As escolas, assim como os hospitais, foram os lugares que viveram e ainda convivem com os impactos da Covid 19. Lógico que, de uma forma mais visível, os hospitais cuidaram dos “pacientes diretos”, viram a doença de perto, mas, nós, que estamos nos ambientes escolares, como evidenciamos diariamente esses impactos?
Muitas
são as evidências e algumas escandalosamente visíveis, como o despreparo da
Educação como um todo, pública e privada, para o ensino remoto. Foi uma
loucura! Encontrar o tempo de tela adequado para atrair as crianças pequenas e
a criar estratégias de engajamento, tanto para crianças quanto para
adolescentes, foi um desafio;
O
que se viu foram câmeras fechadas, famílias sem estrutura tecnológica, crianças
sem equipamentos, dificuldade de acesso à internet, famílias com mais de dois
filhos com aulas ao mesmo tempo e um único aparelho para todos e pais usando o
mesmo computador para trabalhar. Além disso, muitas famílias não tinham
estrutura física e nem psicológica para apoiar seus filhos nos momentos de
“aula virtual”.
Eu
poderia continuar enumerando a enorme complexidade que foi montar uma estrutura
para uma forma de aprendizagem totalmente não considerada até mesmo pelos
melhores futurólogos de plantão. E lógico que o resultado não poderia ser
diferente, pesquisam apontam um déficit de 11 anos para recuperarmos a
aprendizagem cognitiva, considerando apenas o conteúdo programático!
Mas
a pandemia trouxe a pauta da saúde mental, do bem-estar, do burnout e desvelou
e acentuou a discrepância entre o poder de ação entre a educação pública e
privada. Ficou explicito que muitas crianças e jovens da rede pública vão para
escola para se alimentar e que o aprender é um complemento e não a causa
prioritária.
A
volta para as escolas foi uma luta, e aconteceu entre trancos e barrancos, umas
com estruturas até carnavalescas e outras com água, sabão e olha lá ...
Mas
foi nesta volta que as evidências começaram a aparecer porque, tanto as escolas
públicas como privadas, pensaram equivocadamente. Voltamos e vamos continuar de
onde paramos, só que não consideraram que tivemos um “gap” de 2 anos!!!!
Muitas
crianças foram “alfabetizadas”, jovens se formaram no EM, outros adolesceram em
plena pandemia fora da escola que é o segundo núcleo social da criança e do
jovem e, sendo assim, um ambiente de modelagem de comportamento
pró-social! E agora?
Nesse
momento é importante avaliar o que realmente colhemos? Crianças abaixo do peso,
que cresceram menos, com menor mobilidade corporal, com menor tolerância, com
sexualidade mais aflorada por acesso a conteúdos adultos (pornografia) via
tecnologia sem supervisão, maior obesidade, crises de ansiedade e depressão em
diferentes faixas etárias e dependência de eletrônicos (vício em jogos e
aplicativos). Elas também desaprenderam a pegar corretamente no lápis e caneta
para escrever e a usar o espaço do caderno. Também houve maior irritabilidade
frente a limites e regras e menor controle das emoções diante de desafios e
provocações, enfim, uma lista que só cresce se efetivamente colocarmos uma lupa
no cotidiano de muitas escolas públicas e privadas.
Mas
o que vimos foi o mesmo despreparo para o retorno que tivemos para a “parada”.
Achamos que seriam semanas e foram anos e agora ingenuamente consideramos que a
volta seria simplesmente um “retornar” e foi mais um, ou melhor, está sendo um
tsunami e precisamos nos posicionar publicamente.
Dizer
que o “rei está nú!” E como falar para uma sociedade que seus filhos precisam
ser cuidados emocionalmente antes de retomarem a tabuada? Como dizer que
precisamos colocá-los para correr e reaprender a cair e não aprisionar seus
corpos nas carteiras para tirar o gap da aprendizagem cognitiva, afinal, a
compreensão de sucesso de um filho é o seu desempenho acadêmico e não seu
bem-estar.
E
assim, começamos a presenciar as tentativas silenciosas de suicídios de jovens,
os destemperos emocionais de uma criança quando pedíamos para guardar o celular
ou o computador, as inúmeras quedas que acabavam nos prontos socorros, com
braços, pernas e corpos quebrados pela não dimensão e pouca habilidade e
reconhecimento do potencial de seus corpos, principalmente crianças pequenas.
Então,
a pauta saúde mental estar virou manchete, principalmente quando se constatou
que os professores estavam adoecendo e se afastando e que as escolas estavam
fazendo malabarismos para permanecerem abertas mesmo sem estrutura de
atendimento.
Agora
imaginem os gestores escolares administrando este caos, assim como os hospitais
administraram, em um comparativo considerando as dimensões distintas da mesma
pauta - a Covid 19!
E
ainda olhando para 2022 que está acabando, ele foi e será lembrado pelo ano
que, mesmo sem querer,- porque não foi uma decisão intencional - foi
oficializado o currículo oculto, ou seja, as softs skills, conhecidas como
competências socioemocionais, ganharam mais espaço, viraram pesquisa e muitas
editoras, surfando nessa onda, criaram materiais didáticos para não perderem a
oportunidade. A BNCC previa, mas foi a pandemia que efetivou.
Triste,
mas fato! O “novo normal” é o nome que deram - penso que foi criado para
parecer mais familiar e menos assustador -, mas o fato é que o que estamos
vivendo não é o “novo normal”, mas sim uma chance de olharmos para nós e para
tudo com mais generosidade, humildade e menos apego. 2022, foi um ano para
reapreender a viver em sociedade.
Esta
reflexão não tem uma intenção alarmista, pessimista, muito pelo contrário, ela
propõe uma breve retomada, porém consciente e analítica deste ano difícil e
muito desafiador mas que finaliza com uma provocação porque temos a
oportunidade de rever as escolhas educativas, torná-las mais conectadas para
uma educação para a vida, mais prática e menos teórica.
Precisamos
dar o senso de urgência em questões como ética, integridade, princípios e
buscar nestas novas gerações experiências de uma vida com propósito, e o
propósito não pode ser viver uma vida olhando e desejando o verde do quintal do
vizinho, mas buscar cultivar muitos quintais coletivamente para que todos
possamos, enquanto sociedade, trazer a equidade como pauta para 2023, que tal?
Ser
cultivarmos ambientes mais equitativos para estas gerações, quem sabe as
colheitas serão melhores!
Cláudia Siqueira - historiadora e
pedagoga, fez magistério com especialização em gestão escolar. É pós-graduada
em "Aperfeiçoamento de Docentes de Ensino Fundamental" pela PUC e em
"Pedagogia de Projetos e Tecnologias Educacionais" pela USP. Tem como
foco de pesquisa e estudo "Inovação em Educação". Fez especialização
em Primeira Infância em Harvard. É aluna Alumni da Fundação Maria Cecilia Souto
Vidigal, participando do grupo de estudos de Primeira Infância pela Fundação.
Foi aluna do programa de formação docente (ISTEP) da Universidade de Stanford
e, desde 2016, visita com frequência a Universidade para se aprofundar nos
conceitos de EpE (Ensino para Equidade) e Mentalidades Matemáticas. É autora de
livros (“Autoestima e Esporte” / “Beleza na Escola? Uma relação mais consciente
e positiva com sua autoimagem” /etc.), palestrante e consultora na área de
educação. Atualmente é Gestora Pedagógica do Colégio Sidarta e Gestora Geral do
Instituto Sidarta (www.sidarta.org.br).
@claudiasiqueira
Instagram: claudiasiqueira_edu
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