Em outubro, o Senado aprovou a medida provisória do
Refis, encaminhando-a para a análise da Presidência da República. A ideia
central consiste em permitir que pessoas físicas e empresas com dívidas
assumidas com o Fisco parcelem seus débitos com descontos de juros e multas.
Sabemos que na atual situação das empresas essa ação do governo poderá ajudar
na melhora de seus indicadores econômicos e financeiros e favorecer a retomada
dos canais de crédito, fundamentais para a recuperação da atividade produtiva.
Entretanto, destacamos que as adoções constantes de medidas de renúncia fiscais
podem abrir espaços perigosos para a dinâmica e os ciclos econômicos e, por
isso, gostaríamos de reforçar nossa posição contrária a esse tipo de medida.
A necessidade recorrente de salvamento de várias
empresas pela renúncia fiscal, em períodos de recessão, poderá gerar mudanças
no comportamento futuro dos empresários brasileiros, inclusive aqueles que
mesmo em grandes dificuldades não venham medir esforços para manter suas
obrigações tributárias em dia. O problema do risco moral poderá gerar uma
cultura empresarial perigosa. Observem a seguinte situação: a economia
brasileira, por motivos internos ou externos, inicia um período de maior
incerteza e pessimismo, ocasionando uma desaceleração de sua atividade
produtiva. As empresas começam a enfrentar uma maior dificuldade de caixa,
principalmente as mais alavancadas. Os empresários reconhecem o passivo fiscal,
mas deixam de honrar seus compromissos tributários, esperando um novo Refis.
Ele protege seu caixa, mas o governo arrecada menos. Caso esse movimento ocorra
de forma sistêmica, em virtude de uma nova cultura empresarial, o governo deixa
de arrecadar receitas primárias relevantes.
Sabemos que as despesas obrigatórias do setor
público brasileiro exigem um desembolso expressivo de recursos, seja para
manter o funcionamento da máquina pública ou dos programas de assistência
social, incluindo aposentadorias e benefícios. A situação fiscal começa a se
deteriorar. O que o governo faz? Reduz seus gastos com investimento produtivo e
aumenta seu nível de endividamento. A primeira ação poderá contribuir para que
o ciclo de forte desaceleração rapidamente torne-se uma recessão econômica. O
Estado ficará travado para realizar seus movimentos contra cíclicos de expansão
de investimentos públicos e reversão das expectativas pessimistas dos
empresários.
A segunda ação prejudicará a dinâmica da dívida
pública em relação ao PIB. Como a dívida bruta brasileira já ultrapassou o
limite superior seguro de 60% do PIB, entendemos que renúncias fiscais são
ações que poderão prejudicar a administração financeira do Estado,
principalmente durante a recessão. O crescimento rápido e perigoso da razão
dívida/PIB aumenta o risco país, desvalorizando a taxa de câmbio. A economia
passa a enfrentar uma maior pressão de câmbio e preços, isto é, um período de
estagnação econômica com inflação, conhecido pelos economistas como
estagflação.
Visto que o atual Refis é um fato praticamente
consumado e entrará em vigor nos próximos dias, sugerimos que o governo federal
venha a sinalizar mudanças importantes. Primeiro, a reforma tributária,
principalmente buscando a simplificação, transparência e eficiência dos
impostos indiretos. Neste caso, a criação de um imposto único sobre o valor
agregado é interessante. Segundo, a sinalização que o Estado não irá adotar, de
forma recorrente, medidas de parcelamento de débitos tributários, evitando
alimentar uma cultura empresarial que prejudica o exercício da função
estabilizadora do setor público brasileiro.
Lucas Lautert Dezordi -
professor titular do curso de Economia da Universidade Positivo (UP) e sócio da
Valuup Consultoria e Luís Gustavo Budziak,
professor da Pós-Graduação da Universidade Positivo (UP) e sócio da Valuup
Consultoria.
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