Os troianos receberam de
Júpiter a missão de edificar uma grande república "togada" no Lácio.
Fizeram-nos, depois das largas vicissitudes, fados favoráveis e contrários, tão
magistralmente relados por Virgílio em a Eneida.
Efetivamente, Roma foi uma
república (e um império), "togada". O significado disso está em que,
mais importante que as muralhas e fortificações, tudo deveria acontecer naquele
império, que dominou o mundo, segundo as regras jurídicas;
construíram-nas de maneira tão perfeita e complexa que até este momento
histórico o direito romano é importante, não só nos meios acadêmicos, quanto na
atividade dos Tribunais encarregados de ditar a jurisprudência.
Em resumo, ninguém era livre
ilimitadamente. O direito configurava o plano do exercício das liberdades; tudo
era possível aos nobres, aos metecos, aos plebeus, aos estrangeiros, e até
mesmo aos escravos, nos limites, mais ou menos extensos, que as regras de
direito conferiam aos membros da sociedade romana e aos sítios de sua expansão.
Para exemplificar, Pôncio Piltados foi sempre caracterizado como o governador
provincial que lavou as mãos, mas, em verdade, cumpriu uma regra de direito: o
governador não podia ditar a pena de morte. Esta era da competência do povo, em
assembleia, tal como ocorre com nossos Tribunais Populares ou do Júri. Ao
declinar de sua competência em favor de outro órgão, "lavou as mãos",
como poderíamos dizer de todos nossos magistrados que se dizem incompetentes,
por razões da lei, e dela declinam em favor de outro órgão judiciário,
pessoal ou colegiado.
Posto isto, creio ser
possível informar que ingressamos num período, depois dos desmandos do
Executivo, de república e democracia togadas. Nossas decisões judiciais é que
tem traçado os caminhos da política. Nossas notícias cotidianas da grande mídia
vem dos Tribunais e não dos meios políticos. Embora muitos conceitos romanos tenham
recebido nova conotação contemporânea, a exemplo do "fiat justitia pereat
mundus" - "faça-se justiça, ainda que o mundo pereça" - óbvia
inconveniência em nossos tempos, o mundo travado por âncora pesada de grampos
curvos nem sempre é desejável.
Isso porque as magistraturas
também tendem ao excesso e, por consequência, a degenerar-se. Não estão isentas
de pungentes lutas intestinas. O resultado são decisões não raro conflitantes,
que levam aos cidadãos de um país, e aos estrangeiros que nele querem investir,
o péssimo sentimento da insegurança jurídica, fenômeno que enseja o acanhamento
de realizações no sentido do desenvolvimento e do bem estar coletivo. E, sendo
escravos da lei, os magistrados estão vaticinados a cumpri-las, justas ou
injustas, mudadas ou não as circunstâncias sociais que a justificaram,
em que pesem, vez ou outra, rara, nos darem o presente forjado aos
solavancos na "mutação jurisprudencial". Tratando-se, o Judiciário,
de um poder que somente vê os fatos passados, é "reacionário", na
medida em que simplesmente reage e, quando se torna prospectivo, é justamente
acusado de invadir a seara de outros poderes. "Razões humanitárias"
são raramente bem vistas pelos agentes do símbolo de olhos vendados. Essa
posição estacionária, transposta pela vida fogosa e cambiante, levou os países
de outro sistema jurídico, do "common law", fundado nos costumes dos
Tribunais, a criar os "Tribunais de Equidade", para não verem cada
vez mais turvado o ideal de justiça.
A Ministra Cármem Lúcia
disse prever o século XXI como século do Judiciário. Previsão de trevas
medievais, com a qual, por certo, não concordamos. O avanço político
democrático deve ser determinado pelo povo; por meio de seus representantes
eleitos, não de uma casta concursada ou nomeada e vitalícia, em que o ser
humano, que não está na capa, mas no âmago de um processo de gelo, é mais
objeto que homem. E vistos os fatos pelo retrovisor. Aqueles
representantes, políticos, em benefício próprio, criaram a "classe
política" e também se tornaram vitalícios. Esse é outro tema, a ser
devidamente observado no contexto da indispensável e autêntica reforma política
que nosso País reclama.
De todo modo, o povo já
começou a perceber que nosso futuro não pode depender das magistraturas
judiciárias.
Amadeu Garrido de
Paula - Advogado, sócio do
Escritório Garrido de Paula Advogados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário