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quarta-feira, 26 de março de 2025

A doença da coceira infinita

 

Rara e com impactos sociais enormes, a Síndrome de Alagille afeta o fígado, assim como os rins e o coração. Novo tratamento recém-aprovado pela Anvisa promete mudar a vida dos pacientes


Uma coceira generalizada e intolerável – a ponto de coçar a pele até sangrar e causar ferimentos graves. Imagine o impacto na vida de uma família que soma a inquietude natural de uma criança a um sintoma como esses. "Tive que largar meu emprego para cuidar dela”, conta a técnica em logística Carla Franco de Almeida, mãe da pequena Maya, diagnosticada com Síndrome de Alagille quando tinha um mês de idade.
 

"Quem não conhece a doença, não imagina o grau do prurido e que a criança não dorme, não come, não consegue estudar, não consegue brincar, não se concentra na escola. É um prurido incapacitante e muitas vezes intratável com as possibilidades terapêuticas que a gente tinha até hoje", explica Elisa Carvalho, pediatra especialista em gastroenterologia pediátrica e coordenadora clínica do Hospital da Criança de Brasília. 

A história de Carla, mãe da Maya, não é única e nem rara como essa doença que, embora seja classificada assim, estima-se que no Brasil existam aproximadamente 1.300 pessoas afetadas por esta condição, com cerca de 200 pacientes efetivamente diagnosticados e em acompanhamento em centros de referência. Um a cada 30 mil nascidos vivos é acometido. 

A Síndrome de Alagille é uma doença genética.A enfermidade é resultado de uma mutação no gene JAG1 ou, menos frequentemente no NOTCH2, que estão envolvidos no desenvolvimento embrionário de diferentes tecidos. Ela pode ser herdada ou, em muitos casos corresponder a uma mutação adquirida. 

O sintoma mais debilitante da Síndrome de Alagille é, sem dúvida, o prurido intenso, causado pelo acúmulo de sais biliares na pele devido à falha na drenagem biliar. Este sintoma pode levar à insônia, dificuldades de concentração, lesões na pele por coceira excessiva e impactar a saúde mental dos pacientes e cuidadores. Outros sinais também costumam surgir na infância, incluindo icterícia (pele amarelada) prolongada, dificuldades no crescimento e sinais cardíacos. 

A persistência da icterícia neonatal é o sinal de alerta para a possibilidade da síndrome. Além da coceira, ela pode estar acompanhada de problemas cardíacos congênitos, características triangulares na face (com testa larga e proeminente, olhos profundos e queixo pequeno).

 

Diagnóstico

Identificar a Síndrome de Alagille pode ser um processo complexo e demorado, muitas vezes confundido com outras doenças hepáticas infantis. No caso de Maya, hoje com 1 ano e seis meses de idade, a mãe já havia tido uma experiência anterior com a doença. 

"Tive uma gravidez normal com o Ravi, ele nasceu de 9 meses, mas nasceu PIG (pequeno para a idade gestacional), não precisou de incubadora, não precisou de nada, só era bem pequeno. Com 15 dias de vida, notamos que ele estava com o tom de pele amarelado que começou no rosto e se espalhou pelo corpo e as fezes brancas", conta Carla, que nunca tinha ouvido falar da Síndrome de Alagille. 

A criança foi internada, fez dezenas de exames que constataram a ausência de ductos biliares, mas somente depois de uma biópsia descobriram que Ravi tinha herdado da mãe a Síndrome de Alagille. "Nunca soube que eu tinha a Síndrome de Alagille, sempre fui assintomática. Só depois de conhecer a doença que percebi que eu tinha alguns sinais físicos, mas só isso", diz a mãe do menino que não conseguiu vencer a doença e faleceu antes de completar três meses de vida. 

"Além do prurido, alguns pacientes têm um acometimento renal muito grave, precisando até de transplante. Ou uma cardiopatia muito séria que pode impactar não só na morbidade, mas também na mortalidade", conta a pediatra. 

Segundo a mãe, quando ela teve a segunda filha, já esperava a Síndrome. "Quando tive a Maya, logo depois do Ravi, já sabíamos o que ela tinha, então ganhamos um tempo para começar um tratamento. Mesmo assim, até ela ser medicada, passou por uma fase em que se coçava muito, não dormia, ficava muito irritada. Precisei parar de trabalhar para cuidar dela".

 

Tratamento

De fato, assim como Carla, algumas pessoas podem ter a síndrome e viver a vida inteira com sintomas mínimos ou até mesmo sem sintomas aparentes. "É uma síndrome que pode acometer diferentes órgãos e sistemas. Então, não obrigatoriamente, o paciente tem todos esses órgãos e sistemas acometidos. Então, a manifestação clínica varia muito conforme o que está cometido e a gravidade desse acometimento", explica a médica, Elisa de Carvalho. 

Daí a importância de um diagnóstico assertivo e rápido que pode fazer toda diferença. Foi o caso do pequeno Vicente, filho da diretora comercial Camila Morales, de 22 anos. "Com um mês de vida, percebemos que ele tentava se coçar e estava ficando com a pele amarelada. Tive a sorte de encontrar uma médica que conhecia a doença e de cara pediu uma biópsia. Tivemos o diagnóstico de Alagille de forma muito rápida e conseguimos um encaminhamento mais correto para cuidar da doença", explica Camila. 

Vicente foi selecionado para participar de um estudo com o Maralixibate, medicamento que é primariamente indicado para o tratamento do prurido associado à colestase, o que melhora significativamente a qualidade de vida dos pacientes. "Digo sempre que o Vicente é estável. Comparando com as primeiras consultas, que ele estava todo machucado, todo arranhado com escoriações, até o cabelinho ele puxava, hoje ele está super bem, gordinho, com a estatura de uma criança da idade, né?". Camila também criou um perfil numa rede ocial para conhecer outras famílias que convivem com a doença e difundir conhecimento para outras pessoas. 

O Maralixibate foi recentemente aprovado pela Anvisa e além de reduzir e amenizar a coceira incessante nos pacientes de Síndrome de Alagille, estudos mostram que o medicamento tem potencial para modificar a história natural da doença, com dados comparativos indicando que um percentual maior de crianças consegue evitar o transplante de fígado.


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