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| Compostos foram isolados da espécie Monanchora arbuscula imagem: Eduardo Hadju |
Em testes pré-clínicos conduzidos na USP de São Carlos, compostos denominados batzelladinas foram eficazes até contra cepas de Plasmodium resistentes aos antimaláricos convencionais
Pesquisadores brasileiros descobriram
compostos químicos presentes em esponjas marinhas com potencial de eliminar o
parasita causador da malária – até mesmo as cepas resistentes a antimaláricos
convencionais. Os resultados da pesquisa foram divulgados na revista ACS
Infectious Diseases.
Causada por protozoários e
transmitida por picadas de mosquitos do gênero Anopheles, a malária
é uma das doenças infecciosas que mais matam no mundo. De acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), somente em 2023 foram cerca de 600 mil
vítimas, sendo 75% delas crianças menores de 5 anos.
Os dois compostos
(batzelladinas F e L) recém-descobertos apresentaram ação rápida contra os
parasitas causadores da malária – tanto o Plasmodium falciparum,
mais letal e predominante no continente africano, quanto contra o Plasmodium
vivax, principal agente causador de malária na América do Sul. A eficácia
das substâncias foi comprovada por meio de testes realizados em amostras de
sangue de pacientes e em camundongos infectados.
“São resultados robustos, que
nos trazem esperança de um novo tratamento. Embora os compostos não tenham
eliminado por completo os protozoários, eles podem servir de inspiração para a
síntese de novas estruturas químicas com ação potencializada”, avalia Rafael Guido,
professor do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo
(IFSC-USP) e coautor do estudo.
O trabalho envolveu equipe
multidisciplinar oriunda da USP, do Museu Nacional, da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar) e do Centro de Pesquisa de Medicina Tropical de Roraima.
Contou com apoio da FAPESP por meio de dez projetos (13/07600-3, 24/04805-8, 15/01017-0, 19/17721-9, 22/01063-5, 21/03977-1, 22/01066-4, 23/09209-1, 22/15947-2, 20/01229-5), além de
financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(Capes).
Para Roberto Berlinck,
professor do Instituto de Química de São Carlos (IQSC-USP) que também assina
o paper, o achado evidencia a importância da biodiversidade
brasileira, que está sob risco.
“Não costumamos relacionar o
impacto negativo das mudanças climáticas à descoberta de novos fármacos ou,
mais especificamente, à cura de doenças. As esponjas Monanchora
arbuscula vivem em um ambiente que está ameaçado com o aquecimento dos
oceanos. Portanto, um produto natural que estamos apenas iniciando a
investigação pode desaparecer”, alerta o pesquisador.
Da mesma forma, ressalta
Berlinck, as mudanças climáticas têm favorecido o aumento de casos de malária
no mundo.
Metodologia
Para investigar os mecanismos
de ação das batzelladinas, o grupo de pesquisadores isolou-as dos demais
compostos da esponja marinha e caracterizou sua estrutura química. Esse
trabalho foi realizado por Anderson L. Noronha,
do IQSC-USP.
Os pesquisadores notaram que as
batzelladinas agem de modo rápido e eficaz já nos parasitas jovens, inibindo
sua capacidade de multiplicação dentro das hemácias do hospedeiro. De acordo
com Guido, essa ação rápida é determinante para que os parasitas tenham menor
chance de desenvolver resistência a um tratamento.
“Observamos que o parasita
morre assim que entra em contato com os compostos químicos. Isso é importante,
pois moléculas que matam o parasita de forma lenta permitem que ele consiga se
adaptar e gere resistência”, explica Giovana Rossi Mendes,
do IFSC-USP, responsável pela realização dos testes com as amostras de sangue e
com os camundongos.
Além de combater a
malária, as substâncias retiradas de esponjas marinhas também têm apresentado
atividade antiparasitária contra outras doenças, como leishmaniose e Chagas.
“Em uma primeira olhada, pode
parecer inusitado que uma substância com potencial de cura para a malária, uma
doença relacionada a florestas tropicais, esteja presente em um microrganismo
marinho, que não precisaria se proteger desse patógeno. Mas a aparente
desconexão, na verdade, é algo corriqueiro em estudos de prospecção de produtos
naturais com atividade biológica”, conta Guido.
Essas substâncias são o que os
cientistas chamam de metabólitos secundários, compostos orgânicos que exercem
funções adaptativas para os organismos que os produzem ou os acumulam como
defesa contra inimigos, atração entre sexos, repulsão de predadores ou ocupação
de espaço físico, entre outras.
“Assim como os agentes
causadores da malária, as esponjas marinhas são organismos muito antigos, que
foram acumulando esses metabólitos secundários ao longo de anos de evolução
para garantir seu sucesso no ambiente em que se encontram, os oceanos”, explica
Guido.
O artigo Marine
Guanidine Alkaloids Inhibit Malaria Parasites Development in In Vitro, In Vivo
and Ex Vivo Assays pode ser lido em: https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acsinfecdis.4c00714.
Maria Fernanda Ziegler
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/substancias-isoladas-de-esponjas-marinhas-mostram-potencial-para-tratar-malaria/54692

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