A notícia da morte da rainha Elizabeth neste dia nos leva a pergunta, como lidar com as crianças quando precisamos ter conversas difíceis?
As conversas difíceis são proporcionais ao quanto
aquele assunto é vivido por nós internamente. Ou seja, só é difícil aquilo que
não estamos acostumados a conversar nem com nós mesmos.
O tema das perdas e finitude ganharam relevância
desde 2020, quando diariamente o assunto era pauta dentro das casas e em todo
planeta. Mas será que estamos mesmo sabendo falar sobre isso?
Em especial na infância, a morte é vivida de forma
muito natural pelas crianças, elas conseguem ver uma borboleta morta e enxergam
apenas o que ele é de fato, um corpo sem vida. É o adulto que dá o tom sobre o
peso da morte de acordo com os valores que regeram sua vida sobre o tema.
É preciso lembrar que a informação não vem apenas
da nossa fala com as crianças, está nos gestos, expressão, comportamentos e
crenças que regem a cultura familiar desde gerações anteriores. As emoções
presentes no ambiente estão informando, o tempo todo, e este é o maior problema
que os pais encontram na comunicação. Querem falar algo, mas sentem o oposto.
Especialmente no primeiro setênio, por uma questão
de desenvolvimento físico (pela imaturidade cognitiva) e anímico (emocional), a
criança está muito mais ligada ao que vive como sensação, as palavras são
ouvidas, mas os significados ainda estão sendo construídos. Daí muitos
pais chegam com temas desafiadores, como falar da morte, e querem respostas
prontas sobre como falar com a criança.
O aconselhamento que dou nesses casos é, comunique
apenas o que é verdade, porque você querendo ou não, a criança está lendo o que
se passa na sua parte mais escondida. Alguns pais se sentem nus neste momento
e, é mais ou menos assim mesmo.
O expoente autor Daniel J, Siegel, junto com
MaryHartzell em seu livro Parenting from Inside Out (Daniel J.
Siegel e MaryHartzell trouxeram uma explicação detalhada sobre a questão da
comunicação entre hemisférios direito e esquerdo do cérebro e sua relação com a
questão da comunicação. Segundo eles, quando os sinais verbais e não
verbais vindos dos pais são congruentes, a comunicação faz sentido. Do
contrário, quando sinais verbais e não verbais são incongruentes, a mensagem se
torna confusa.
Do ponto de vista da Parentalidade Essencial,
falamos que a criança é capaz de perceber o não dito e sua experiência lhe
informa que há uma mensagem sem sentido, causando angústia e ansiedade em seu
interior pois não sabe o que processar.
Uma mãe veio a mim, pois o avô querido que estava
doente há alguns dias acabara de falecer e precisaria contar ao filho assim que
acordasse no dia seguinte. Ela estava visivelmente angustiada, acabara de
perder seu pai. Disse que ao invés de ter ânsia em contar, antes de dormir
tivesse uma conversa mental com o menino, sem mentir, dizendo como se sentia,
falasse da sua dor e pontuasse, igualmente, o que queria manter vivo do pai
dentro de si. Ela me contou que chorou muito ao fazer o exercício e que sozinha
pôde extravasar.
Na semana seguinte me contou que o menino acordou
naquela manhã e a primeira coisa que fez foi perguntar do avô. Essa foi a deixa
para que ela acessasse a conversa imaginária que teve na noite anterior, mas
agora, estava mais organizada e pôde falar a verdade de um lugar de serenidade,
mas sem esconder a dor.
É desta forma que sugiro aos pais tratarem de temas
difíceis, que primeiro cuidem de si, antes de levar o filho ao terapeuta, vá
primeiro você, para ser escutado e acolhido. Quem não pode contar com
especialista, uma simples conversa com um amigo, onde possamos falar sem parar
em um monólogo, tem o poder de organizar nossos pensamentos, ao ouvir nossas
próprias palavras, a consciência também se organiza. Para isso, aconselho um
amigo que tenha o dom da escuta ativa e não um que acrescente ainda mais suas
angústias sobre o tema.
Lembre-se as crianças vão assimilar o que você tem
a oferecer, se dentro de você mora medos, incertezas sobre o tema, é isso que
você vai comunicar. Mais uma vez, o caminho é ser honesto consigo e dizer que
sente medos, por exemplo. Mas mostre que apesar do medo, vai seguir em frente e
buscar formas de fazer aquele que partiu permanecer vivo dentro de si.
Construir com a criança significados novos é também
um exercício muito valioso, ouvi-los sobre sugestões de manter a memória do
ente querido viva na família pode construir novas narrativas inclusive para os
pais.
Permita-se escutar o que eles acreditam, o que
imaginam, como gostariam de homenagear quem partiu. Ir a um enterro,
normalmente, não é algo que represente uma homenagem, como para nós. Talvez não
faça sentido para uma criança pequena, já para outras maiores, isso pode ser
importante ou não. Muitos querem manter a imagem viva da pessoa em sua mente
para alimentar seu coração. Esta também é uma oportunidade de falar como é uma
homenagem a quem parte em outras culturas e abrir a mente para outras
realidades.
Quando penso na dificuldade de os pais lidarem com
o tema lembro de uma cliente, no alto de seus setenta anos, relatou que o
enterro do padrinho que amava foi na sala de sua casa e que sua maior tristeza
naquela época era porque o caixão estava na sala e ficaram impedidos de ver a
TV naqueles dias. O que hoje soa um tabu já foi muito natural e talvez
estejamos mistificando demais a coisa mais concreta e a maior certeza da nossa
vida humana.
O corpo físico tem um fim e até que acreditemos que
a esfera material é a única que nos compõe, viveremos em sofrimento a cada vez
que alguém perde sua camada visível. Quando podemos conceber que somos feitos
mais do que um corpo físico e que a morte é uma passagem de um estado de
consciência a outro, esse tema ganha outro peso...bom, mas isso é tema para
outra conversa.
Camila
Capel - Estuda sobre o
desenvolvimento e as emoções de crianças e adultos, escreve textos que falam
sobre infância, sobre ser mãe, sobre família, sobre cuidar, sobre saúde do
corpo e da alma, sobre a morte, sobre a vida e sobre tudo o que faz parte dela.
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