Como todos sabem, eu me considero um eleitor do
Bolsonaro. Muito mais pela indignação, tendo em vista a corrupção que se
instalou no país, do que por qualquer outro motivo. Eu fui um daqueles que
saíram às ruas para clamar pelo novo, pela dignidade de viver num país melhor,
já que no Brasil a prática política foi desvirtuada, tomada pela impunidade dos
membros do legislativo e pela promiscuidade entre entes públicos e privados.
Fui também um daqueles que lutaram pela Constituição de 1988, que acolhia os
princípios da dignidade humana, educação, justiça social e tudo mais que
achávamos essencial para um país crescer de forma humanitária, alinhada com as
premissas dos conceitos que permeavam os países da Europa, nos quais os
Direitos Fundamentais eram aplicados e estudados na sua forma mais abrangente
do ponto de vista social, como ocorria na Alemanha, um exemplo de vanguarda
quando se fala em Direitos Fundamentais da pessoa humana.
Como já disse, não tive outra opção a não ser me
tornar um eleitor de Bolsonaro, mas não um eleitor fanático, que perdeu o senso
crítico e que aceita tudo em nome de voto de protesto contra a corrupção, não, votei
consciente e pronto para participar, caminhando junto, aprovando ou criticando
pontos da pauta conservadora, medindo, sim, os exageros, os despropósitos, e de
certa forma sempre com um olhar vigilante, como advogado, analisando as
propostas de mudanças, principalmente na área criminal, em que a Carta Magna se
esboçou na modernidade do Direito, visando à dignidade humana, o que já é
contemplado nas Constituições modernas de países que podemos apontar como
paradigmas de uma cultura avançada.
Com o aumento da violência no Brasil, a expressão
“Direitos Humanos” se vulgarizou, pois, quando não se tem um baixo nível de
criminalidade, culpa-se a política social, que visa aos direitos fundamentais,
e se ateia fogo em todos os preceitos de proteção à população em nome de uma
reação contrária a tudo que poderíamos ver como avanços na nossa Constituição.
O projeto de lei anticrime do ministro da Justiça e
Segurança Pública, Sergio Moro, no meu entender, abrange pontos positivos e
muitos pontos negativos. É na realidade um apanhado de maior vigor contra
crimes de lavagem de dinheiro e corrupção, o que é positivo. Contudo, toda
exegese do princípio de execução penal é o acirramento das prisões e o aumento
significativo do encarceramento dos agentes delituosos, levando o país a um
grave aumento da população carcerária, que hoje está por volta de 800.000
presos, ou seja, a terceira maior população carcerária do planeta.
A pergunta que se faz é a seguinte: Numa visão
simplista, a ideia num primeiro momento parece ser a de encarcerar mais
pessoas, construir mais presídios, enaltecer a excludente de ilicitude para
vários casos controversos, atolar a Justiça Criminal com mais processos,
menosprezar alguns aspectos que atingem em cheio a nossa Constituição, mas
seria essa a solução?
Vejo, portanto, com bons olhos a iniciativa da
Comissão Arns, uma homenagem ao cardeal arcebispo D. Paulo Evaristo Arns, que
em 1972, durante a ditadura militar, criou a Comissão Justiça e Paz de São
Paulo. O grupo será presidido pelo ex-ministro e cientista político Paulo
Sérgio Pinheiro. Integram também essa Comissão juristas de renome, como o
criminalista Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, o ex-ministro da Justiça José
Carlos Dias, o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira e o ex-ministro
de Direitos Humanos Paulo Vannuchi.
Num governo Conservador, deve-se, antes dos
postulados políticos, analisar se novas ideias podem ser palatáveis à
população, que, ainda que repleta de razão em sua sede de vingança contra a
violência, não pode abrir mão de leis que preservem um ajuste jurídico e acima
de tudo técnico, a fim de não padecer um retrocesso em relação ao já
conquistado na nossa Constituição, que em última instância sempre teve como
objetivo a proteção da pessoa humana, principalmente dos mais pobres, pois são
os que mais sofrem com o descaso da sociedade.
Fernando Rizzolo -
Advogado, Jornalista, Mestre em Direitos Fundamentais, Professor de Direito