O esclarecimento é a melhor maneira de combater esse mal, que tem sido uma das principais causas de morte entre adolescentes e jovens adultos
A
incidência de suicídios entre crianças e adolescentes é uma questão preocupante
e complexa, com variabilidade significativa dependendo do país e da região. De
acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esse mal é uma das principais
causas de morte entre adolescentes e jovens, especialmente entre os 15 e 19
anos. Em alguns países, é a segunda ou terceira principal causa de morte nessa
faixa etária.
Segundo
um estudo realizado pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para a
Saúde (Cidacs), da Fiocuz Bahia, em colaboração com pesquisadores da Harvard
(EUA), o Brasil registrou o aumento de 3,7% nas taxas de suicídio e de 21% nos
casos de automutilação entre os anos de 2011 e 2022. Mesmo acontecendo mais
entre idosos, o crescimento foi bastante significativo entre os jovens de 10 a
24 anos, com a ampliação de 6% nas taxas de suicídio e de 29% nas taxas de
autolesão no período analisado. Já globalmente houve uma redução de casos de
36% e nas Américas o crescimento foi de 17%. Para chegar aos resultados,
divulgado em 2024, os pesquisadores analisaram mais de 1 milhão de dados
disponíveis em três bases públicas: o Sistema de Informações sobre Mortalidade
(SIM), Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e o Sistema de Informação de
Agravos de Notificação (Sinan).
O
suicídio entre crianças, adolescentes e jovens é um fenômeno complexo e
multifacetado, envolvendo uma combinação de fatores psicológicos, sociais,
familiares e ambientais Entre os fatores que contribuem com o suicídio estão
problemas de saúde mental (como depressão e ansiedade), bullying, problemas
familiares, abuso de substâncias, e eventos traumáticos. Sendo que a pressão
acadêmica e social também pode desempenhar um papel significativo.
Fatores
de Risco
Alguns
problemas de saúde mental podem potencializar o desejo de morte, entre eles
estão: a depressão, com sintomas de tristeza profunda, desesperança e perda de
interesse em atividades antes prazerosas; a ansiedade, com sentimentos intensos
de medo e preocupação, que podem ser debilitantes; e os transtornos de conduta,
que são comportamentos agressivos ou desafiadores e podem estar associados a
dificuldades emocionais. Outros fatores relacionados são: a pressão acadêmica,
com expectativas altas em relação ao desempenho escolar; as expectativas
sociais, devido ao desejo esmagador de se encaixar socialmente e manter uma
certa imagem; e os impactos profundos dos abusos físicos ou sexuais, que
provocam traumas.
A
negligência familiar, com a falta de cuidados adequados e apoio emocional pode
aumentar o risco. Alguns problemas em casa podem potencializar o suicídio como
a falta de afetividade e respeito, os conflitos com brigas, separações ou
divórcios - que geram um ambiente instável e estressante - e a violência
doméstica, causadora de sentimento de insegurança e desesperança. É necessário
também ficar atento aos fatores biológicos e genéticos, com histórico familiar,
que tenham antecedentes de transtornos mentais ou suicídio.
Indivíduos
com falta de suporte familiar ou social estão mais vulneráveis a crises
emocionais, devido ao sentimento de solidão e a falta de apoio, que podem
contribuir para o desfalecimento. Segundo Cris Poli, que é coordenadora
pedagógica da EDF - Escola do Futuro Brasil, os pais precisam dedicar mais
tempo em afetividade, amor e comunicação com os seus filhos, sem a pressa e a
urgência, muito características da atualidade. “Infelizmente, os
relacionamentos pessoais andam mais frios entre as pessoas, até mesmo entre
pais e filhos. É preciso refletir que eles recebem o que os pais dão e crescem
reproduzindo esse comportamento”, aconselha. Além disso, as dificuldades em
estabelecer e manter amizades saudáveis podem exacerbar o sentimento de
isolamento.
Algumas
crises emocionais são desenvolvidas devido a mudanças ou a transição da
infância para a adolescência, que pode ser tumultuada e emocionalmente
desafiadora. As experiências de cyberbullying ou bullying, dentro ou fora da
escola, também podem levar a sentimentos de isolamento e desespero. Outro
fator é o uso de drogas e álcool, que pode agravar problemas de saúde mental e
aumentar o risco de comportamento suicida.
Excesso
de internet e telas
A
internet e o uso excessivo de telas também podem contribuir para problemas de
saúde mental e, em casos extremos, aumentar o risco de comportamento suicida.
No entanto, é importante notar que a tecnologia em si não é a causa direta do
suicídio, mas sim os usos problemáticos e as interações online que podem trazer
más influencias. “Muitas vezes os pais sentem a necessidade de proteger os seus
filhos da rua e se esquecem que também existe uma grande ameaça dentro de casa.
Já que o uso indiscriminado da internet permite que eles adentrem em portas
onde jamais entrariam fisicamente e nestes lugares virtuais ficam vulneráveis a
ver e explorar coisas para as quais não estão preparados, trazendo para si mais
dúvidas do que já possuem. Portanto, é preciso proteger e monitorar por onde
andam seus filhos”, orienta Silvia Tocci Masini, que é psicanalista e
psicopedagoga da EDF.
As
maneiras como essas tecnologias podem impactar negativamente o usuário e
potencializar o risco de suicídio são através do assédio online com o
cyberbullying, que causa um grande estresse emocional e psicológico. A
exposição a comportamentos agressivos e humilhações na internet pode levar a
sentimentos de desespero e depressão. A exposição a conteúdos prejudiciais como
os violentos, perturbadores ou que glamorizam o suicídio impacta negativamente
os internautas impressionáveis.
Além
disso, o uso excessivo de telas pode substituir interações sociais presenciais,
levando ao isolamento social e ao aumentar de sentimentos de solidão e
depressão, que são fatores de risco para o suicídio. “Os adolescentes e jovens
querem ser vistos e ouvidos e também necessitam pertencer a um grupo e, como
muitas vezes eles estão privados disso, buscam lugares onde possam entrar, como
grupos e salas da internet, que nem sempre são boas influências para eles”,
salienta Silvia.
A
dependência de tecnologia é um grande mal para a juventude, já que o uso
excessivo, especialmente antes de dormir, pode afetar a qualidade do sono.
Dormir mal ou pouco está associado a problemas de saúde mental, incluindo
depressão. Esse vício e compulsividade de tecnologia pode exacerbar sentimentos
de ansiedade e depressão.
Infelizmente
as redes sociais podem levar os jovens e os adolescentes a uma pressão social e
a comparações com padrões irrealistas. Esses canais de interação frequentemente
mostram representações idealizadas e filtradas da vida das pessoas, o que gera
uma idealização negativa e sentimentos de inadequação e baixa autoestima.
Monitoramento
e Controle
Como
forma de combate aos excessos, cabe aos pais e a escola conscientizar e educar
as crianças e adolescentes sobre o uso responsável e seguro da internet e como
proteger sua privacidade online. É necessário promover o pensamento crítico,
provocando o questionamento e a avaliação da veracidade da natureza dos
conteúdos que consomem online.
Torna-se
fundamental que limites sejam estabelecidos pelos pais ou tutores quanto a
restrições e tempo para o uso de telas e ainda monitore o tipo de conteúdo que
as crianças, os adolescentes e os jovens estão consumindo. “Me preocupa muito
quando um pai diz que é muito amigo do filho, pois me questiono quem está
ocupando o lugar do pai! O jovem precisa mais do que amizade, precisa de
limite, acolhimento e escuta para se sentir seguro, pois o mundo não oferece
segurança e muito menos acolhe. Corrigir é demonstrar amor!”, alerta Silvia.
Por isso, é primordial manter uma comunicação aberta com os filhos sobre o que
eles fazem online e como se sentem em relação às suas experiências na internet.
Além disso, é muito importante incentivar a participação deles em atividades de
lazer em família, sociais e extracurriculares (como esportes, música, dança,
etc.) que promovam interações presenciais e construam redes de apoio reais.
Mas,
quando os responsáveis perceberem que as suas ações não estão ajudando a
criança, o adolescente ou o jovem é muito importante buscar ajuda quando
necessário. Se houver sinais de problemas de saúde mental ou comportamentos
prejudiciais, o mais recomendado é procurar a ajuda de profissionais de saúde
mental. A prevenção e a intervenção precoce são cruciais para reduzir o risco
de suicídio. “Muitas vezes os próprios pais também precisam buscar ajuda para
então conseguir ajudar o filho a sair da situação em que está envolvido. Há
momentos em que a família inteira está precisando de ajuda e não adianta
trabalhar só o jovem”, orienta Silvia Tocci Masini.
O
papel da escola
A
escola desempenha um papel fundamental na prevenção do suicídio entre crianças
e adolescentes, criando um ambiente seguro e de apoio e implementando
estratégias de intervenção eficazes. Elas podem auxiliar na prevenção com
conscientização, programas de educação sobre saúde mental implementando
programas que abordem questões de saúde mental, sinais de alerta e estratégias
de enfrentamento. Também pode oferecer workshops e treinamentos regulares para
pais, professores, funcionários e alunos sobre como identificar sinais de risco
e como responder de maneira apropriada. “Além de realizar rodas de conversas e
palestras, a Escola do Futuro Brasil também prepara seus profissionais para
identificação de comportamentos suspeitos e disponibiliza grupos de apoio
escolar, para informar e auxiliar os pais e até oferecer suporte aos alunos,
que estão enfrentando dificuldades. Criamos um ambiente acolhedor e de escuta,
com foco a deixar os estudantes à vontade para compartilhar as suas
necessidades. Além disso, trazemos conscientização de inteligência emocional
através do estudo de traço de caráter e ainda buscamos fortalecer o amor
próprio e a esperança através da introdução dos princípios cristãos”, explica
Ivone Muniz, diretora da Escola do Futuro Brasil.
A
promoção de um ambiente positivo no ambiente educacional onde todos os alunos
se sintam valorizados e incluídos, está no incentivo a empatia, a cooperação e
o respeito mútuo entre alunos e funcionários. “A parceria entre a família e a
escola tem que existir, mas a responsabilidade é dos pais. A instituição de
ensino precisa ter um profissional capacitado a direcionar qual caminho seguir
com o estudante que está precisando de ajuda. Há casos em que a escola percebe
antes dos pais, devido aos sinais que são perceptíveis como quando começa a se
vestir e se comportar de forma diferente (pode querer se esconder num capuz),
perde interesse nas atividades esportivas e escolares e até a alimentação é
alterada”, completa Silvia.
A
conscientização sobre o combate aos alarmantes números de suicídios está na
valorização da vida das crianças, adolescentes e jovens, e isso depende de uma
ação em conjunto, onde um grupo de apoio que envolve famílias e escola se unam
para oferecer cuidado, atenção, orientação e afetividade.
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