Não era incomum, nos meus
tempos de escola primária, que algum colega mais irrequieto fosse obrigado a
perder o recreio escrevendo no quadro negro uma centena de vezes: "Não
devo conversar durante as aulas". Quando retornávamos, o coitado ali
estava, solitário, infeliz e sujo de giz, contemplando o produto de sua
desgraça, convencido de que em boca fechada não entra mosca.
Os
que nos querem convencer de que as ideias marxistas funcionam fazem bom uso da
insistente repetição dos seus chavões. Um deles afirma que "as
desigualdades sociais são fruto desse modelo concentrador que aí está". Ou
seja, elas decorreriam da economia de mercado, do direito à propriedade
privada, da liberdade de empreender, do tal capitalismo. Apontam a miséria da
África e da Ibero-América como resultado desse "modelo" explorador e
desumano. Repita-se isso até a exaustão e você não duvidará de que os africanos
eram ricos, prósperos, poderosos e bem nutridos até a chegada das desgraças
ocidentais e que norte-americanos, europeus, japoneses, canadenses e
australianos vivem à custa das esplêndidas riquezas sul-americanas.
Acreditaremos,
também, que nossos projetos com vistas à prosperidade nacional, conduzidos por
longa e estável série de governantes sábios, prudentes e dedicados ao uso
lúcido e honrado dos recursos públicos, sob um sistema de governo e uma ordem
constitucional moderna e eficiente, só fracassam por causa da ganância externa.
Pela insistente repetição, assumiremos como verdadeiro que todo o bem que
afanosamente fazemos por nós mesmos tropeça em coisas satânicas como Consenso
de Washington, Clube de Paris, FMI, G7, G8, Escola de Chicago, Fórum de Davos e
outras sinistras conjunções empresariais ou zodiacais.
Para
que a culpa possa ser atribuída "a esse modelo que aí está", é
preciso jamais mencionar a concentração de riqueza do antigo Egito, de certas
dinastias chinesas, do Indostão, do Império Romano, dos barões medievais, dos
comerciantes venezianos e genoveses, dos banqueiros surgidos no Renascimento. É
preciso esquecer que a fome era endêmica na Europa em pleno período colonial e
assim permaneceu até meados do século passado. E é preciso, principalmente,
jogar nas sombras da ignorância dois fatos essenciais: 1º) que foi precisamente
sob o regime das economias de mercado e com o surgimento das democracias
constitucionais que a renda passou a ser mais bem distribuída entre os cidadãos;
e 2º) que o modelo mais radicalmente oposto a "esse que aí está"
somente gerou opressão, corrupção, genocídio e miséria. Mas essas são coisas
que ninguém diz e ninguém repete.
Percival Puggina
(73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e
escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do
Brasil. integrante do grupo Pensar+.
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