Campanha
"Dezembro Verde" foca a conscientização sobre a guarda responsável
O abandono de animais causa sofrimento às espécies,
traz prejuízos à saúde pública e é crime previsto pela legislação brasileira.
As graves consequências da exposição de cães e gatos à situação de rua
impulsionaram a criação da campanha “Dezembro Verde”, que tem tido adesão de
diferentes tipos de instituições e torna o mês um período de conscientização e
educação sobre a guarda responsável.
Isso porque o ato de abandonar um animal fere todos
os princípios básicos da guarda responsável, conceito formato por um conjunto
de regras para o tratamento adequado dos animais de companhia. Isso inclui
garantir, por exemplo: acomodação em espaço limpo e confortável; assistência
médica-veterinária periódica e sempre que o animal necessitar; vacinação anual;
alimentação adequada e que o animal nunca fique desabrigado ou desassistido.
“É preciso conscientização para garantir o
bem-estar dos animais e da sociedade. Nesse sentido, campanhas como o “Dezembro
Verde” são aliadas”, diz a médica-veterinária Rosangela Gebara, integrante da
Comissão Técnica de Bem-estar Animal (CTBEA) do Conselho Regional de Medicina
Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP).
Para o médico-veterinário Carlos Augusto Donini,
presidente da Comissão Técnica de Políticas Públicas (CTPP) do Conselho, é
oportuno esclarecer que são considerados animais abandonados não só aqueles que
foram descartados nas ruas. "A grande maioria dos cães e gatos em vias
públicas é semi-domiciliada, ou seja, tem "dono" e "casa",
mas, claramente, seus tutores negligenciam a guarda."
Eles passam medo, frio e fome
Presidente da Comissão Técnica de Bem-estar Animal
do CRMV-SP, a médica-veterinária Cristiane Schilbach Pizzutto sinaliza que
diversos estudos mostram que os animais são seres sencientes, ou seja, são
capazes de sentir e responder aos estímulos recebidos pelos órgãos dos
sentidos. A observação deixa claro o abalo que o abandono representa.
De acordo com Cristiane, o animal percebe que foi
rejeitado e entra em sofrimento. “O abandono provoca um alto índice de
estresse, com aumento da liberação de cortisol e alterações do comportamento”,
afirma a médica-veterinária, referindo-se à possibilidade da manifestação de
agressividade; prostração; apatia; pânico; entre outros desvios
comportamentais. Os quadros são agravados pela exposição ao frio, fome e medo.
“Podemos dizer que é semelhante ao sofrimento humano, especialmente pelo fato
de o animal criar laços com as pessoas com que convivia, ligação que também já
é apontada em pesquisas.”
Saúde fica debilitada
A saúde dos animais abandonados é inevitavelmente
abalada, sendo que o estresse apontado por Cristiane é um fator crucial para
que a imunidade sofra oscilações que facilitem infecções e o desenvolvimento de
doenças diversas.
“A ausência das vacinas, controle de vermes, pulgas
e carrapatos, bem como a ausência de uma alimentação adequada agravam esse
contexto”, afirma a integrante da CTBEA/CRMV-SP, Rosangela Gebara. Ela ainda
enfatiza outros riscos à saúde do pet, como envenenamento, atropelamento e
ferimentos por brigas e agressão.
Quando os cães e gatos são filhotes, a chances de
sobrevivência são ainda menores. “Estudos mostram que em média 75% dos animais
abandonados nessa fase de vida morrem antes de completarem seis meses de
idade”, diz Rosangela.
Uma questão de saúde pública
O ato de abandonar resulta em prejuízos que
ultrapassam a saúde emocional e física dos animais e se reflete na sociedade da
qual eles são vítimas, interferindo na saúde pública.
Prova disso é o aumento da veiculação e infestação
por ectoparasitas (pulgas, carrapatos, piolhos, sarna e micoses), além de
moscas e pernilongos. De acordo com o médico-veterinário Carlos Augusto Donini,
presidente da Comissão Técnica de Políticas Públicas (CTPP) do CRMV-SP, a
maioria desses são vetores de zoonoses, ou seja, doenças que podem ser
transmitidas dos animais para os humanos por meio da picada por esses
ectoparasitas quando estão infectados. Exemplos são: Leishmaniose, Filariose
enzoótica ("verme do coração"), Microsporiase, Escabiose,
Esporoticose, Erlichiose (“doença do carrapato”) e Dipilidiose.
“Possibilita, ainda, a aquisição de parasitas
gastrointestinais pelo acesso frequente e ingestão de fezes de animais
contaminados, passando a eliminar ovos de parasitas para o ambiente. Assim são
mantidas as Giardíase, Toxocariases (lumbrigas- Larvas migrans viscerais),
Larvas migrans cutânea (conhecida como "bicho geográfico"), todas
zoonóticas, por contato ou ingestão acidental”, pontua Donini.
Além dessas, o médico-veterinário cita as infecções
bacterianas a partir do contato com coliformes fecais, oportunistas em casos de
doentes crônicos, idosos, crianças e gestantes.
Outro ponto destacado por Donini é o aumento da
incidência de ratos em decorrência da dispersão de lixo, que acontece pela
busca dos cães e gatos por alimentos.
“Considerando as circunstâncias de ocorrências de
animais domésticos soltos em vias públicas, há ainda a relação direta com
acidentes de trânsito e por mordidas, que também são questões de saúde
pública”, frisa.
Lei prevê detenção e multa
O combate ao abandono e a conscientização quanto à
guarda responsável não é somente um ato ético de bondade. Trata-se de um dever.
Isso porque abandonar de animais de qualquer espécie é uma forma de
maus-tratos, prática que configura crime, de acordo com a Lei Federal nº
9.605/98, conhecida como “Lei de Crimes Ambientais”.
A pena é de detenção de três meses a um ano, além
de multa. A penalidade consta no artigo 32 da legislação e é aumentada, de um
sexto a um terço, quando ocorre a morte do animal.
Pesquisador do tema e autor do livro “Maus-tratos
contra animais e violência contra pessoas”, Marcelo Robis Francisco Nassaro
argumenta que, no estado de São Paulo, há ainda a Resolução da Secretaria de
Infraestrutura e Meio Ambiente nº 48/14, que em seu artigo 29 descreve
“abandonar animal que esteja sob sua responsabilidade à sua própria sorte” como
prática de maus-tratos.
“Reconhecendo o abandono como maus-tratos e
infração ambiental, passível de multa na esfera administrativa, a norma acabou
ingressando, também, no sistema jurídico, como regulamentação extrapenal. Isso
reforça o abandono de animais como crime ambiental”, argumenta Nassaro.
Como denunciar
Denúncias requerem provas ou flagrante. Por isso, é
indicado que hajam reunidos registros em fotos e vídeos, além de recuperar
imagens de circuitos de condomínios que possam ter filmado o ato. O material
deve ser levado às autoridades policiais, que darão início às investigações.
Sobre o CRMV-SP
O CRMV-SP tem como missão promover a Medicina
Veterinária e a Zootecnia, por meio da orientação, normatização e fiscalização
do exercício profissional em prol da saúde pública, animal e ambiental, zelando
pela ética. É o órgão de fiscalização do exercício profissional dos
médicos-veterinários e zootecnistas do estado de São Paulo, com mais de 38 mil
profissionais ativos. Além disso, assessora os governos da União, estados e
municípios nos assuntos relacionados com as profissões por ele representadas.