Vista geral da ilha onde os rejeitos de mineração de ferro foram depositados e a taboa (Typha domingensis) se estabeleceu após o desastre. Foto tirada durante a maré baixa em agosto de 2019 (crédito: acervo dos pesquisadores)
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Pesquisadores brasileiros
destrincharam os mecanismos de absorção de ferro por vegetação estuarina e, com
esse resultado, apontam um caminho promissor para a recuperação de água e de
solo afetados por desastres ambientais, como o provocado pelo rompimento da
Barragem do Fundão, em Mariana (MG).
Estudo publicado em janeiro no Journal of Hazardous Materials concluiu que a
taboa (Typha domingensis), uma planta aquática comum em várias
regiões, é eficaz no processo de mitigação de impactos em ambientes afetados
por rejeitos de minério de ferro.
O trabalho de campo foi realizado no
estuário do Rio Doce, distrito de Regência (ES), que recebeu parte dos 50
milhões de metros cúbicos (m3<sup3<
sup="" style="margin: 0px; padding: 0px; border:
none;">) de rejeitos de minério de ferro liberados após o maior
desastre ambiental registrado no Brasil. Os cientistas avaliaram o papel
da Typha domingensis (planta com cerca de 2,5 metros
de altura e espigas cor café) e do Hibiscus tiliaceus (que
mede de 4 a 10 metros e tem flores amarelas) na biogeoquímica do ferro e seu
potencial para programas de fitorremediação, como são chamados os processos de
recuperação ambiental utilizando plantas como agentes de
purificação.</sup3<>
A Barragem
do Fundão, construída para acomodar resíduos provenientes da extração de
minério de ferro na região de Mariana, rompeu em 5 de novembro de 2015,
chegando ao estuário duas semanas depois. Afetou 41 cidades em Minas Gerais e
Espírito Santo e provocou a morte de 19 pessoas. Estima-se que a degradação
ambiental atingiu 240,8 hectares de Mata Atlântica e resultou em 14 toneladas
de peixes mortos. Várias ações vêm sendo adotadas desde então para tentar
reduzir os danos.
“A pesquisa concluiu que a Typha, em comparação ao hibisco, é mais eficiente
devido a características de seu sistema radicular [raízes], capacidade de
acidificação muito maior, além de acumular mais ferro na parte aérea. Esse
resultado é importante para pensarmos em estratégias de fitorremediação no futuro”,
avalia Tiago Osório Ferreira,
professor do Departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura
Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), e orientador do
estudo.
O trabalho é parte do doutorado de Amanda Duim Ferreira,
primeira autora do artigo, e recebeu apoio da FAPESP por meio de outros quatro
projetos (18/04259-2, 19/02855-0, 19/19987-6, 18/08408-2).
“A acumulação de ferro pela taboa e
sua possibilidade de remediação são novidades. Além da vantagem da Typha em relação ao hibisco, por acumular maior
quantidade de ferro na parte aérea e possibilitar o manejo de maneira mais
fácil, essa planta tem crescimento rápido”, explica Duim Ferreira à Agência FAPESP.
Já o
professor ressalta que o trabalho do grupo avança em relação a outros estudos
realizados porque faz uma ligação entre as áreas geoquímica dos solos e
biológica, com resultados consistentes, tendo o ferro como foco. Nos últimos
anos, os alvos de pesquisa têm sido os chamados elementos-traço, ou seja,
elementos químicos que mesmo em baixas concentrações no ambiente podem vir a
ser uma fonte potencial para a poluição ambiental, como níquel, cromo, cobre e
chumbo.
O ferro,
por sua abundância e papel de micronutriente para as plantas, raramente é visto
como um contaminante. No entanto, em solos alagados, com baixa oxigenação, como
no caso do estuário, os microrganismos podem usar a matéria orgânica e óxidos
de ferro para obter energia. Esse processo leva à dissolução dos óxidos
(oxirredução) e à liberação de elementos potencialmente tóxicos associados a
eles. Assim, os contaminantes chegam a água, animais, plantas e solo, afetando
o ecossistema e representando um risco ambiental.
Como funciona
As plantas
adaptadas a ambientes alagados precisam oxigenar seu sistema radicular
(responsável pela fixação, além da absorção de água e de sais minerais). Para
isso, capturam o oxigênio da atmosfera por meio da parte aérea, levando-o até a
raiz por espaços porosos, chamados aerênquimas. Quando o oxigênio entra em
contato com o ferro, oxida e o metal se deposita como placas na superfície
radicular, formando uma barreira.
Na Typha, além de o
volume radicular ser grande, sua porosidade radicular (espaço vazio para passar
oxigênio) e volume de aerênquima são maiores, proporcionando oxigenação e
fazendo com que tenha mais placas de ferro. Essas placas atuam como um tampão,
regulando a quantidade de ferro que entra na planta. Já no hibisco, elas agem
como uma barreira contra a acumulação aérea.
Com isso,
a taboa apresentou concentrações de ferro na parte aérea (3.874 miligramas de
ferro por quilo de matéria seca de planta) até dez vezes maiores do que o
hibisco.
“Quando
fizemos os primeiros trabalhos de campo no estuário do Rio Doce, em 2015, ainda
havia ilhas sem vegetação, extremamente arenosas. Com os rejeitos trazidos após
o desastre de Mariana, muitas delas foram colonizadas por plantas, em boa parte
por taboa, que veio depois”, afirma o professor, ao lembrar que o grupo de
pesquisa atua no local há mais de seis anos.
Coordenador do Grupo de Estudo e Pesquisa em Geoquímica de Solos da
Esalq-USP, ele cita outras pesquisas realizadas no local que já foram
publicadas. Uma delas foi a do pesquisador Hermano Queiroz,
também realizada com apoio da FAPESP, que mostrou que, mesmo após dois anos da
chegada dos rejeitos, ainda havia uma liberação constante de manganês dos solos
do estuário para a água. Com isso, duas espécies de peixe comumente consumidas
pela população local apresentavam altas concentrações do minério (leia mais agencia.fapesp.br/35505/).
“Depois
desses anos de pesquisa, conseguimos traçar estratégias de fitorremediação com
mais segurança e consistência”, completa Osório Ferreira.
Agora, o
trabalho da doutoranda entrou em nova etapa em que ela está realizando mais
dois experimentos em campo. Em um deles vem testando fertilizantes para
aumentar a produção de biomassa e a quantidade de metais absorvidos pela taboa.
A proposta
é avaliar uma combinação com o uso de ácidos orgânicos, bactérias redutoras de
ferro e práticas agronômicas (como frequência ideal de corte, densidade de
plantio e fertilização). O objetivo é manejar a planta para reduzir o tempo
necessário para a fitorremediação.
O artigo Iron hazard in an impacted estuary: Contrasting controls of plants
and implications to phytoremediation, dos pesquisadores Amanda Duim
Ferreira, Hermano Melo Queiroz, Xosé Luis Otero, Diego Barcellos, Angelo Fraga
Bernardino e Tiago Osório Ferreira, pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0304389422000048?via%3Dihub#!.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
https://agencia.fapesp.br/estudo-mostra-eficacia-de-planta-aquatica-para-recuperar-ambiente-impactado-por-minerio-de-ferro/37877/