nobre, caso esse cenário de
devastação aconteça, serão mais de 200 bilhões de toneladas de carbono lançadas
na atmosfera, o que teria também um impacto profundo nas mudanças climáticas.
“O que vemos é maior severidade da
estação seca e diminuição da reciclagem de água. No sul da Amazônia, a estação
seca está de três a quatro semanas mais longa do que na década de 1980 e
aumentou a mortalidade das árvores [ou seja, mais carbono para a atmosfera]. É
a ativação do que chamamos de ponto de não retorno. Se o desmatamento passar de
20% ou 25% e continuar crescendo, vamos ter em 30 anos 40% da Amazônia
degradada”, alertou o pesquisador.
Nobre ressaltou que o desmatamento não aumenta a produtividade agrícola.
“A pergunta é: queremos ser eternamente um fornecedor de commodities, nos desindustrializando mais a cada ano?
Queremos esse destino ou o de ser provedor de uma nova economia baseada na
biodiversidade?”, indagou.
Outro ponto destacado por Nobre é que
atualmente a produção de produtos florestais, como açaí, por exemplo,
rende mais (US$ 1.000 por hectare ao ano) do que a soja (US$ 200) e a
pecuária (US$ 100). De acordo com o pesquisador, a bioeconomia e a biomimética
podem conferir um ganho ainda maior.
“Elas representam o maior potencial industrializador
presente no país e combinam conhecimento científico ao tradicional e indígena.
Podemos transformar a Amazônia no Vale do Silício da Biodiversidade, unindo
inovação, agricultura de baixo carbono e novos materiais extraídos da natureza
para o uso farmacêutico, cosmético e de recursos genéticos”, disse.
O projeto da Amazônia 4.0 ainda está
em desenvolvimento e prevê a implementação de biofábricas em cadeias
produtivas, como de açaí, cupuaçu e cacau. Além da capacitação de pessoas para
trabalharem nessas biofábricas, o programa prevê a criação de uma escola
(Rainforest Business School) e de um instituto de pesquisa (Amazônia Institute
of Technology).
Adalberto Luis Val, professor do
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), concorda que é preciso
fazer muito mais para garantir a conservação do bioma. Ele defende, entre
outras medidas, a formação de cientistas que trabalhem na região e mais
investimentos em pesquisa.
“Na Amazônia sabemos que não dá para
importar modelos. Precisamos produzir e aperfeiçoar as cadeias produtivas por
nós mesmos. Esses modelos precisam proporcionar geração de renda e emprego na
região e conservar a biodiversidade. Destruir a floresta é um tiro no pé até
mesmo para o agronegócio brasileiro, pois altera o ciclo hidrológico, gerando
escassez de água, algo essencial para esse tipo de negócio”, disse.
Val ressalta que o tesouro mais
importante da Amazônia – as informações contidas em sua grande variedade de
espécies – ainda está escondido na floresta. São os ativos biológicos e
genéticos presentes em animais e vegetais. “No entanto, esse Eldorado da
diversidade biológica e cultural que abrange vários países – e só de peixe tem
mais de 2.500 espécies – tem sido visto apenas de cima. Falta pesquisa
científica que explique e descreva toda essa diversidade que tem sido formada
desde o soerguimento dos Andes”, afirmou.
Como exemplos o pesquisador destaca
estudos realizados em tambaquis, peixes que conseguem se adaptar a condições
extremas existentes em ambientes com pouco oxigênio. “A Amazônia é contada por
uma história de mudanças climáticas e tectônicas que estão refletidas nas
informações genéticas de sua biodiversidade. O tambaqui, por exemplo, tem uma
espécie de lábio inferior, que é formado em ambientes de hipóxia. Estudos
mostraram que alguns genes desse animal, quando expostos a ambientes com pouco
oxigênio, têm expressão duas vezes maior, o que faz com que o tecido cresça ou
regrida muito rapidamente”, contou.
Conhecer
para conservar
Da mesma maneira que as mudanças climáticas globais trazem consequências
para a floresta, o impacto do desmatamento não se restringe apenas ao ambiente
amazônico. "Se por um lado a Amazônia e o Brasil já estão em processo de
aquecimento, por outro as emissões de queimadas na Amazônia têm dimensões
continentais, cobrindo 60% da América do Sul e afetando todo o planeta”,
comentou Paulo Artaxo,
professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP).
Dessa forma, a importância da
Amazônia está também no fato de ser o único lugar do planeta em que a própria
floresta controla seu clima interno, com processos que impactam o mundo todo.
Além disso, a Amazônia possibilita a manutenção de serviços ecossistêmicos
vitais e pode contribuir também para absorver dióxido de carbono (CO2) da
atmosfera.
Para o pesquisador, a ciência
produzida na Amazônia é de extrema importância para o mundo. “E a única
maneira de implementar políticas públicas acertadas é com base em evidências
científicas”, disse.
No entanto, destacou, há um
recrudescimento da degradação da floresta. “O desmatamento é recente. Em 1975,
apenas 0,5% da área do bioma havia sido desmatada. Em 1988, esse número subiu
para 5% e, em 2020, chegou a 19%.”
Gilberto Câmara Neto, diretor do
Secretariado do Grupo de Observações da Terra, ressaltou a importância dos
satélites para o monitoramento da Amazônia.
“O Brasil tem uma trajetória de
monitoramento permanente desde 1988. Temos um conjunto de satélites que nos dá
uma visão completa da Amazônia e ano a ano o Inpe [Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais] esquadrinha a região, gerando uma comparação do que
aconteceu com alto nível de detalhe”, afirmou o cientista, que foi diretor do
Inpe de 2005 a 2012.
Câmara destaca ainda a importância da
transparência do sistema de monitoramento como forma de garantir credibilidade
e governança. “São dados de acesso livre, de modo que todo cidadão pode
acompanhar. É um esforço científico de décadas e que hoje é aceito no mundo
inteiro. O Fundo Amazônia utiliza os dados do Inpe como medida de desempenho.
Os americanos não duvidam do dado e o Acordo de Paris também não”, destacou.
“Se a sociedade brasileira não
tivesse conhecimento dessas informações, ela não saberia qual a magnitude do
problema, nem o gestor público poderia agir rapidamente, tentando reverter
altas de desmatamento”, acrescentou.
Nos últimos anos, a situação de
devastação da Amazônia se tornou ainda mais preocupante. Desde 2005, aumentou
de 5 mil quilômetros quadrados (km2) de área desmatada ao ano para 11 mil km2
em 2020, mesmo com a pandemia e a queda da atividade econômica.
O pesquisador ressaltou também que não há contradição entre preservação
e produção, desde que haja gestão pública responsável. “Não se trata de
criminalizar e estigmatizar os produtores. Sabemos que apenas 2% das
propriedades são responsáveis por 62% do desmatamento em potencial. O combate à
devastação, portanto, não significa o combate aos agricultores. Também não
existe o lado dos ambientalistas e o dos agricultores, o que deve existir é uma
política pública com base nos dados para saber quem está dentro da lei e quem
não está, para então penalizar. De 2005 a 2012 houve uma redução de 80% do
desmatamento da Amazônia. Por isso eu digo: já fizemos uma vez e podemos fazer
isso novamente, é só estar do lado político certo”, afirmou.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
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