Hoje, somos todos famosos (ou quase). Ao menos,
essa é a percepção que temos ao procurarmos nossa trilha digital na Internet:
perfis em redes sociais, participação em seleções, comentários em portais de
notícias e até divulgação em sites próprios "confirmam" nossa
existência. Soma-se a esse processo o acompanhamento de empresas como Google e
Facebook, que conseguem saber onde estivemos, com quem interagimos, os assuntos
que procuramos e até as fotos nas quais aparecemos. Todo esse movimento tem
transformado a vida privada em um espetáculo público, com exposição constante e
rastreamento de todas as nossas experiências.
Se a tecnologia é uma facilitadora para guardar e
organizar dados, permitindo que tenhamos acesso a documentos e fatos que seriam
encontrados há alguns anos apenas em procuras extensas em bibliotecas, ela
também pode ser um perigo se não for bem administrada. E, em grande parte das
vezes, a culpa é do próprio usuário. Muito do que expomos sobre nosso cotidiano
é por escolha. Seja pelas publicações que disponibilizam dados que podem
comprometer a segurança (quantas vezes já vimos casos nos quais os sequestradores
arquitetaram seus planos com informações extraídas de mídias sociais?), seja
por aceitarmos as condições propostas em dezenas de linhas - que geralmente não
lemos - para ter acesso a diversos serviços gratuitos ou pagos.
O famoso caso da Cambridge Analytica, que utilizou
de maneira indevida os dados de mais de 87 milhões de usuários do Facebook,
repercutiu nos últimos meses pela dimensão do impacto. Devido a brechas da
maior plataforma social do mundo, a Cambridge teve acesso a informações de
pessoas além das que consentiram com os termos do “thisisyourdigitallife”. Tudo
isso foi supostamente utilizado em campanhas eleitorais nos Estados Unidos e
podem ter influenciado na vitória de Donald Trump, na corrida presidencial de
2016. Desde então, o Facebook tem buscado formas de prover mais segurança, mas
a própria mídia social fatura ao utilizar as informações que compartilhamos com
ela - não seria um paradoxo?
Nesse cenário, é interessante apontar o que poucos
levam em consideração. Ao menos, observamos a preocupação de aplicações para
computadores e smartphones sobre medidas de segurança de dados. Mas o que
acontece quando incluímos a Internet das Coisas nessa equação? Qual a
quantidade de dados estamos fornecendo sem sermos questionados se queremos
mesmo compartilhá-los? E o mais importante: o que tem sido feito com essas
informações? Seria mesmo a perda de privacidade um fator que pode influenciar
na nossa perda de liberdade?
Não podemos apenas demonizar esse processo, até
porque também nos beneficiamos da “perda de privacidade” - isso quando ela é
compartilhada de forma controlada e utilizada com inteligência. Por exemplo,
receber sugestões de filmes ou notícias conforme seus gostos pode ser um
facilitador (além de que, ao saber nossas preferências, as empresas podem se
adequar para atender melhor às necessidades). Somos tratados como indivíduos e
tudo passa a ser personalizado. Entretanto, até que ponto não prejudica quando
o que deveria ser privado se torna público?
De toda a exposição que temos nos dias atuais tem
algo que realmente é uma perda. Não existe mais o direito ao esquecimento. O
passado acaba sempre voltando, com tantas informações disponíveis, muitas das
quais passamos a perder o controle. O conteúdo disponibilizado na Internet
reverbera: é compartilhado, copiado, roubado. Estar conectado tem um preço. A
vida online influencia diretamente a offline. O que deve prevalecer nesses
casos é o bom senso e o maior desafio está em encontrar o ponto de equilíbrio
entre a exposição e a privacidade.
Fernando Matesco - diretor técnico do Instituto das
Cidades Inteligente (ICI)
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