No último dia 8 de agosto, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal (STF) reconheceu, por maioria de votos, a imprescritibilidade de ação
de ressarcimento de danos ao erário decorrentes de ato doloso de improbidade
administrativa. Por ser uma decisão em repercussão geral, ela deve ser aplicada
em uma grande quantidade de processos em trâmite nas instâncias inferiores.
O julgamento que levou a decisão do STF foi proferido no
Recurso Extraordinário (RE) 852475, com repercussão geral reconhecida. No caso,
foi questionado acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que
declarou a prescrição de ação civil pública movida contra funcionários da
Prefeitura de Palmares Paulista (SP) envolvidos em processo de licitação
considerado irregular, e extinguiu a ação. Ao prover parcialmente o recurso, o
STF determinou o retorno dos autos ao tribunal de origem para que, uma vez
afastada a prescrição, examine o pedido de ressarcimento do erário com base nas
condições fixadas pelo Plenário.
Em que pese as boas intenções
manifestadas pelo Supremo, no sentido de preservar os cofres públicos e punir
os corruptos, o estabelecimento de um prazo prescricional para o ajuizamento de
ações sobre improbidade administrativa era fundamental em face dos princípios
constitucionais da segurança jurídica, da proteção à confiança e do devido
processo legal.
A maior parte dos processos sobre atos dolosos de
improbidade administrativa em trâmite não está a discutir casos simples, nos
quais se detectou evidente desvio de recursos públicos. Na verdade, a grande
maioria das ações contem em si uma considerável complexidade, que demanda o
revolvimento de fatos e provas.
Primeiro, tal complexidade reside em saber se houve, ou
não, dolo por parte dos contratados e agentes públicos, isto é, se os envolvidos
agiram com culpa no caso concreto. Examina-se também, por exemplo, se o caso
era mesmo de dispensa de licitação, se houve real urgência na contratação de
determinados serviços ou mesmo se o produto ou serviço contratado pela
Administração Pública foi, de fato, entregue conforme contratado.
Por isso, na maior parte dos processos sobre improbidade
administrativa em trâmite no país, discute-se provas, evidências que vão se
esvaindo no tempo, dificultando a apuração dos fatos. Ora, é notório que depois
de muitos anos as provas desaparecem, as testemunhas esquecem dos fatos, o
dinheiro é consumido e os atos administrativos se consolidam no tempo. Por isso, para a boa investigação e recuperação de
eventuais prejuízos aos cofres públicos, é essencial observar-se razoável
decurso de tempo entre o ato investigado e o ajuizamento da respectiva ação de
improbidade administrativa.
A medida em que o tempo passa, fica cada vez mais difícil
apurar os fatos e o valor de eventual prejuízo da Administração Pública.
Imagine-se, por exemplo, a dificuldade de um servidor público aposentado de
provar, após dez anos, a regularidade de decisão de dispensa de licitação em
razão de emergência pública. Depois de tanto tempo, certamente ele já não tem
mais acesso aos documentos que instruíram sua decisão, as testemunhas, quando
se lembram dos fatos, já não são facilmente localizáveis e o perigo e urgência
da situação já se esvaíram da memória dos cidadãos locais. Por outro lado, caso
ele seja considerado culpado, é possível supor a dificuldade de se recuperar os
valores subtraídos da Administração Pública. Certamente, eles já terão sido
consumidos ou estarão bem escondidos dos olhos do Ministério Público.
Por isso, os órgãos fiscalizadores devem se empenhar em
investigar em bom tempo as possíveis irregularidades. Se demoram demais, tanto
o direito do investigado é prejudicado (pois ele tem dificuldade de recolher
provas de sua inocência), quanto a própria instrução é prejudicada pela
dificuldade de recuperar valores há muito consumidos pelos infratores.
A necessidade de se reconhecer a legalidade dos atos
administrativos também é um imperativo da segurança jurídica preconizada pela
Carta Magna, por meio da qual o agente público deveria prosseguir na sua função
pressupondo que os atos administrativos passados são definitivos, que não
guardam riscos de revisão arbitrária após longo lapso temporal.
Com todo respeito, ao declarar a imprescritibilidade, o
Supremo incentiva uma fiscalização ineficiente, que não observa a urgência
necessária na prevenção e recuperação dos prejuízos causados aos cofres
públicos e prejudica o direito de defesa dos investigados, que se veem com
seríssimas dificuldades de colher provas da regularidade de seus atos após um
longo tempo.
O prazo que a minoria do STF parecia acolher era bastante
razoável. Em cinco anos é possível realizar extensa dilação probatória de
quaisquer irregularidades administrativas.
Infelizmente, ao invés de aprimorar o combate à corrupção,
tão necessário ao país, a ausência de um prazo prescricional razoável para as
ações de improbidade administrativa apenas aumentará o número de processos mal
instruídos em razão do tempo. Não obstante as melhores intenções de seus
autores, poucos desses antigos processos terão o sucesso que o cidadão espera
diante de instruções processuais tão dispendiosas para o Poder Judiciário.
Beatriz Veríssimo de
Sena - Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e
sócia do escritório Souza Neto & Sena Advogados
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