É
claro que o Uber facilita a vida das pessoas. E disso ninguém duvida.
Principalmente em dias chuvosos, no horário de pico, quando nenhum táxi passa
por perto. A plataforma de mobilidade realmente funciona e está empregando um
grande número de pessoas, até então desempregados.
Contudo,
tudo tem dois lados e é necessário um enfoque mais profundo para entender a
morfologia do trabalho atual. O ofício está sendo corroído por um tripé
destrutivo, em que predomina a precarização, a informalidade e a escravidão
tecnológica. Além disso, é fluido e impalpável. O mundo já reconhece o conceito
de intermitência global, e outras novas definições relacionadas aos modos de
trabalho que surgem numa velocidade ímpar.
A
globalização da tecnologia criou infinitas possibilidades e uma série de
benefícios. Nesse cenário, é possível que as pessoas trabalhem apenas com o
suporte do celular, mesmo sem um escritório, contrato ou jornadas fixas. É o
caso dos escravos digitais chineses e os infoproletários italianos, por
exemplo.
Em
Tóquio, o capitalismo fordista japonês, que tanto serviu de inspiração para os
países ocidentais, produziu uma legião de jovens, que vivem e trabalham nos
cybers cafés, denominados cyber-refugiados.
Outro
exemplo, é a multinacional norte-americana Apple, que terceiriza seus serviços
para a Ásia. A fabricante de componentes eletrônicos Foxconn, na China, tem sua
produção baseada em contratos com outras empresas de tecnologia e entre seus
produtos mais famosos estão os hardwares da Apple. No entanto, a empresa adota
um padrão chinês de exploração que chega próximo da escravidão, em que não
podem parar o serviço nem para ir ao banheiro, fora os castigos surreais, que
no Brasil são catalogados como crimes contra a ordem do trabalho.
Neste
desenho contemporâneo, temos um mercado completamente informal, precário,
volátil, fluido, intermitente e digital, que vem sendo desmaterializado em
escala global. A uberização é uma dessas formas, em que o trabalho é marcado
pela informalidade, flexibilidade, intermitência e terceirização, e o que antes
havia sido “walmartirizado”, a modo Walmart de ser, agora vem também sendo
uberizado. E mesmo assim, os trabalhadores continuam obrigados a cumprir regras
e metas, impostas frequentemente através de dinâmicas alienantes e práticas de
assédio.
O
sociólogo Ricardo Antunes registrou em seu livro, “O privilégio da servidão”,
que em 2017, os assédios que ocorreram na empresa Uber assumiram uma dimensão
tão grave, que levaram à demissão de seu CEO, envolvido em práticas escusas que
se repetem em muitas empresas globais. Na ocasião, a justiça britânica
reconheceu a “burla” neste tipo de serviços, obrigando as empresas estenderem
aos trabalhadores, os direitos trabalhistas vigentes.
Dito
isso, é evidente que essas mutações são fortemente destrutivas em relação ao
mundo do trabalho, e que o ideário empresarial precisa ser amenizado e
humanizado. Ainda bem que me restou uma mesa, uma caneta e um bloquinho de
notas.
Maria Inês Vasconcelos -
Advogada trabalhista, palestrante, pesquisadora e escritora
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