As mudanças climáticas poderão transformar a vegetação da Caatinga, tornando-a mais esparsa e rasteira até 2060 (foto: Giancarlo Zorzin) |
Pesquisadores das
universidades Estadual de Campinas (Unicamp), Federal da Paraíba (UFPB),
Federal de Pernambuco (UFPE), Federal de Viçosa (UFV) e do Instituto Federal
Goiano (IFG) se debruçaram sobre dados de coleções científicas, herbários e da
literatura para compilar um banco de dados inédito, com mais de 400 mil
registros de ocorrência de cerca de 3 mil espécies de plantas do bioma. Além da
distribuição geográfica, foram agregadas informações sobre a forma de
crescimento das espécies de plantas (gramíneas, herbáceas, vegetação arbustiva,
plantas arbóreas ou suculentas), clima e solo onde ocorrem. Também foi
calculada a proporção de espécies arbóreas em cada localidade versus a de não arbóreas.
Por meio de modelos avaliados e
validados, com diferentes tipos de algoritmos estatísticos e inteligência
artificial, foram feitas mais de um milhão de projeções com as possíveis
respostas das espécies da Caatinga às mudanças climáticas do futuro.
“Baseamos nossas
previsões no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC), de 2021, que contém simulações sobre o clima no planeta”,
explica Mario Ribeiro de Moura,
pesquisador da Unicamp e autor do trabalho. “Mas vale lembrar que não sabemos
como a humanidade vai se comportar daqui pra frente, por isso consideramos dois
cenários: no otimista, surgirão tecnologias capazes de reduzir as emissões de
gases de efeito estufa e viabilizar o Acordo de Paris [que prevê limitar o
aumento da temperatura média global até 1,5 °C acima dos níveis
pré-industriais]; já no pessimista, as taxas de desmatamento, o uso de
combustíveis fósseis e o crescimento populacional se manterão elevados, sem que
se avance em inovação.”
Os resultados do
estudo, financiado pela FAPESP por meio de dois projetos (22/12231-6 e 21/11840-6),
indicam que 99% das comunidades de plantas da Caatinga experimentarão perda de
espécies até 2060. O clima do futuro na região deve ser ainda mais quente e
seco, tornando-se mais difícil e impactante para as árvores, que devem ser substituídas
por vegetação de baixo porte, especialmente gramíneas, por sua facilidade de se
expandir e crescer. Como consequência, serão afetados também os serviços
ecossistêmicos que a vegetação fornece para as populações, como fotossíntese,
renovação do ar e armazenamento de carbono – os famosos estoques de carbono
acontecem na forma de biomassa vegetal, acumulada nos troncos, raízes e
folhas, que naturalmente é maior nas árvores.
Esses eventos serão mais visíveis em
áreas montanhosas, como a Chapada Diamantina e a Chapada do Araripe,
respectivamente no sul e no centro-norte do bioma. A explicação é simples:
conforme o clima esquenta, espécies das baixadas se deslocam na montanha para
continuar habitando uma região climaticamente mais satisfatória. Já as das porções
mais altas acabam extintas. “Para o bioma inteiro, previmos, no cenário
otimista, 50 espécies de plantas extintas e, no pessimista, 250”, diz Moura.
“Ambos são muito ruins.”
Com tudo isso, 40% da região sofrerá
uma simplificação de sua composição, com perda de espécies raras. “É como se
pegássemos a paisagem e batêssemos num liquidificador para homogeneizar tudo.”
Projetos de
mitigação
Com esses dados em mãos, a ideia dos
pesquisadores é que a interlocução entre diferentes níveis de governo passe a considerar
planejamentos de conservação em macroescala, com visão de longo prazo. Criar
esse tipo de estratégia é importante tanto para mitigar os efeitos das mudanças
climáticas quanto para cessar outros tipos de impacto de origem humana,
como desmatamento, destruição de hábitats e degradação e exposição do solo.
“Projetos que recuperem a
conectividade da paisagem em áreas sujeitas a impactos por mudanças climáticas,
por exemplo, aumentam as chances de as espécies que ali vivem conseguirem se
dispersar ao longo do tempo para regiões mais adequadas, seja por meio de
animais ou pelo vento”, diz Moura. “Por outro lado, se impactamos demais a
biodiversidade da região, por degradação e desmatamento da vegetação natural,
uso generalizado de agrotóxicos ou caça, comprometemos ainda mais os recursos
que temos daqui pra frente.”
O artigo Pervasive impacts of climate change on the woodiness and
ecological generalism of dry forest plant assemblages pode ser
lido em: https://besjournals.onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1365-2745.14139.
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/ate-2060-40-da-biodiversidade-da-caatinga-pode-ser-afetada-pela-mudanca-climatica/41840/
Nenhum comentário:
Postar um comentário