Desde junho, escolha do foro para
discutir eventuais conflitos deve ter relação com domicílio ou local do negócio
das partes envolvidas. Caso contrário, será considerada prática abusiva, alerta
a advogada Marina Richter, da NB AdvogadosFreepik
Imagine um conflito judicial
entre uma rede de franquias e seus franqueados que se estende por longos meses
(ou até anos), gerando impactos negativos para ambas as partes, porque os
juízes de determinada região dizem não ter "competência" para julgar
a ação.
O motivo é que, desde junho, o
artigo 63 da Lei 14.879/24, que alterou a Lei 13.105, de 16 de março de 2015
(Código de Processo Civil), passou a vigorar com a seguinte alteração em seu
parágrafo primeiro: que a escolha do foro (para discutir possíveis conflitos)
somente vai produzir efeito quando estiver relacionada ao domicílio ou residência,
ou local do negócio.
Em resumo, as partes envolvidas
em uma operação de franchising precisam revisar seus contratos para certificar
se a escolha do foro atende à nova legislação, em caso de uma possível ação
judicial civil, sob pena de ser considerada uma prática abusiva. O alerta é da
advogada especializada em franquias Marina Nascimbem Bechtejew Richter, da NB
Advogados.
"Se a ação for ajuizada em
foro aleatório, poderá ser considerada prática abusiva. E o juiz poderá, sem
qualquer consulta prévia, decidir em qual local a ação tramitará, retardando o
cumprimento da obrigação”, explica. Ou seja, ainda que haja uma cláusula do
foro escolhido, as partes podem ficar discutindo qual o foro adequado por tempo
indeterminado.
Antes, o código civil não especificava
essa questão. Mas o principal objetivo dessa mudança é justamente proteger as
partes em uma situação que antes não estava expressa na lei, diz.
Como a lei já está em vigor
desde a data em que foi publicada, muitas empresas ainda não adequaram os
contratos - o que tem gerado problemas para quem está nessa situação. Um dos
problemas é a já citada distribuição dos processos em locais não indicados no
contrato, redirecionados para outras varas e fazendo com que a possível solução
fique ainda mais distante.
"Se o juiz decidir que não
tem competência para julgar a ação em Presidente Prudente, por exemplo, ele
pode jogar para Campinas, baseado nesse parágrafo 1º do artigo 63, e a ação
pode ficar circulando até finalmente ficar definido quem irá analisá-la",
reforça.
Outro problema de não revisar o
contrato, e esse mais complexo, é que em meio a um conflito já existente, essa
falta de revisão pode gerar outros tipos de ação, pois já existem casos com uma
das partes pedindo a invalidação da cláusula sob alegação de que a escolha do
foro dificultou seu acesso à Justiça, ou até questionando a hipossuficiência
(falta de recursos).
Nesse sentido, segundo Marina,
a mudança trouxe mais segurança ao evitar que surjam questionamentos a respeito
de o foro ser ou não adequado. “É hora de fazer a adequação dos contratos para
esta nova realidade e avaliar outras formas de resolução de conflitos - como a
arbitragem, por exemplo”, completa a advogada.
OUTROS
CAMINHOS
Mesmo que a mudança na
legislação seja clara, Marina Richter, que se considera "defensora da
arbitragem", lembra que a Lei 13.966/2019, que regula o franchising
brasileiro, possibilita em seu artigo 7º, parágrafo primeiro, a eleição dessa
medida nos contratos de franquia.
“É mais ágil e traz uma
sentença definitiva, sem possibilidade de recurso. Além disto, a ação é julgada
por árbitros com conhecimentos específicos na área, o que é uma grande
vantagem”, destaca a advogada.
Mesmo que a cláusula da
arbitragem não esteja no contrato, se as duas partes decidirem em consenso
resolver algum conflito dessa forma, é possível: basta assinarem um termo,
explica. "Mas se uma das partes não quiser e não houver cláusula, não tem
como seguir."
De modo geral, Marina recomenda
cuidado na hora de elaborar esse tipo de cláusula para proteger as partes em
caso de conflitos. Como o fraqueado que infringe obrigações contratuais, não
respeitando o prazo da cláusula de não-concorrência, por exemplo.
Ou a franqueadora que não
cumpre sua parte no contrato, fazendo com que o franqueado queira rescindi-lo,
e também reaver os créditos investidos no empreendimento.
Sem a determinação do foro
adequado, de acordo com a lei 14.879/2024, mais tempo se leva para o julgamento
do processo em andamento. E mais prejudicial para os negócios.
No caso da não-concorrência,
quanto mais tempo demorar para ser julgada, mais difícil conseguir a liminar
para impedir que o franqueado deixe de utilizar a marca até sair a sentença
judicial. "Sem contar que cabe recurso: no final, passaram dois anos e o
que sobrou é a multa pelo descumprimento da obrigação. E ele continuou operando
todo esse tempo", diz.
Quando a acusada é a
franqueadora, muitos franqueados entram na Justiça comum e, quanto mais o tempo
passa, pode culminar com a extinção do processo e, dependendo do caso, o
franqueado pode ser condenado até a pagar honorários de sucumbência (que a
parte perdedora deve pagar para reembolsar os gastos com a contratação do
advogado).
"Se ele tivesse entrado
com arbitragem, talvez tivesse conseguido uma sentença para iniciar o processo
de execução (ou seja, de pagamento do crédito a que tem direito)", afirma.
Algumas câmaras arbitrais
possuem convênios, como a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e a
Associação Brasileira de Franchising (ABF), garantindo descontos a
associados.
Mas a especialista reforça que, em caso de escolha pela arbitragem, é essencial
inserir uma cláusula arbitral cheia na minuta do contrato de franquia.
"Ela deve ser entregue ao candidato já na entrega da Circular de Oferta de
Franquia (COF), e com antecedência legal", finaliza.
Karina Lignelli
https://dcomercio.com.br/publicacao/s/franquias-precisam-revisar-contratos-para-atender-nova-legislacao
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