Segunda espécie em produção no Brasil, atrás apenas da tilápia, peixe amazônico tem carne apreciada e alto rendimento. Mas para conquistar o mundo é preciso investimento em pesquisas voltadas ao melhoramento da espécie, afirmam pesquisadores da Universidade de Mogi das Cruzes (foto: Wikimedia Commons)
Um peixe com grande produção de
filhotes, altas taxas de crescimento, dieta majoritariamente vegetariana,
resistência a baixas quantidades de oxigênio na água e com demanda no mercado é
o sonho de qualquer piscicultor.
Sem que houvesse grandes investimentos
em inovação e melhoramento genético, o tambaqui (Colossoma macropomum)
reuniu essas características e alcançou uma produção anual de 100 mil toneladas
no Brasil, atrás apenas da tilápia, com cerca de 500 mil toneladas.
A diferença é que a espécie africana
foi alvo de um grande programa de melhoramento a partir dos anos 1980, na Ásia.
A variedade melhorada – conhecida como GIFT (sigla em inglês para tilápia de
criação geneticamente melhorada) – é produzida hoje em 14 países, incluindo o
Brasil, que tem ainda uma cadeia de empresas dedicadas à pesquisa e
desenvolvimento de produtos voltados a esse mercado.
Por conta de suas características
naturais, o tambaqui, peixe nativo dos rios amazônicos, é apontado por
pesquisadores como dono de um potencial no mercado não apenas nacional, como
global, podendo se tornar uma verdadeira commodity brasileira.
No entanto, faltam investimentos em inovação, apontam pesquisadores em artigo publicado na revista Reviews
in Aquaculture.
“Um peixe amazônico, com dieta 75%
vegetariana e manejo muito fácil, tem um enorme potencial como produto
sustentável, num momento em que a aquicultura está sob ataque por conta dos
impactos no meio ambiente causados, por exemplo, pela cultura do salmão,
primeiro peixe a se tornar uma commodity internacional”,
conta Alexandre Hilsdorf, professor e pesquisador
do Núcleo Integrado de Biotecnologia da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC),
primeiro autor do estudo.
O trabalho reúne o conhecimento mais
recente sobre diversos aspectos da cultura do tambaqui, desde a história da
produção no Brasil – as primeiras tentativas de domesticação datam ainda dos
anos 1930 –, passando pelos sistemas de produção, genética, nutrição, doenças,
até os métodos de processamento.
Melhoramento genético
Parte da produção científica sobre o
peixe nos últimos anos foi apoiada pela FAPESP, que financiou pesquisas de
alguns dos autores do trabalho, como o próprio Hilsdorf, coordenador do projeto
“Estudo integrado de genética quantitativa e genômica para
caraterísticas de interesse zootécnico em tambaquis (Colossoma macropomum)”.
O pesquisador foi um dos responsáveis
pelo sequenciamento e pela análise do genoma da espécie, publicado em setembro de 2021. Hilsdorf
coordenou ainda estudo que
caracterizou tambaquis sem espinhas intermusculares – aquelas em forma de “Y”
que ocorrem dentro da carne de algumas espécies. Outro trabalho identificou genes possivelmente
associados à ausência dessas espinhas no tambaqui (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/o-genoma-do-tambaqui/).
Em trabalho anterior, seu grupo estimou
parâmetros genéticos de várias características do tambaqui, como os que
determinam a área do lombo, um dos cortes mais apreciados pelos consumidores.
Reunidos, os trabalhos estabelecem parâmetros científicos para o desenvolvimento
de variedades genéticas melhoradas para o mercado.
“O lombo suíno, por exemplo, foi alvo
de melhoramento genético. As raças de porco que temos hoje no Brasil foram
selecionadas de forma a terem a capa de gordura reduzida e a área de lombo
aumentada. O melhoramento pode fazer com que os cortes de tambaqui chamados de
lombo, banda e costela resultem em produtos ainda melhores que os atuais”,
explica o pesquisador.
Manaus é o principal mercado consumidor
de tambaqui. Enquanto nos anos 1970 a cidade dependia quase totalmente da pesca
para suprir a demanda pelo peixe, hoje tem nos piscicultores de Estados
vizinhos – Acre, Rondônia e Roraima – seus principais fornecedores.
Nos restaurantes manauaras, o peixe,
que retirado da natureza chega facilmente a dez quilos, foi substituído pelos
juvenis criados em cativeiro, com dois a três quilos. “Os donos de restaurante
preferem este último, pois é um produto mais padronizado”, diz Hilsdorf.
Paradoxalmente, as características que
fazem do animal tão vantajoso para criação em cativeiro acabam afastando
investimentos em melhoramento. As matrizes, peixes que servem como
reprodutores, ainda hoje são adquiridas de outros piscicultores ou mesmo
capturadas na natureza.
A grande produção de alevinos
(filhotes) e o crescimento rápido em relação a outras espécies (pode chegar a
dois quilos em um ano), além da resistência a ambientes com pouco oxigênio,
fazem com que os produtores não invistam em melhoramento.
“Não investir porque a espécie já tem
um bom desempenho é um raciocínio errôneo. Se o peixe chega a dois quilos em um
ano, com melhoramento poderia chegar a esse peso em nove meses, por exemplo. O
produtor que investir nisso vai começar a vender alevinos ou matrizes para os
vizinhos e estará à frente no mercado. É um investimento de longo prazo, de
risco, mas a história mostra que há retorno”, opina o pesquisador.
O peixe vive em uma faixa de
temperatura entre 25o C e 34o C, o que mantém a cultura praticamente restrita
ao norte do Brasil. O desenvolvimento de variedades resistentes a temperaturas
mais baixas, por exemplo, poderia viabilizar a cultura no resto do país.
Em vez disso, a solução encontrada foi
o desenvolvimento de híbridos com espécies que vivem mais ao sul do Equador,
como o pacu (Piaractus mesopotamicus), cujo cruzamento resulta no
tambacu, e a pirapitinga (Piaractus brachypomus), que originou a
tambatinga.
“Temos recursos genéticos suficientes
para desenvolver variedades com diferentes perfis de tolerância a frio, a baixo
oxigênio na água, a doenças, sem espinhas, com maior produção de filhotes e de
carne, entre outros. Não necessitamos da produção de híbridos, que são um risco
para a manutenção da integridade dos recursos genéticos selvagens devido aos
escapes de pisciculturas. Os produtores necessitam ir além, com a busca de
produtos geneticamente superiores para o estabelecimento de uma piscicultura
economicamente e ecologicamente sustentável. É isso que o mercado no mundo todo
exige atualmente”, encerra o pesquisador.
O artigo The farming and
husbandry of Colossoma macropomum: From Amazonian waters to
sustainable production pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/raq.12638.
André Julião
Agência FAPESP
https://agencia.fapesp.br/tambaqui-pode-virar-icommodity-i-brasileira-no-mercado-global-de-pescado-aponta-estudo/37902/
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