Com práticas simples como conversas, jogos e gestão da mesada, pais podem preparar crianças para uma vida financeira saudável
O brasileiro é habituado a contrair
dívidas e pouco disposto a investir: 78,3% das famílias estavam endividadas em
maio deste ano, segundo a Pesquisa de Endividamento e
Inadimplência do Consumidor (PEIC); e
61% das pessoas não conseguem guardar dinheiro para investimento ou poupança,
de acordo com a pesquisa “Pulso
2023” da Ipsos. Essas escolhas relacionadas a
dinheiro podem ser influenciadas pelas disparidades sociais, inflação e
desemprego. Mas, para além de fatores socioeconômicos, existe o viés subjetivo
do comportamento humano, que torna comuns hábitos como gastar por impulsos,
esquecer de prazos de pagamento ou não ter economias.
No que compete a ajustes
comportamentais, o que pais, mães e tutores podem fazer para que seus filhos
tenham uma relação mais saudável com o dinheiro?
A economista e assessora de
investimentos Daliane Poças sugere três pontos principais para melhorar essa
situação. Primeiro, falar sobre o dinheiro desde cedo com as crianças, usando
atividades lúdicas e jogos para introduzir conceitos financeiros básicos.
Segundo, ensinar e praticar o consumo responsável, mostrando como distinguir
entre necessidades e desejos. Terceiro, incentivar a fazer o dinheiro render,
por meio de investimento adequado ao perfil de risco.
“Ao educar financeiramente nossas
crianças e adolescentes, contribuímos não apenas para um futuro financeiro mais
saudável para elas, mas também para uma sociedade menos endividada”, defende
Daliane Poças.
Famílias falam mais sobre dinheiro, mas
investem pouco
O ponto positivo para a sociedade
brasileira é que as conversas em família sobre assuntos financeiros estão mais
presentes atualmente do que na geração anterior, segundo a pesquisa “Finanças para os Filhos:
Dinheiro é Coisa de Adulto?”, divulgada pela Serasa em outubro de 2023.
A pesquisa revelou que 6 em cada 10
pais e mães nunca tiveram uma conversa sobre o tema finanças com os seus pais
enquanto crianças. Por outro lado, a atual geração de pais agora está se
esforçando um pouco mais: 8 em cada 10 pais dizem conversar com seus filhos
sobre finanças.
O estudo mostra que as conversas que
introduzem o tema do dinheiro nas famílias esclarecem “quais produtos são caros
ou baratos”, “o que é possível ou não comprar”, seguido por “mostrar a
importância de guardar dinheiro”.
Embora estejam mais dispostos a falar
sobre “guardar dinheiro”, 72% dos pais não fazem nenhum tipo de investimento ou
poupança para os filhos; e 49% ainda não fazem, mas pretendem fazer no futuro.
Nesse cenário em que o investimento
para filhos é desejado, mas ainda fora da realidade, a economista Daliane Poças
propõe medidas para as famílias que buscam um futuro com mais saúde
financeira.
“A tradicional prática de guardar
dinheiro em um cofrinho pode ser um ponto de partida lúdico para abordar a
importância da reserva financeira, mas é preciso ir além”, alerta Daliane
Poças. Para a economista, ensinar sobre proteger o dinheiro da inflação permite
que as crianças e os adolescentes entendam como seu dinheiro pode crescer ao
longo do tempo.
Para quem quer ir além, é possível
introduzir meninas e meninos ao mundo dos investimentos. Segundo a economista,
é possível abrir conta de investimentos para as crianças, em conjunto com um
dos pais ou com a presença de um tutor.
“Segmentos como a Bolsa de Mercadorias
e Futuros (BM&F), mercados futuros, opções e derivativos não estão
acessíveis. Contudo, é possível investir em produtos de renda fixa e no mercado
de ações”, afirma Daliane Poças. Ela reforça que esses investimentos devem
respeitar os limites do perfil de risco (suitability) e os objetivos
financeiros das famílias.
Brincadeiras e mesadas como ferramentas
de educação financeira
Investir é um passo mais avançado na
educação financeira. Para chegar lá, é preciso antes construir a
autorresponsabilidade financeira. As ações para isso podem iniciar já na
infância e evoluir de acordo com a idade.
Por meio de jogos e brincadeiras, é
possível ensinar aos pequenos conceitos básicos como o valor do dinheiro, a
diferença entre necessidades e desejos de consumo, e o planejamento financeiro.
Atividades como montar uma loja fictícia podem ilustrar a troca e o valor dos
produtos. Jogos como o Banco Imobiliário podem servir de introdução à
negociação e ao gerenciamento de dinheiro. Criar um caderno de despesas é útil
para monitorar gastos e planejar economias.
Aos poucos, podem ser introduzidas
atividades que possibilitem a familiarização com ferramentas financeiras, como
contas bancárias e cartões de crédito. “Muitas crianças veem seus pais usando
cartões de crédito sem entender que a fatura precisa ser paga posteriormente.
Explicar o funcionamento desse e outros instrumentos contribui para uma visão
realista das finanças”, pontua Daliane Poças.
Para as famílias adeptas da mesada, a
prática pode começar com valores pequenos, ajustados à idade e às necessidades
dos filhos. Com essa quantia, eles aprendem a tomar decisões sobre como gastar,
poupar ou investir seu dinheiro. “A experiência prática de lidar com um orçamento
limitado ajuda a desenvolver responsabilidade e autonomia, habilidades
essenciais para a vida adulta. Isso não apenas ensina sobre dinheiro, mas
também fortalece os laços familiares”, opina Daliane Poças.
Além de ensinar a administrar o
dinheiro, a mesada permite que as crianças compreendam a diferença entre
necessidades e desejos. Ao planejar seus gastos, elas começam a perceber que
nem tudo pode ser adquirido imediatamente e que é preciso fazer escolhas
conscientes.
Por exemplo, os pais podem ajudar seus
filhos a refletir: eu realmente preciso realizar esta compra; ou posso guardar
e investir para fazer uma compra maior? Esse aprendizado contribui para evitar
o comportamento consumista e impulsivo, que leva muitos adultos ao
endividamento.
“Em todo esse processo, os pais também
podem - e devem - servir de exemplo, mostrando aos filhos como gerenciam seu
orçamento, suas necessidades e desejos", conclui Daliane Poças.
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