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segunda-feira, 27 de maio de 2024

"Não há idade adequada para se deixar uma criança sozinha", diz advogada sobre caso do médico que recusou atestado para mãe de filho doente

Divulgação
Especialista em direito da criança e adolescente explica o que fazer nesses casos 

 

Uma mulher levou o filho de 5 anos a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em Cambé, no Paraná, e teve negado o pedido de atestado de ausência do trabalho para cuidar da criança. A mãe trabalha cerca de 12 horas por dia em uma portaria, e precisaria ficar em casa para ministrar as medicações no filho no período prescrito pelo clínico geral. Segundo Marilia Golfieri Angella, sócia-fundadora do Marília Golfieri Angella – Advocacia Familiar e Social, especialista em Direito de Família, Gênero e Infância e Juventude, mestre em Processo Civil pela Faculdade de Direito da USP, deixar uma criança de 5 anos sozinha em casa, tal como sugeriu o médico na ocasião de Cambé, não é uma opção.

Golfieri reforça que o DataSUS aponta que acidentes domésticos, como quedas, sufocamentos, queimaduras, afogamentos e intoxicações, são as principais causas de morte infantil no Brasil entre 0 e 14 anos. Só entre 2020 e 2021 foram registrados mais de 1.600 óbitos nesta modalidade.  Por outro lado, uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas, aponta que o número de mães solo no mercado de trabalho cresceu 1,7 milhão em dez anos, sendo superior a 70% o número destas mães que vive de forma monoparental, sem qualquer rede de apoio de outros familiares, como no caso de família extensa, composta por tios, avós etc. Ou seja, a conta não fecha, e há grandes chances de esta mãe de Cambé estar nessa estatística.

Para Marilia, embora o profissional de saúde não seja obrigado a fornecer o documento de afastamento justificado do trabalho para cuidadores dos enfermos que atende, sua atitude causa espanto. “Nossa Constituição diz que enquanto sociedade, somos todos responsáveis por proteger nossas crianças. Garantir que uma mãe possa cuidar de seu filho doente sem medo de engrossar outra estatística, que é a de desempregados no país, é parte disso”, afirma.

A especialista ressalta que a fala do médico pode estar centrada em tempos mais antigos, nos quais as exposições de crianças e adolescentes a situações de risco eram menores. Hoje, há entre outros fatores, o uso da internet, que está amplamente disponível nas casas brasileiras e  pode ser muito prejudicial a crianças e adolescentes, expondo-as até mesmo ao risco de crimes sexuais.

“Há de se reconhecer que este médico não é exceção e é preciso cautela em acusá-lo, pois a sua fala é reflexo de uma sociedade que aceita e normaliza, entre muitos absurdos, o trabalho infantil para crianças a partir de 5 anos. Para essa parcela de pessoas, se a criança pode trabalhar, por que não poderia ficar sozinha em casa?”, reflete Golfieri.

Marília diz ainda que essa análise deve passar pela responsabilidade também dos empregadores, na proteção de direitos dos filhos dos seus empregados e colaboradores, já que mesmo com a recente alteração da CLT a partir do Marco Legal da Primeira Infância, ao empregado só é garantido o direito de faltar pouquíssimas vezes no trabalho para acompanhar o filho em consulta médica (CLT, Artigo 473, inciso XI), sendo que esta concessão não está alinhada às necessidades da criança e do adolescente.

“É preciso que o empregador tenha, para além de bom senso, atitudes positivas no sentido de compreender situações que envolvam crianças e adolescentes, como abonar faltas de funcionários que necessitem acompanhar os filhos em consultas ou mesmo permanecerem em casa para o repouso da criança, a fim de reestabelecer sua saúde física, entre outras ações positivas que respeitem a dignidade do funcionário, mas que, no fundo, são ações de respeito ao direito desta criança de se desenvolver de forma saudável”, complementa Golfieri.

Se não deixar sozinho em casa não é uma opção, o que fazer?

A advogada Marília Golfieri Angella explica:

“Você pode começar procurando em seu Município e no seu Estado se há políticas públicas voltadas ao contraturno escolar, que podem ser os Centros para Crianças e Adolescentes (CCA), por exemplo. Se esta política pública não for encontrada em sua Cidade, pode ser uma oportunidade para promover ações de advocacy voltadas à provocação legislativa e executiva para implementação destes centros, inclusive tendo como respaldo a recente Lei 14.826/2024, que coloca o direito ao brincar como forma de prevenção de violência contra crianças e reforça a responsabilidade do Estado na proteção deste direito, como também decorre do texto constitucional e do ECA. Hoje em dia há também instituições particulares que prestam estes serviços de forma continuada (mensal/anual) ou mesmo por diária, como os chamados espaços de brincar ou quintais de recreação, sendo importante sempre buscar referências e certificando-se da regularidade do local perante as Autoridades Públicas e órgãos de fiscalização.

Além disso, o Ministério da Saúde, do Governo Federal, possui uma plataforma online didática a respeito das Linhas de Cuidado e procedimentos de saúde destinados à proteção de crianças e adolescentes, inclusive separados por faixa etária.

Acessando este conteúdo é possível encontrar calendários e rotinas de consultas médicas, modos de prevenção de acidentes, o que pode ser essenciais para conhecimento geral da população – e não apenas para profissionais da área da saúde.”

 

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