Intensas
tempestades geomagnéticas foram registradas neste final de semana, em
decorrência de explosões solares detectadas pelo Observatório Solar da Nasa, a
agência espacial norte-americana. Além de produzirem auroras boreais e
austrais, essas explosões têm potencial de perturbar as comunicações, a
transmissão de energia elétrica, a navegação e as operações de rádio e
satélite.
Fenômenos ainda
mais intensos do que os recentemente ocorridos no Sol foram estudados em
estrelas não muito distantes (Kepler-411 e Kepler-396) por pesquisadores do
Centro de Radioastronomia e Astrofísica Mackenzie, da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, no Brasil, e da School of Physics and Astronomy, da
University of Glasgow, na Escócia. Artigo a respeito foi publicado no periódico Monthly
Notices of the Royal Astronomical Society.
“Assim como as
explosões solares têm impacto na Terra, as superexplosões que foram foco deste
estudo podem afetar a atmosfera de exoplanetas e impactar, entre outros
fatores, as condições para formação ou destruição de eventual vida
microbiológica nesses planetas”, explica à Agência FAPESP Paulo Simões,
professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e primeiro autor do artigo.
Apesar de sua
finalidade principal ser a busca por exoplanetas, telescópios como o Kepler Space Telescope e o Transiting
Exoplanet Survey Satellite (TESS) têm proporcionado uma vasta
quantidade de dados sobre explosões estelares (stellar flares, em
inglês), detectadas com excelente fotometria por filtros de banda larga na
faixa da luz visível.
Como as estrelas
estão muito distantes, elas são vistas por meio dos telescópios apenas como
pontos luminosos. E os fenômenos interpretados como explosões são repentinos
aumentos de luminosidade desses pontos.
Ocorre ainda uma
carência de dados em outras faixas do espectro eletromagnético. E a maioria dos
estudos sobre esses eventos concentra-se na questão da energia irradiada:
superexplosões (superflares), com energias de 100 a 10 mil vezes maiores
do que as das mais energéticas explosões solares, têm sido encontradas. A
questão é saber qual o modelo que melhor explica esses altíssimos patamares de
energia.
Há dois modelos
principais em cotejo. O mais adotado trata a radiação da superexplosão como a
emissão de um corpo negro à temperatura de 10 mil Kelvin. O outro associa o
fenômeno a um processo de ionização e recombinação de átomos de hidrogênio. O
estudo em pauta analisou os dois modelos. O grupo recebeu apoio da FAPESP por
meio de três projetos (18/04055-8, 21/02120-0 e 22/15700-7).
“Dados os processos
conhecidos de transferência de energia em flares, argumentamos que
o modelo de recombinação de hidrogênio é fisicamente mais plausível do que o
modelo de corpo negro para explicar a origem da emissão óptica de banda larga”,
diz Simões.
Os pesquisadores
cotejaram 37 eventos do sistema estelar Kepler-411 e cinco eventos da estrela
Kepler-396, utilizando ambos os mecanismos de radiação. “Verificamos que as
estimativas para a energia total de explosão com base no modelo de recombinação
do hidrogênio são cerca de uma ordem de grandeza menores do que os valores
obtidos a partir da radiação do corpo negro. E se ajustam melhor aos processos
conhecidos”, afirma Simões.
Esses processos são
descritos a partir das explosões solares. A despeito das muitas diferenças, as
explosões solares continuam abastecendo os modelos nos quais as interpretações
das explosões estelares se baseiam. Afinal, existe uma vasta quantidade de
informação acumulada sobre explosões solares, que foram registradas, pela
primeira vez, de forma independente, por dois astrônomos ingleses, Richard Carrington
e Richard Hodgson, em 1º de setembro de 1859.
“Desde esse
momento, as explosões solares já foram observadas como um brilho intenso com
durações de segundos a horas, em diferentes comprimentos de onda: rádio, luz
visível, ultravioleta e raio X. Esses flares são um dos
fenômenos mais energéticos de nosso Sistema Solar e podem afetar operações de
satélites, comunicações por meio de rádio, linhas de transmissão de energia,
sistemas de navegação e funcionamento do GPS, para citar alguns exemplos”, informa
Alexandre Araújo, doutorando no Centro de Radioastronomia e Astrofísica
Mackenzie, professor da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e coautor
do artigo.
As explosões
solares ocorrem em regiões ativas, associadas a intensos campos magnéticos. A
energia acumulada nos campos magnéticos da coroa solar, a parte mais exterior
do Sol, é liberada de forma repentina, aquecendo o plasma e acelerando
partículas, como elétrons e prótons.
“Por terem massa
menor, os elétrons podem ser acelerados até frações consideráveis da velocidade
da luz – tipicamente até 30%, mas alcançando às vezes valores maiores. As
partículas aceleradas viajam ao longo das linhas do campo magnético: uma parte
é lançada para fora, no espaço interplanetário, enquanto outra parte viaja no
sentido oposto, rumo à cromosfera, situada abaixo da coroa, onde sofre colisões
no plasma de alta densidade e transfere sua energia para o meio. O excesso de
energia aquece o plasma local, causando ionização e excitação dos átomos e,
consequentemente, produção de radiação, que detectamos com telescópios em solo
e no espaço”, descreve Simões.
Desde a década de
1960, numerosos estudos observacionais e teóricos tentam explicar a geração do
excesso de luz visível causada pelas explosões, mas ainda não há uma solução
definitiva. Desses estudos nasceram as duas alternativas principais já
referidas: (1) o modelo de radiação de corpo negro causada por um aquecimento
na fotosfera, camada situada abaixo da cromosfera; (2) a radiação por
recombinação de hidrogênio na própria cromosfera solar. Vale explicar que a
recombinação ocorre quando os prótons e elétrons do hidrogênio, separados pelo
processo de ionização, voltam a se juntar, formando átomos.
“A limitação do
primeiro caso pode ser resumida a uma questão de transporte de energia: nenhum
dos mecanismos de transporte de energia normalmente aceitos para explosões
solares tem capacidade de entregar a energia necessária na fotosfera para
causar o aquecimento do plasma de modo a explicar as observações”, argumenta Simões.
E Araújo completa:
“Cálculos feitos na década de 1970 – depois confirmados por simulações
computacionais – mostram que a maioria dos elétrons acelerados em explosões
solares não consegue atravessar a cromosfera solar, chegando até a fotosfera.
Assim, o modelo de corpo negro para explicar a produção da luz branca em
explosões solares é incompatível com o principal processo de transporte de
energia aceito para explosões solares”.
Os pesquisadores
lamentam que o modelo de radiação por recombinação de hidrogênio, mais
consistente do ponto de vista físico, ainda não possa ser confirmado por meio
de observações. Seu artigo fornece, de qualquer forma, um reforço para o uso
desse modelo, que tem sido negligenciado na maior parte dos estudos.
O artigo Hydrogen
recombination continuum as the radiative model for stellar optical flares pode
ser acessado em: https://academic.oup.com/mnras/article/528/2/2562/7571558.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/cientistas-estudam-a-causa-dos-altos-patamares-de-energia-das-superexplosoes-estelares/51648
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