Estudo combina modelos físicos com modelos numéricos e trabalhar com dados de formatos distintos por meio de uma arquitetura multimodal (foto: Tânia Rego/Agência Brasil) |
Desenvolvido na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, sistema utilizou a cidade de Santos como espaço amostral. E poderá contribuir para maior eficiência da defesa civil em um contexto de eventos climáticos extremos
A previsão
de eventos extremos é essencial para a preparação e proteção de regiões vulneráveis
– especialmente no atual contexto de mudança climática. No Brasil, a cidade de
Santos, no litoral paulista, tem proporcionado estudos de caso relevantes, pois
enfrenta marés de tempestade, popularmente conhecidas por “ressacas”, que
ameaçam tanto a infraestrutura quanto os ecossistemas locais.
Uma pesquisa, que utilizou como
espaço amostral a realidade de Santos, empregou ferramentas avançadas de
aprendizado de máquina para otimizar os sistemas atuais de previsão de eventos
extremos. Artigo a respeito foi publicado no veículo Proceedings of the
AAAI Conference on Artificial Intelligence: “Early Detection of Extreme Storm Tide Events Using
Multimodal Data Processing”. O trabalho, que mobilizou grande
número de pesquisadores, foi coordenado por Anna Helena Reali Costa,
professora titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo
(Poli-USP), e teve, como primeiro autor, o pesquisador Marcel Barros, do Departamento de
Engenharia de Computação e Sistemas Digitais da Poli-USP.
Os modelos utilizados
atualmente para realizar previsões da altura da maré e da altura média das
ondas são baseados no equacionamento físico dos fenômenos envolvidos. São
compostos por sistemas de equações diferenciais que contemplam variáveis como
relevo, maré astronômica (determinada pela posição relativa de três corpos:
Sol, Terra, Lua), regime de ventos, velocidade de correntes, índice de
salinização da água etc.
Embora bem-sucedida em diversas
áreas, essa modelagem é bastante complexa e depende de uma série de hipóteses
simplificadoras. Além disso, é muitas vezes inviável integrar a ela novas
fontes de dados medidos que poderiam contribuir para previsões melhores.
Por outro lado, estão em alta
os métodos de aprendizado de máquina capazes de identificar padrões em dados e
realizar extrapolações para situações novas. Mas tais métodos, em geral,
precisam de um grande número de exemplos para serem treinados em tarefas
complexas como as demandadas por esse tipo de previsão.
“O nosso estudo une os dois
mundos ao desenvolver um modelo baseado em aprendizado de máquina que utiliza
os modelos físicos como ponto de partida, mas que consegue refiná-los agregando
dados medidos. Essa área de estudo é conhecida como ‘Aprendizado de Máquina
Informado pela Física’ (Physics-Informed Machine Learning, na expressão
em inglês, da qual deriva a sigla PIML)”, diz Barros.
O pesquisador sublinha que a
capacidade de harmonizar essas duas fontes de informação é fundamental para
desenvolver previsões mais precisas e confiáveis. Porém, a utilização de dados
de sensores impõe desafios técnicos significativos, especialmente devido à
natureza irregular desses dados, que podem apresentar problemas como lacunas de
informações, deslocamentos temporais e variações nas frequências de amostragem.
Em caso de falha, alguns sensores podem levar dias para serem restabelecidos,
mas os mecanismos de previsão de marés de tempestade devem ser capazes de
continuar operando mesmo sem toda a informação disponível.
“Para abordar situações com
dados extremamente irregulares, desenvolvemos uma técnica inovadora para
representar a passagem do tempo em redes neurais. Essa representação permite
que o modelo seja informado da posição e do tamanho das janelas de dados
faltantes e passe a considerá-los nas previsões de altura das marés e ondas”,
conta Barros.
E acrescenta que esse avanço
técnico permite uma melhor modelagem de fenômenos naturais complexos e pode ser
utilizado também na modelagem de outros fenômenos que envolvam séries temporais
irregulares, como dados de saúde, redes de sensores em manufatura, indicadores
financeiros etc.
“Além disso, o modelo que
estamos propondo combina diferentes tipos de redes neurais, de modo a integrar
dados multimodais. Isso inclui imagens de satélite, informações tabulares e
previsões de modelos numéricos, com a possibilidade de incorporar futuramente
outras modalidades de dados, como texto e áudio. Essa abordagem representa um
passo importante na direção de sistemas de previsão mais robustos e adaptáveis,
capazes de lidar com a complexidade e a variabilidade dos dados associados a
eventos climáticos extremos”, comenta Reali Costa.
A professora destaca as três
maiores virtudes do modelo: combinar modelos físicos com modelos numéricos;
representar de uma nova maneira o tempo para redes neurais; trabalhar com dados
de formatos distintos, por meio de uma arquitetura multimodal. “O estudo
oferece uma metodologia capaz de melhorar a precisão das previsões de eventos
extremos, como as marés de tempestade em Santos. Ao mesmo tempo destaca os
desafios e potenciais soluções para a integração de modelos físicos e dados
sensoriais em contextos complexos”, resume.
O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio do Centro de Inteligência Artificial (C4AI), um Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) constituído pela FAPESP e a IBM Brasil e com sede na Poli-USP.
José Tadeu Arantes
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/modelo-combina-parametros-fisicos-e-aprendizado-de-maquina-para-prever-mares-de-tempestade/51581
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