Porém, como fica o direito de quem já pagou um
evento, de quem tinha ou tem casamento ou cerimônias marcadas, viagens, entre
outros? O Código de Defesa do Consumidor prevê a modificação ou revisão de
cláusulas contratuais ante a situações excepcionais, como de força maior, no
qual o consumidor que é parte mais vulnerável, que se tornem excessiva onerosas
(artigo 6º, V). Ante a impossibilidade de não cumprir com o contratado, como no
caso da pandemia, tanto fornecedor, prestador de serviços e o consumidor devem
repactuar o contratado, adiando quando possível, o evento, como casamentos,
cursos, palestras, aulas, buscando a melhor situação para ambos.
A remarcação é uma boa saída, com recomendação de
que seja por um período mais alongado, entre 90 e 365 dias, para que as partes
possam novamente se reorganizar, sem que isto gere novos custos ao consumidor,
afinal não pode ele ser penalizado por algo que não deu causa e que não tenha
controle.
O consumidor não pode e não deve colocar a sua vida
e saúde em risco somente para cumprir um contrato, como por exemplo viajar,
especialmente em época como esta de uma grave pandemia, no qual não se sabe se
pode se infectar ou infectar terceiros, assim como não sabe se indo a
determinado local poderá retornar a sua cidade de origem ou ter tal restrição,
justamente com fechamento de estradas e fronteiras, neste caso tendo inclusive
arriscado seu direito de locomoção. Quando o valor já foi pago, tem direito ao
reembolso integral, sem qualquer desconto, se assim decidir pela não
remarcação, devendo negociar com o prestador de serviços/fornecedor.
Nos casos em que houver a reserva/contratação de serviços internacionais
diretamente (sem a intermediação de agências ou prestador de serviços), como
por exemplo de hotéis, como não há um alcance da nossa legislação, mais uma vez
deve-se apelar para o bom senso e requisitar pela devolução do valor sem
a cobrança de multa ou então a remarcação de data, sem custo de outras
cobranças, porém, como houve a contratação direta, o consumidor assume o risco.
Quando a contratação do hotel ou pacote de turismo for efetuada diretamente
pela operadora de cartão de crédito (serviço que é oferecido por algumas
operadoras), deve-se requerer o auxílio desta para que repactue com o hotel.
Já no caso de ter sido contratado por meio de agência ou com uso de prestador
de serviços no Brasil, este é quem deve reembolsar ou remarcar o hotel sem
custos adicionais ao consumidor.
Com relação as passagens áreas, foi editada a
Medida Provisória nº 925/2020, que prevê o prazo de 12 meses para que seja
efetuado reembolso de desistência de compra de passagens aéreas, e quando o
consumidor aceitar que o valor pago fique como crédito a ser usado futuramente,
neste mesmo período de 12 meses, a companhia aérea não aplicará qualquer
penalidade; este prazo é contado a partir da data do voo contratado. Estão
ainda obrigadas as companhias aéreas a manter o a assistência material, quando
houve atraso ou cancelamento de voo.
Outra preocupação ocorre em relação aos planos de
saúde, se têm obrigação de efetuar a cobertura de exames relativos ao COVID-19,
bem como se há obrigatoriedade pelas operadoras de saúde em realizar
atendimento ou internação de pacientes que chegam com suspeita da doença. A
Agência Nacional de Saúde (ANS) aprovou, em 12 de março de 2020, e valendo a
partir de 13 de março, a inclusão de exame de detecção do COVID-19 na lista de
procedimentos obrigatórios que deverão ser cobertos pelos planos e seguradoras
de saúde, cuja obrigatoriedade se dá nos casos de pessoas suspeitas ou
prováveis de terem contraído o novo vírus. Quanto à cobertura de
internação, sim ela continua obrigatória toda vez que o médico entender como
necessária, quando o paciente em casa tiver chance de risco de morte, e a cobertura
está diretamente vinculada com o cumprimento de carência prevista no contrato,
e se o plano contemplar a área hospitalar (existem contratações somente para
área ambulatorial, de exames e terapias, portanto, não incluem internações).
Havendo dúvida, o melhor é entrar em contato com operadora do plano de saúde,
que conseguirá nortear melhor sobre cada uma das contratações, e se há
cobertura para internação ou não.
Nos casos em que o consumidor precise ser atendido
em função de outras enfermidades, há aprovação do sistema de telemedicina ou
medicina a distância (com utilização de recursos de tecnologia, e segundo a
recomendação da ANS as operadoras de saúde devem oferecer aos seus associados
ou assegurados tais possiblidades, já que em tempos de pandemia o isolamento
deve ser a regra e sair de casa à exceção. Os prazos de atendimento devem
seguir a tabela abaixo
Tabela obtida na página da ANS: http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19/coronavirus-todas-as-noticias/5448-ans-adota-medidas-para-que-operadoras-priorizem-combate-a-covid-19
Já com relação aos eventos, shows, estes também
devem ser reembolsados de forma integral e sem qualquer punição ao consumidor.
Quanto às escolas, universidades, academias,
escolas de idiomas, etc, este é o momento de renegociar, tendo em vista que o
cumprimento do contrato pode se tornar demais oneroso para o consumidor, já que
este está impedido de frequentar o local e obter as aulas como pactuado, exceto
se a universidade ou escola colocar à disposição do estudante outra forma
eficaz de adimplir o contratado. Não se está aqui dizendo que os pagamentos
devem ser suspensos, de forma alguma, mas que os valores devem ser
renegociados. O mesmo rito não é possível em relação as academias de
ginástica, pois, o aluno não poderá ter contato direto com o professor, bem
como o acesso aos aparelhos/equipamentos de ginástica, devendo o consumidor,
requerer a suspensão do contrato, e renegociar o contrato, podendo inclusive
requerer o aproveitamento dos valores pagos para quando puder efetivamente
gozar das aulas ou do uso da academia.
E se o contratado não quiser ou se recusar a
renegociar? Como o momento é de excepcionalidade, e se preza pela boa-fé
contratual, o consumidor deve efetuar uma reclamação nos serviços de
atendimento ao consumidor da empresa (SAC), e caso não obtenha resposta, deve
buscar os órgãos de defesa do consumidor ou então entrar com uma ação judicial
contra a empresa prestadora de serviços ou fornecedor, para que seja garantido
seu direito.
Outra dúvida recorrente se dá com relação a troca
de produtos, pois, com as lojas e estabelecimentos comerciais fechados (por
obrigação legal), o que fazer? A recomendação é entrar em contato com o serviço
de atendimento ao consumidor, para que seja feito o pedido de extensão do prazo
legal, obtendo-se um número de protocolo, podendo ainda o consumidor enviar um
e-mail ou mensagem quando assim lhe for disponibilizado o canal virtual em rede
social (por exemplo, WhatsApp), formalizando o desejo da troca e o motivo pelo
qual não pode efetuar. Isto também se aplica nos casos de cumprimento de
obrigação, cita-se como exemplo, a manutenção/revisão de veículo, que está com
garantia, deve contatar a rede autorizada e requerer a prorrogação desta
garantia, remarcando o serviço para quando a situação voltar à normalidade, não
podendo o consumidor ser punido com a perda da referia garantia do produto.
Além disto, tem-se visto muito um aumento abusivo
do preço de produtos ligados à higiene, e combate ao coronavírus, como por
exemplo, álcool gel, álcool, água sanitária, máscaras de proteção, luvas,
etc. O consumidor tem visto e praticado uma corrida por estocar produtos
e alimentos, com medo de que faltará tais coisas, fato que faz com o que a
demanda aumente de forma significativa, e neste passo os estabelecimentos
acabam se aproveitando de tal fato para aumentar o preço, entretanto, esta é
uma prática abusiva, que deve ser fiscalizada pelos órgão de defesa do
consumidor, cabendo punição.
A abusividade consiste no fato de que o aumento do
preço decorre não de uma prática comum (permitida dentro de critérios
aceitáveis), mas pelo fato de que este aumento do valor do produto ou
serviço decorra da falta de produto no mercado e, desta forma majorem o preço,
o que é vedado pelo Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o artigo 39,
X do CDC, devendo o consumidor ficar atento.
Nos casos em que o aumento de produto for excessivo,
acima de 20% do valor que vinha sendo praticado, o ato pode ser configurado
como crime contra a economia popular (Lei 1521/51, artigo 4º, “b”) cuja pena
prevista é de 6 meses a 2 anos de detenção e multa, assim quando o consumidor
se deparar com tal fato deve comunicar aos órgãos de defesa do consumidor ou
autoridade policial para que sejam tomadas as medidas jurídicas cabíveis.
A informação é sempre o melhor meio de defesa para
que o consumidor não seja enganado ou onerado em contratos já
firmados.
Roselle A. Soglio - Sócia da Soglio Advocacia e Consultoria Jurídica. Advogada criminalista,
especialista em Direito Penal, Direito Processual Penal e em Perícias
Criminais. Mestre e Doutora em História da Ciência pela PUC/SP, professora de
Direito Penal, Direito Processual Penal, Criminalística e Medicina Legal,
autora de diversas obras, dentre elas Direito Processual Penal e Estatuto do
Desarmamento Comentado.
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