Março é o mês escolhido para a conscientização sobre endometriose, doença benigna que compromete a qualidade de vida de cerca de 8 milhões de brasileiras, seja por causa das cólicas intensas, da infertilidade e da busca extenuante por tratamentos muitas vezes ineficazes e inadequados. Os custos para a saúde pública e suplementar são altos e, embora, a endometriose seja considerada um problema de saúde pública pela Organização Mundial de Saúde (OMS), permanece ignorada e com poucos investimentos em pesquisas para melhorar seu diagnóstico e tratamento.
A endometriose é benigna e afeta até 10% das
mulheres em idade reprodutiva. Se manifesta principalmente por dor pélvica e
dificuldade para engravidar. A doença caracteriza-se pela presença do tecido
que reveste o útero (endométrio) na pelve feminina, mas que pode afetar outros
órgãos, como o intestino, e até os pulmões. Acredita-se que múltiplos elementos
se combinem para gerar a doença, havendo interação de fatores mecânicos,
genéticos, imunológicos, endócrinos e ambientais. Embora muitos acreditem que
seja uma doença da mulher moderna, a endometriose foi descrita pela primeira
vez em 1860 e até hoje apresenta desafios para os médicos e pesquisadores mundo
afora.
Apesar de ser comum às mulheres, seu diagnóstico é
dificultado pela grande variedade na apresentação clínica: enquanto algumas
mulheres não apresentam sintomas, outras podem apresentar sinais que trazem
impacto significativo à qualidade de vida. Os principais são cólica menstrual,
dor durante relação sexual, alteração do hábito intestinal no período menstrual
e sangramento nas fezes e urina. É importante lembrar que outras causas de dor
pélvica podem estar presentes na vida da mulher, como alterações intestinais,
ortopédicas e urinárias, que devem ser identificadas e tratadas.
A infertilidade também é uma condição associada à
endometriose, embora nem toda mulher com endometriose enfrente este tipo de
problema. Entre as inférteis, entretanto, até 50% podem ter endometriose.
Nestes casos, a avaliação do casal é fundamental e as opções de tratamento para
quem sonha em ter filhos incluem o uso de técnicas de reprodução assistida,
como a fertilização in vitro (FIV) conhecida como “bebê de proveta”.
A maior dificuldade no diagnóstico de endometriose
é a presença de sintomas pouco específicos, como cólicas menstruais e dor
durante as relações sexuais, além de infertilidade. Portanto, muitas vezes esse
diagnóstico é demorado, podendo levar de cinco a 12 anos até o início do
tratamento, prolongando a incerteza da mulher. Outro fator que atrasa
sobremaneira o diagnóstico e tratamento adequados é a “normalização da dor”.
Infelizmente, a queixa de cólicas menstruais é muitas vezes minimizada ou
ignorada por profissionais de saúde, família e amigos, segundo o relato de
várias mulheres, em vários países.
Diante dos sintomas, principalmente de cólicas e
dores que comprometem as atividades habituais, a mulher deve procurar sua (seu)
ginecologista, que por meio da avaliação direcionada e exame físico poderá
suspeitar da presença de endometriose e prosseguir com a realização de
exames de imagem, como a ultrassonografia e a ressonância magnética, ficando
a videolaparoscopia com biópsia dos focos reservada para casos
específicos. Esses exames, entretanto, devem ser realizados por profissionais
com experiência nesse diagnóstico.
Há várias opções de tratamento disponíveis tanto
para a dor como para a infertilidade. A abordagem deve ser individualizada,
levando-se em conta a idade da mulher e sua reserva ovariana, assim como há
quanto tempo está tentando engravidar, além da existência de outros cofatores
(infertilidade masculina ou tratamentos anteriores). Para a dor, o tratamento
envolve múltiplas medidas. Além da suspensão da menstruação, que pode ser realizada
de forma segura e eficaz, com várias opções hormonais disponíveis no mercado, é
preciso incluir atividade física, dieta e tratamentos alternativos, como a
acupuntura. Cirurgias radicais com remoção do útero e ovários são indicadas em
casos específicos nos quais as outras modalidades de tratamento falharam.
A triste realidade é que a endometriose continua
sendo uma doença heterogênea para a qual não há cura disponível. As diretrizes
atuais recomendam que mulheres com endometriose sejam tratadas por equipes
multidisciplinares para obter os melhores resultados com foco em melhorar a
qualidade de vida daquela mulher, mas, infelizmente, nem todas têm acesso a
esse atendimento. Há um longo e sinuoso caminho até que os melhores atendimento
e tratamento possíveis estejam disponíveis para todas as pacientes com
endometriose. Lamentavelmente, doenças benignas que afetam mulheres recebem
pouco investimento e podem levar anos até que um medicamento que trate a dor e
a infertilidade de forma eficaz, ao mesmo tempo em que previne a recorrência da
doença, esteja pronto para uso clínico.
Enquanto isso, o que podemos fazer por essas
meninas e mulheres com endometriose? Em primeiro lugar, acreditar que a dor é
real e parar de achar que as cólicas menstruais são “coisa de mulher” e
“normais”. Em seguida, além de acolher a mulher com dor ou dificuldade para
engravidar em casa, no trabalho e na família, ajudá-la a buscar atendimento
adequado. Converse com o médico da sua confiança. Pergunte sobre as opções disponíveis
e discuta dúvidas e medos, bem como eduque os familiares sobre o assunto.
Busque fontes de informação confiáveis como as oferecidas por sociedades
médicas como a Sociedade Brasileira de Endometriose (@sbendometriose) e a
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (https://www.febrasgo.org.br/pt/).
Por fim, tenha cuidado com “curas milagrosas” e lembre-se que a doença é
benigna, mas traz um sofrimento profundo que afeta intensamente o curso de vida
dessas mulheres. Se no Brasil há cerca de 8 milhões de mulheres com
endometriose, é provável que perto de você haja alguém precisando de ajuda.
Márcia Mendonça Carneiro -
professora Titular do Departamento de Ginecologia- Faculdade de Medicina da UFMG
e diretora científica da Clínica Origen BH
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