Já faz um ano que a maior parte das crianças e jovens brasileiros precisou alterar completamente sua rotina de estudo para o ensino remoto. Depois de tanto tempo e de tantas experiências, há quem acredite que o país está preparado para encarar uma proposta que vem ganhando força junto a alguns setores da sociedade, o homeschooling. Nos últimos dias, um projeto que estava parado na Câmara dos Deputados desde dezembro de 2019 voltou a avançar na casa. Embora a vivência do ensino remoto seja uma realidade, é preciso cuidado para não confundi-la com a vivência real do homeschooling, modelo de ensino que ainda não é legalizado no Brasil e nem se assemelha ao que está sendo adotado devido à pandemia de Covid-19.
Ao longo do ano letivo de 2020, os estudantes
brasileiros precisaram se manter longe das salas de aula como medida de redução
da contaminação pelo novo coronavírus. No ensino remoto, as crianças recebem
orientações, direcionamentos e atividades por meio de uma instituição de
ensino. As realidades são muito diversas e, enquanto há estudantes que
conseguiram acompanhar de forma satisfatória os conteúdos propostos, outros
sequer têm a estrutura básica necessária para assistir às aulas ou realizar as
atividades. Dificuldades no acesso à internet, falta de um ambiente adequado
para fazer as tarefas e avaliações, acesso restrito até mesmo a uma alimentação
saudável e de qualidade são, infelizmente, questões cotidianas para muitos
jovens em todas as regiões do país.
A escola precisou se esforçar para manter essas
crianças matriculadas e frequentando as aulas, ainda que on-line. Isso foi
possível ora por meio de aulas síncronas, ora com vídeos - e com muito trabalho
extra de professores e equipes pedagógicas que, muitas vezes, foram até a casa
de muitos de seus alunos para entregar materiais, solucionar dúvidas, prestar
apoio pedagógico e emocional. Mas a realidade do Brasil apresenta dificuldades
nessa condução. Nosso país é continental e a pobreza tem se aprofundado durante
a pandemia. Um enorme número de famílias depende de ajuda governamental para
situações básicas de subsistência. Por mais que a escola trabalhe para
minimizar os danos, muitas crianças foram prejudicadas por não terem condições
mínimas de aprendizagem.
Mesmo sem formação adequada, tecnologias ou
metodologias, as escolas tiveram que se reinventar e têm cumprido seu papel da
melhor forma possível nesse novo contexto. No entanto, não se pode assegurar
que o modelo atual funcione para todos e que garanta aprendizagem. E, se o
modelo não é o ideal, também está longe de ser um simulacro do que seria o homeschooling.
Essa modalidade de ensino se dá quando a família
opta por fazer os estudos dos filhos inteiramente em casa. Para isso pode-se ou
não contratar um professor particular, mas uma característica é certa: no homeschooling,
não há, em nenhum nível, contato ou orientação de uma instituição de ensino. A
realidade imposta pela pandemia de Covid-19 é muito diferente da que nossos
estudantes conheciam até 2020, mas não serve como parâmetro para que seja
comparada com o exercício do ensino pelos próprios pais ou por professores
desvinculados de unidades de ensino tradicionais.
É justo reconhecer que, ao longo do último ano, o
papel dos pais, responsáveis e familiares no processo de ensino e aprendizagem
foi ampliado pelas circunstâncias. Principalmente no caso das crianças mais
novas, esses familiares precisaram atuar como mediadoras dos conteúdos. A maior
parte deles, entretanto, não foi preparada para desempenhar essa função. Além
disso, todo o conteúdo vem sendo preparado e organizado de forma didática pelas
escolas.
Debater a possibilidade da adoção do homeschooling
é uma prerrogativa das instâncias legislativas brasileiras, mas não se pode
tomar como base argumentativa para isso uma experiência de ensino remoto que
vem sendo improvisada para reduzir prejuízos, às custas de muito esforço por
parte das equipes escolares. Os seres humanos são seres sociais e precisam da
interação para que as competências socioemocionais se consolidem. Para além dos
conteúdos e do conhecimento acadêmico, espera-se que a escola seja um espaço de
convívio, inclusão social e respeito à diversidade.
Pedro Lino - supervisor
pedagógico da área pública do Sistema de Ensino Aprende Brasil.
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