De que se revestem os relacionamentos entre os seres vivos e os mais diversos arranjos familiares senão de afeto?
Há poucos dias uma notícia oriunda da Espanha vem ganhando
destaque nas mídias sociais: o país promulgou uma nova lei que regulamenta como
se dará a guarda dos animais de estimação em casos de divórcio litigioso
(aquele divórcio onde não há consenso entre os envolvidos).
A legislação espanhola, avançada no tema (assim como França,
Alemanha, Suíça), definiu que os pets não seres vivos dotados de sensibilidade
e que, por isso, não podem e não devem ser tratados como objetos, como coisas.
Visando, então, o bem estar do animal, a Espanha decidiu
regulamentar a guarda compartilhada dos pets em casos de divórcio, com exceção
dos casos em que um dos tutores possuir antecedentes criminais de maus tratos
em animais, caso este em que a guarda não lhe será concedida.
Apesar de não ser uma norma, o afeto tem ganhado cada vez
mais destaque nas ações que envolvem o Direito das Famílias e sendo cada vez
mais protagonista nas decisões judiciais pelo mundo afora.
No Brasil, é bem verdade que, em se tratando dos pets, não
há uma legislação específica de como eles devem ser tratados, mas isso não é
motivo suficiente para que o Direito fique alheio a uma situação de fato,
especialmente quando bem sabemos que os animais de estimação estão cada vez
mais inseridos no seio familiar, como membros efetivos.
Por muito tempo, os animais de estimação eram tidos como
"coisa" até que o projeto de lei nº 27/2018, de autoria do Deputado
Federal Ricardo Izar (PSD/SP), buscou tratar de forma diferenciada acerca da
natureza jurídica dos animais não humanos, determinando que estes possuem
natureza jurídica sui generis (peculiar, sem semelhança com outro) e que sejam
sujeitos de direitos despersonificados, devendo gozar e obter tutela
jurisdicional em caso de violação, sendo, portanto, vedado o tratamento como
coisa.
Graças à festejada extensão do conceito de família, o
vínculo afetivo entre humanos e seus animais de estimação mereciam, de fato, um
olhar atento e mais direcionado, protegendo a ambos e privilegiando o
sentimento afetivo existente entre eles. Para esse fenômeno, surgiu a
denominação de família multiespécie.
Como decidem os tribunais?
Na prática, é possível facilmente perceber que o judiciário
tem sido cada vez mais provocado quando o assunto é animal de estimação e busca
lançar um olhar mais atento e sensível para essas demandas.
O Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, por
meio do Enunciado de nº 11, dispõe que “na ação destinada a dissolver o
casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custódia compartilhada
do animal de estimação do casal”.
É claro que em divórcios consensuais a guarda do animal de
estimação pode ser definida entre o casal, de forma que atenda os interesses de
ambos, zelando, é claro, pelo bem estar do bichinho.
Em casos litigiosos, isto é, quando não houver consenso
entre o casal, muitos fatores serão levados em consideração e nunca de forma
isolada: registro de propriedade do animal, demonstração de apego e afeto,
disponibilidade financeira e afetiva, tempo, etc.
Na grande maioria dos casos, o que vemos é de fato a
implementação da guarda compartilhada dos animais de estimação, de forma que os
dois tutores serão igualmente responsáveis pelo animal e também na divisão das
despesas de custos com alimentação, remédios, transportes, cabendo aqui o
direito de visita ou mesmo a alternância de casa caso assim represente o maior
conforto dos pets.
Ainda não existe nenhuma legislação específica sobre o
assunto. No entanto, existe um Projeto de Lei do Senado, nº 542 de 2018 em
tramitação, o qual dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais de
estimação nos casos de dissolução do casamento ou da união estável,
estabelecendo o compartilhamento da custódia de animal de estimação de
propriedade em comum, quando não houver acordo na dissolução do casamento ou da
união estável.
Também em tramitação um Projeto de Lei na Câmara dos
Deputados, nº 7.196/10 que dispõe sobre a guarda dos animais de estimação
nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus
possuidores, e dá outras providências.
O judiciário, a despeito da lacuna legislativa, têm se posicionado bastante firme em suas decisões, no sentido de que os animais de estimação são definitivamente integrantes do núcleo familiar e que, portanto, merecem toda a cautela na hora de definição da guarda.
Há quem lamente a substituição dos animais de estimação
pelos filhos nos lares atualmente (não é mesmo Papa Francisco?), mas a verdade
é que não se substitui um amor por outro, são complementares e únicos, mas só
quem tem um companheiro de quatro patas é capaz de falar desse amor tão
genuíno.
Carolini Cigolini Lando - Advogada de Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo. Associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Membro da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP
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