Você já ouviu falar nos bebês
reborn? Se ainda não, prepare-se para entrar num mundo que
mistura arte, afeto e também... muitos gastos.
As reborns são bonecas feitas à mão para parecerem o mais realistas possível. E
quando digo realistas, é realismo de verdade: pele com
textura, veinhas, cabelo implantado fio a fio, peso semelhante ao de um
recém-nascido, tem até cheirinho de talco. O nome “reborn” vem do inglês e
significa “renascido”, porque é justamente isso que os artistas fazem:
transformam uma boneca comum em algo completamente novo, quase vivo aos olhos
de quem vê.
Por que tanta gente se encanta com elas?
O fascínio por uma reborn vai muito além da estética. É emocional. É
pessoal. Segundo a psicóloga Luciana Chiarioni, tem gente que encontra na
reborn uma forma de preencher o silêncio da casa. Mulheres (ou
homens) que não têm filhos (ou perderam), pessoas enfrentando solidão, idosos
com Alzheimer... São muitas histórias por trás de cada adoção (sim, muitas
chamam de adoção).
Para alguns, a boneca vira uma espécie de companhia. Para outros, é quase uma terapia:
- Quem
sofre de ansiedade ou depressão encontra acolhimento ali;
- Em
lares de idosos, elas ajudam a criar rotina e diminuir a agitação;
- No
luto perinatal (quando há perda gestacional ou neonatal), podem oferecer
algum conforto.
E também tem o outro lado da moeda: o colecionismo. Tem gente que vê a reborn como obra de arte - e de fato, o trabalho dos chamados “reborners” é super detalhista e impressionante. Esses colecionadores gostam de exibir as bonecas, montar cenários, fotografar... e tudo isso também movimenta uma comunidade enorme nas redes sociais, com vídeos, fotos e até “rotinas” maternas fictícias.
O hype é real - e os números também
Se você já viu um vídeo de reborn no TikTok ou no Instagram, não se
surpreenda. Tem de tudo: desde “partos” e maternidades cenográficas
até lives de “adoção” que batem centenas de milhares de views.
Mas enquanto o encantamento viraliza, o mercado vai crescendo discretamente.
Segundo um levantamento da Market Report Analytics, o setor de
bonecas reborn movimentou cerca de US$ 200 milhões em 2024, e cresce a
um ritmo de 8% ao ano. Parece muito, mas é só uma fatia pequena quando a gente
compara com o mercado de bonecas em geral, que já ultrapassou os US$ 24
bilhões.
Quem está comprando?
As estatísticas ajudam a entender melhor esse universo. Olha só:
- 60% das compras vêm de mulheres adultas,
geralmente entre 30 e 60 anos. Muitas delas
tratam a boneca com carinho e cuidado, como se fosse de fato um bebê;
- 25% são compras para crianças
- pais que buscam um brinquedo mais resistente e diferente do comum;
- 10% são destinadas à terapia
clínica, como em casos de luto ou Alzheimer. Inclusive,
uma meta-análise recente apontou uma queda significativa na agitação de
idosos com demência após oito semanas de “doll therapy”;
- 3% do público é formado por homens
jovens, um grupo que vem crescendo em fóruns de customização
e vídeos ASMR (conteúdo com sons relaxantes);
- Os
outros 2% são vendas feitas por instituições - como
escolas de enfermagem ou produções de cinema.
Agora vem a parte curiosa: o Brasil lidera as
buscas no Google por “bebê reborn”, segundo um levantamento citado pela CNN.
Só que isso não quer dizer, necessariamente, que todo mundo está comprando. Na
verdade, o que temos por aqui ainda é um mercado pequeno, mais voltado para o
público infantil.
Ainda assim, no Brasil, segundo dados da Reborn International,
associação que reúne artistas e produtoras do setor, estima-se que cerca de 4
mil bonecas sejam vendidas por mês. Os preços?
- Dá
pra encontrar reborns simples por R$ 188 em marketplaces;
- Mas
os modelos mais elaborados, com silicone sólido e muitos detalhes, podem
chegar a R$ 10 mil por aqui;
- Lá
fora, tem peça exclusiva ultrapassando US$ 10 mil.
O crescimento do setor tem se mostrado relevante
também no interior do Brasil, onde empreendedoras encontram no mercado Reborn
uma alternativa de renda. Segundo o Sebrae, cursos voltados à produção de
bonecas hiper-realistas cresceram 45% entre 2022 e 2024.
Estados como Goiás, Minas Gerais e Paraná concentram boa parte da produção
artesanal, em especial nas regiões urbanas periféricas.
Ainda que não haja dados consolidados sobre a movimentação financeira total do
setor, estimativas indicam que o mercado Reborn já supera R$ 20 milhões por
ano no Brasil, somando vendas diretas, insumos, cursos e
monetização digital.
E quanto tudo isso custa no fim das contas?
Essa é a parte que pega. Ter uma bebê reborn pode custar pouco... ou virar
um hobby de alto investimento. Depende do envolvimento emocional e do quanto
você se deixa levar. Vamos aos principais custos:
- A
boneca em si:
Modelos simples: entre R$ 300 e R$ 800;
Artesanais e hiper-realistas: de R$ 1.000 a R$ 3.000 ou mais.
- Acessórios:
Roupinhas de bebê: R$ 30 a R$ 150;
Berço, carrinho, chupeta, fraldas, igual a um bebê real: pode passar de R$ 2.000;
Kits para tirar fotos e montar cenários: de R$ 200 a R$ 1.000.
- Manutenção:
Trocar o cabelo: R$ 200 a R$ 600;
Retoque de pintura: até R$ 500;
E se quiser personalizações com artistas renomados, aí os valores sobem bastante.
- Compras
recorrentes:
É comum que quem entra nesse mundo queira sempre algo novo - um look, um acessório, uma cena nova pra gravar vídeo… e os gastos vão acumulando. - Impacto
emocional:
O apego pode ser positivo, mas também pode incentivar compras por impulso, principalmente em momentos de fragilidade emocional.E quando o assunto vira polêmica?
Com o crescimento do tema nas redes sociais, não
foram poucas as pessoas que ficaram incrédulas - e até
zombaram - de quem coleciona bebês reborn. Vários vídeos
viralizaram, mostrando adultos simulando partos ou cuidando da boneca como se
fosse um bebê de verdade. Em muitos comentários, o tom era de deboche
ou julgamento, como se o hobby inteiro fosse uma bizarrice coletiva.
Confesso: também achei estranho à primeira vista.
Mas, olhando com mais calma, é importante entender que os casos mais
extremos são exceção - e não regra. Na verdade, o que muitas
vezes acontece é que esses vídeos com comportamento exagerado ganham barulho
desproporcional, recebem impulsionamento ou simplesmente
viralizam porque despertam curiosidade e espanto.
Isso não significa que representem a maioria das
pessoas que curtem o universo reborn. O problema é que, nas redes, o que mais
chama atenção e, portanto, atinge viralizações, são os comportamentos mais
“extravagantes”. A maioria das pessoas que tem um bebê reborn o
trata como uma boneca ou um brinquedo, e ok.
E quando vira um problema?
A psicóloga Luciana Chiarioni afirma que ter uma reborn pode ser
algo bom para algumas pessoas. Em certos contextos
terapêuticos, inclusive, pode ajudar no enfrentamento do luto pela perda de um
filho ou na dor causada pela infertilidade, funcionando como um apoio simbólico
e temporário para reorganizar sentimentos, quando há o acompanhamento adequado.
O problema começa quando essa relação ultrapassa o limite do saudável.
É importante observar sinais de alerta:
A pessoa trata a boneca como se fosse real o tempo todo, negando que é um objeto;
Há prejuízos no trabalho, nos relacionamentos ou na saúde por conta do vínculo excessivo;
A reborn vira um substituto de um filho perdido, mas sem o apoio de um
profissional.
Quando o apego passa a substituir vínculos reais e causa isolamento,
abandono de relações afetivas ou profissionais, ou ainda confusão entre
realidade e fantasia (como nos casos em que pessoas levam as bonecas a
hospitais como se fossem bebês reais) pode estar ocorrendo uma perda de
funcionalidade. Isso indica que o vínculo com a reborn deixou de ser simbólico
e passou a ser compulsivo, comprometendo a integração da
pessoa com a realidade, exigindo atenção da psicologia e, em casos mais graves,
da psiquiatria.
Se você ou alguém próximo estiver nessa situação, é essencial buscar ajuda psicológica.
A reborn pode, sim, fazer parte de um processo de cura (como forma simbólica de
lidar com o luto ou com a frustração da maternidade não vivida), mas não
substitui o cuidado emocional verdadeiro, nem resolve traumas sozinha.
Sem acompanhamento, pode apenas suspender temporariamente a dor, e não tratá-la
de fato.
Entre o afeto e o exagero
O universo das bebês reborn é complexo e fascinante. Mistura arte, memória,
desejo, luto e muita sensibilidade. Para uns, é um hobby. Para outros, uma
ferramenta terapêutica. E para algumas pessoas, infelizmente, um escape que
precisa ser acolhido com cuidado.
O que não dá é para tratar tudo com superficialidade ou deboche. O
mundo das reborns revela muito sobre o ser humano: sobre o que nos falta, sobre
o que buscamos e sobre como tentamos lidar com o que sentimos. Por trás de cada
boneca, existe uma história. E talvez seja essa a
parte mais real de tudo isso.
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