Thais
Mantovani e Anna Denardin, do coletivo Futuro Possível, listam oito práticas
para uma “normalidade” com mais resiliência, colaboração e regeneração
O Futuro
Possível – plataforma brasileira de pesquisa, comunicação e
educação de narrativas regenerativas – atua com a proposta de nutrir futuros
agentes de regeneração com conhecimento e inspiração. Como pioneiro a promover educação
multiplataforma sobre Cultura Regenerativa no Brasil, o coletivo oferece
conteúdos e informações para que futuros agentes possam começar suas jornadas
de transformação do mundo, como o curso introdutório Caminhos para um futuro
possível, a revista digital, perfil no Instagram, comunidade no Telegram e o
podcast Futuro Possível.
Pensando nas angustias e expectativas que o mundo
pós-pandemia gera na sociedade, as pesquisadoras Thais Mantovani e Anna
Denardin – duas cofundadoras do Futuro Possível – listam e explicam oito
práticas cotidianas que podemos adotar para a cocriação de uma nova
normalidade:
COMO
SE PREPARAR PARA O MUNDO NOVO (PÓS-QUARENTENA)?
O
mundo já não é mais o mesmo e você sabe disso.
O colapso ocasionado pelo coronavírus não atingiu apenas a economia, a
sociedade, a saúde, a educação. A crise tem nos permitido repensar nossos
próprios valores, nossa forma de pensar e agir no mundo, e tem servido como uma
lente de aumento que revela desconfortos escondidos na “normalidade” da antiga
narrativa.
Ailton Krenak, em seu novo livro O Amanhã
Não Está à Venda (disponível gratuitamente na Amazon), comenta: “Não sei se
vamos sair dessa experiência da mesma maneira que entramos. [...] Tem gente que
suspendeu projetos e atividades. As pessoas acham que basta mudar o calendário.
Quem está apenas adiando compromissos, como se tudo fosse voltar ao normal,
está vivendo no passado. O futuro é aqui e agora”.
Desde o início da crise, temos visto
políticos, empresários, instituições, governos e mercados financeiros buscando
um resgate da situação existente antes da pandemia, em um claro apego à velha
história que já conhecemos e sabemos das inúmeras falhas. Seria realmente
possível passarmos pelo caos e retornarmos à vida exatamente como éramos antes?
Ou, mais importante, realmente desejamos que isso
aconteça?
Se não podemos desejar voltar à
normalidade, porque a normalidade era justamente o problema, então precisamos
cocriar uma nova normalidade. Queremos um mundo novo, mas como? Separamos para
você 8 práticas para adotar pós-quarentena para auxiliar na mudança do mundo.
Muitas delas já podemos começar agora!
1-
Abra sua cabeça! Questione o modelo atual e imagine o futuro.
“As
perguntas são o caminho para sabedoria coletiva”,
diz Daniel Wahl, escritor do livro Design de Culturas Regenerativas. Para fazer
algo novo, precisamos começar questionando o que queremos mudar. Por que o que
estamos fazendo hoje não é mais adequado para o momento que vivemos? Que outras
formas de viver podemos escolher? Abrir a cabeça é fundamental para aceitar a
diversidade potencial da vida. Se estamos aqui, nesse ponto da história, é
porque coletivamente caminhamos até essa direção. Assim, coletivamente podemos
questionar nossos próximos passos e construir uma outra história para viver. O
momento é agora de deixar a imaginação fluir e sair fora da caixinha. Leia
sobre novas formas de existência com mais significado, sobre pessoas que estão
transformando suas vidas por meio da permacultura, ou outras que estão
aprendendo sobre a vida com nossos povos tradicionais e abra seu coração para a
mudança transformadora.
2-
Reserve um tempo sagrado do seu dia para você.
A
partir da transformação interna podemos sentir a mudança que queremos ver no
mundo. Esse processo precisa ser de dentro para fora para ser verdadeiro, algo
que não estamos acostumados, pois vivemos nosso dia a dia mais preocupados com
o que está externo a nós. A quarenta com certeza nos ensinou a importância da
calma. Quando seu mundo interior está tranquilo e claro, você consegue
manifestar exatamente aquilo que deseja. A importância da conexão consigo, com
seu coração e com sua essência é a base da transformação que vamos viver, e
você precisa estar preparado. Mudanças não são sempre fáceis, mas são reais
quando vêm do nosso ser. Assim, tudo que você fizer na vida virá de forma
autêntica e leve, pois não há esforço no tempo da alma.
3-
Veja a natureza como mentora.
A
visão antropocêntrica muitas vezes nos faz acreditar que somos os seres mais
evoluídos do planeta, que somos superiores e, portanto, mais sábios. Porém,
desde o momento do surgimento da primeira forma de vida na Terra (há cerca de
3,8 bilhões de anos), até o surgimento do primeiro homo sapiens (há cerca de
350 mil anos), a natureza teve uma vantagem de aproximadamente 3.799.650.000 anos
(!) para errar, aprender, e evoluir. Se a idade da Terra fosse o equivalente a
um ano do nosso calendário, teríamos aparecido sobre a face do mundo a meros 15
minutos e toda nossa história teria se passado nos últimos 60 segundos.
Enquanto isso, a vida aprendeu a se desenvolver no ar, nas profundezas do
subterrâneo, mergulhada nos oceanos e no topo das montanhas mais altas.
Aprendeu a se curar, a produzir o veneno e o antídoto, a armazenar energia
através do sol, a transformar os ambientes mais hostis em lares aconchegantes
com temperaturas estáveis, a produzir através de processos cíclicos sem
qualquer tipo de desperdício. Em suma, a natureza já tem as respostas para
muitos dos problemas que tentamos resolver. Observar como ela encontrou essas
soluções e entender seus princípios de funcionamento pode ajudar os humanos a
também evoluírem. A sabedoria está em toda parte, e quando aprendemos a olhar
ao nosso redor através das lentes da regeneração, conseguimos perceber as
soluções presentes diante dos nossos olhos. Exercitar esse olhar é uma forma
inteiramente nova de abordar a vida para uma humanidade acostumada a “dominar”
a natureza e, aos poucos, deixarmos a posição de seus exploradores para
humildemente nos voltarmos a ela em busca de orientação.
4-
Quando necessário comprar algo, apoie os pequenos produtores locais!
A
localização é um dos princípios mais importantes da regeneração. Quando
valorizamos a produção local, criamos resiliência para o sistema de produção e
consumo, respeitamos a terra onde estamos e criamos uma relação com o local que
vivemos. Além de incentivar a economia do nosso entorno e diminuir o uso de
petróleo (e consequente emissão de poluentes na atmosfera) nos transportes de
longa distância. Ao construirmos relações profundas com os produtores,
entendendo o processo e os valores das marcas/pessoas que apoiamos,
contribuímos com o fortalecimento da visão de mundo que acreditamos, com a
descentralização do poder concentrado nas mãos das multinacionais e com a
distribuição da renda de forma mais horizontal e localizada.
5-
Crie seu banco de sementes e comece uma horta em casa!
Além
de ser um ato de grande aprofundamento da sua relação com a natureza, para
criar resiliência no sistema precisamos que todos participem da produção de
comida. Ter uma horta em casa traz ensinamentos que muitas vezes não reparamos
de primeira, como o cuidado com uma vida que vai nascer, o processo lento e
belo da evolução a cada dia, o fruto do esforço e da paciência, a importância
de nutrir um relacionamento e tantas outras lições de vida que o mundo das
plantas tem a nos ensinar.
Para
o banco de sementes, basta retirar as sementes dos alimentos que consome e
deixar no sol por alguns dias até tirar a umidade. É importante que você retire
todos os restos de comida. Depois faça pequenos envelopinhos de papel e guarde
as sementes na geladeira. É importante que você identifique e coloque a data.
Quando decidir plantar é só deixar de molho na água antes de plantar na terra.
6-
Separe seu lixo, monte uma composteira! (Use o mínimo de plástico possível)
Resíduos
orgânicos como cascas de frutas demoram de 1 a 3 meses para se decomporem
totalmente, já plásticos ficam pelo menos 450 anos no meio ambiente. Tentar
montar uma composteira na sua casa, ou uma composteira coletiva para seu
prédio/bairro é uma forma linda de ressignificar o que você via como lixo se
transformar em solo fértil pronto para amparar uma nova vida, além de ser uma
ideia divertida para aproximar sua família ou seus vizinhos na construção de
algo coletivo. Também existem diversas iniciativas que recolhem seus resíduos
orgânicos e te retornam mudinhas plantadas no solo adubado pelo seu lixo, em
troca de uma contribuição mensal! Quanto aos resíduos não orgânicos, precisamos
reduzir, reutilizar e reciclar o máximo possível. E a produção futura?
Precisamos pressionar os governos e empresas para implantação de processos
circulares. A economia circular é um ótimo tema para você pesquisar sobre!
7-
Monte uma comunidade no seu bairro
Vivemos
em bairros cheios de outros seres. Agora é o momento de nos conectarmos com
aqueles que estão à nossa volta! Nos unir, apoiar, ter ideias e realizar
projetos juntos para que o lugar em que vivemos viceje ainda mais! Pense,
imagine sem limites tudo que você gostaria de ver regenerar no seu bairro,
chame os vizinhos e idealizem juntos. Montem comunidades, mesmo que sem contato
físico! A comunidade é a ponte entre nós e o mundo, nossas experiências
coletivas nos conectam e fazem essa ligação com o todo, nos dão a sensação de
que somos parte de algo maior. Nós perdemos essa conexão verdadeira com os
vícios da modernidade individualista, e está na hora de resgatarmos nosso senso
de comunidade.
8-
Como posso gerar mais vida em tudo que faço? Aprenda mais sobre regeneração.
Quando
estudamos somos provocados a nos abrir para diferentes visões de mundo. A
regeneração desafia o modelo atual que vivemos e traz questões fundamentais
para fomentar transformação cultural. Vivemos hoje de forma degenerativa.
Vivemos extraindo tudo do meio ambiente e nossa volta sem a preocupação em dar
algo de volta. A natureza se comporta de forma cíclica e nosso pensamento hoje
se dá de forma linear, algo não está certo. Aprender sobre regeneração traz
mudanças na base do nosso ser, onde a cada ato nos questionamos se estamos
gerando mais vida ou não. Queremos deixar um mundo para que as próximas
gerações floresçam e não tenham que "tapar" nossos buracos.
Acreditamos
que essas 8 ações simples são os primeiros passos rumo à um futuro mais bonito,
que leva em conta a diversidade, a resiliência, a colaboração e a regeneração
como bases primordiais. Apesar de parecerem minúsculas, essas experiências de
(re)conexão com a Terra são como o vento que assobia sobre uma fagulha e a
transforma em chama. Charles Eisenstein diz que quando uma pessoa passa por uma
série de iniciações na nova história, ela fortalece sua posição dentro desse
território e assim pode abrir espaço para outros. Assim, sejamos como fagulhas
luminosas levadas pelo vento, que espalham a semente da regeneração e que
fornecem uma chama viva, forte e que queima - mas que nunca se apaga. Que esse
fogo nos torne mais resilientes e abertos para o novo mundo que precisa de
espaço para nascer.
Anna Denardin -
engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído,
atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da
construção civil rumo à regeneração. Ilustradora e cocriadora do Planner da
Lua, ferramenta de empoderamento criativo feminino e cofundadora do Futuro
possível.
Thais Mantovani - formada
em Ciências Holísticas na Schumacher College (UK) e apaixonada pela natureza,
está em busca de aprofundar a sua relação com a essência da vida. Através de
plataformas educativas, compartilha seus conhecimentos e experiências para
inspirar as pessoas a viver uma vida mais conectada e sustentável.
Futuro
Possível
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