“Vejo grandes perigos que são possíveis
conjurar, grandes males que se podem evitar ou restringir, e firmo cada vez
mais a crença de que, para serem honestas e prósperas, basta ainda que as
nações democráticas o queiram.” Alexis Tocqueville
“Ingênuo!”, exclamarão alguns. “Não
entende de política!”, dirão outros. “Quem é esse cara?”, indagarão muitos.
Que
as pessoas argumentem para defender o próprio interesse é perfeitamente comum.
Na política, muito “escondidinho” é feito com esse recheio. Bem diferente é o
que acontece quando os sofismas são apresentados por pessoas e por meios de
comunicação dos quais se espera melhor discernimento.
Afirmar que o Congresso pode barrar a
Medida Provisória da Reforma Administrativa e argumentar sobre os fundamentos
desse direito, é bem diferente de sair em defesa do Centrão (do Centrão!)
quando faz isso. Aqui estamos diante do interesse público, do desrespeito à
vontade popular que quis eleger um governo e um programa comprometido com a
austeridade e a redução do gasto. A MP da Reforma Administrativa define o modo
como o Presidente pretende governar. Com ela, reduziu para 22 o número de
ministérios, extinguiu 21 mil cargos de confiança e eliminou custos fixos que
ascendem a centenas de milhões de reais.
O Centrão, que não se confunde com o
Congresso, e certamente não reúne a elite moral do Parlamento, decidiu – de
modo inédito – intervir na forma como o governo deve ser organizado, cobrando a
recriação de pelo menos dois ministérios (o das Cidades e o da Integração
Nacional). Além de ser, o primeiro, um anacoluto na gramática de uma Federação,
as duas pastas serviam aos interesses políticos dos congressistas junto aos
prefeitos e governadores. Eram ministérios endinheirados e agências de negócios
tão importantes quanto escusos. Reabri-los é uma bofetada na face da maioria do
eleitorado que se manifestou nas urnas de outubro do ano passado. O mais
desinformado jornalista de Brasília sabe disso e sabe que, exatamente em nome
do respeito devido a quem venceu a eleição, o Parlamento deve se manter em
prudente distância do modo como o governante eleito pretende organizar seu
trabalho.
Não há, nesse sentido, uma autonomia
absoluta do Executivo, mas há uma autonomia relativa, saída da consideração à
decisão das urnas. Há coisas que não se deve fazer e uma delas é exigir a
criação de ministérios como condição para aprovar projetos de governo. Isso não
expressa uma convicção técnica sobre gestão, mas uma operação comercial. É
indecente com todos os créditos do adjetivo, principalmente quando o Centrão
quer a volta dos ministérios para si, com porteira fechada!
Portanto, dizer que tal conduta é
própria da democracia e das prerrogativas dos poderes é defender um jogo
político que levou muitos aos desconfortos dos cárceres! Tudo bem que Rodrigo
Maia e seus seguidores queiram isso. Tudo bem que a oposição formal estimule
todos os descréditos daí decorrentes. Tudo bem que muitos se deixem levar na
conversa e que se ouricem os políticos beneficiados pela “negociação” que troca
voto por cargo e influência. Mas não venham membros da Academia, jornalistas de
relevo (valor é outra coisa), dizer que o Presidente, ao manifestar seu
desgosto, revela espírito autoritário e incapacidade de conviver com os
fundamentos da democracia. Todos nós sabemos o quanto era desprezível e quanto
mal fez às finanças do país, a harmoniosa relação dos governos petistas com sua
base.
Quando
foi decidido que é inconveniente escandalizar-se diante de algo
escandaloso? “Democracia” com esses
fundamentos descreve bem os governos anteriores, aos quais correspondem outros
adjetivos que recheiam milhares de páginas de inquéritos e sentenças judiciais
condenatórias. A isso a maioria do eleitorado de outubro, que exige respeito,
disse um redondo não. Isso tem menos a ver com Bolsonaro e mais a ver com o
Brasil querendo ser honesto e próspero.
Percival Puggina - membro da
Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular
do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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