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quinta-feira, 15 de julho de 2021

Médico responde às principais dúvidas sobre os riscos de infecções fúngicas em pacientes internados em UTIs

As internações hospitalares sempre são motivo de atenção para pacientes, médicos e familiares. Com a chegada da Covid-19, o assunto está cada vez mais em evidência, e novas preocupações começaram a surgir, como é o caso das infecções hospitalares, geralmente causadas por vírus, bactérias e fungos. As infecções causadas por fungos podem acometer principalmente os pacientes internados por tempo prolongado e com sistema imunológico debilitado. Nessas situações um diagnóstico tardio ou até mesmo a falta dele, chegam a levar muitos pacientes ao óbito.

O médico especialista Marcello Mihailenko Chaves Magri, infectologista do Hospital das Clínicas da FMUSP, responde às principais dúvidas sobre o assunto, confira:


Quais as principais infecções que podem ser adquiridas durante uma internação hospitalar?

R: Vários microrganismos podem ser transmitidos dentro do ambiente hospitalar, entre os quais, destacam-se as bactérias e os fungos. As infecções bacterianas e as fúngicas podem apresentar altas taxas de morbidade e mortalidade. Outro aspecto que merece destaque é que, muitas vezes, esses microrganismos podem apresentar diferentes padrões de sensibilidade aos antimicrobianos.



O que são infecções fúngicas?

R: Os fungos são organismos eucarióticos, unicelulares ou multicelulares que pertencem ao Reino Fungi. Se apresentam nas formas de leveduras, bolores ou ainda podem ser dimórficos (bolores na temperatura ambiente ou leveduras dentro do ser humano). Podem causar vários tipos de infecções nos seres humanos, desde infecções superficiais (unhas, pele, cabelos e etc…) até infecções invasivas, disseminadas.


Quais são as principais infecções fúngicas invasivas hospitalares e aquelas que acometem pacientes imunodeprimidos?

R: O principal fungo que causa infecções fúngicas invasivas hospitalares é a levedura do gênero Candida. Nos pacientes imunodeprimidos, especialmente nos pacientes neutropênicos, com câncer hematológico e transplantados de células tronco hematopiéticas, além de Candida, os fungos filamentosos (bolores) como os do gênero Aspergillus e Fusarium são responsáveis por alta taxas de letalidade. Nos pacientes com aids, em determinadas fases após o transplante de órgãos sólidos, entre as infecções fúngicas oportunistas, destacam-se a candidíase, a pneumocistose, a criptococose e a histoplasmose.

A mucormicose é uma infecção fúngica invasiva, rara, causada por fungos filamentosos que, no Brasil, acometem mais frequentemente os pacientes diabéticos descompensados.


Quais são os principais sintomas das infecções fúngicas invasivas? Quais efeitos estas infecções causam no corpo?

R: Os sinais e sintomas das infecções fúngicas invasivas dependem de fatores do hospedeiro e do fungo. Por exemplo, a criptococose, mais frequentemente causa uma meningite/meningoencefalite subaguda ou crônica com ou sem acometimento pulmonar. Pode causar febre, cefaléia, vômitos e dor na nuca. A aspergilose pulmonar invasiva pode causar febre, queda do estado geral, tosse, falta de ar, escarro com sangue e nos exames radiológicos de pulmão lesões pulmonares importantes. A mucormicose pode causar mais frequentemente uma rinossinusite grave podendo, se não diagnosticada precocemente, acometer a órbita e o cérebro. Já a candidemia, que é a infecção por fungos do gênero Cândida, no sangue se manifesta por quadros febris em pacientes internados nos hospitais, especialmente após procedimentos cirúrgicos abdominais e internação prolongada em terapia intensiva.


Qual o tipo mais grave de infecção fúngica? E o mais comum?

R: Todas as infecções fúngicas invasivas se não diagnosticadas e tratadas podem levar o paciente ao óbito. Alguns exemplos importantes são:


Candidemia: pode se apresentar com febre e evoluir para sepse e choque séptico se não tratada.

Aspergilose: é causada pelo fungo Aspergillus, presente no ar. No caso de aspergilose invasiva, apresentação mais agressiva da infecção, o fungo se espalha rapidamente pelos pulmões e, por vezes, atinge até cérebro, coração, fígado ou rins pela corrente sanguínea.

Mucormicose: também podem causar infecções agressivas nos pulmões. Entretanto, outras manifestações possíveis são infecções na face pelos seios nasais, no cérebro, nos olhos e no aparelho gastrointestinal. Em casos avançados, a doença pode ainda atingir múltiplos órgãos. Por conta disso, a mortalidade pela doença pode evoluir de 30 a 80%, dependendo da infecção e do nível de imunocomprometimento do paciente.

Neurocriptococose: é uma infecção fúngica extremamente grave especialmente nos pacientes com aids, acometendo o Sistema Nervoso Central, sangue, pulmões, pele entre outros órgãos.

Histoplasmose disseminada: essa infecção ocorre mais frequentemente nos pacientes imunodeprimidos, especialmente nos pacientes com aids. É extremamente grave e fatal nesses pacientes. Pode causar quadros clínicos muito semelhantes à tuberculose disseminada. Pode causar doenças nos pulmões, fígado, baço, pele, cérebro, medula óssea e etc.


Estas infecções costumam ser confundidas com outro tipo de diagnóstico? Quais?

R: As infecções fúngicas invasivas, dependendo do fungo e do hospedeiro, podem apresentar quadros semelhantes às infecções por bactérias, micobactérias e outros fungos, tumores ou doenças reumatológicas.



Qual é o sinal de alerta para o risco de uma infecção fúngica invasiva?

R: Existem micoses que são endêmicas em determinadas regiões, ou seja, muitas pessoas daquela região poderão se infectar, embora uma minoria desenvolve a doença. Existem vários fatores de risco que aumentam a chance de um indivíduo adquirir uma infecção fúngica invasiva. Destacam-se os pacientes imunodeprimidos e os pacientes hospitalizados, especialmente em terapia intensiva.



Como podemos evitá-las?

R: Para as infecções fúngicas invasivas adquiridas no ambiente hospitalar existem várias estratégias propostas pelas comissões de controle de infecção hospitalar para reduzir as taxas de infecção de corrente sanguínea, campanha de lavagem das mãos, pneumonia relacionada à ventilação mecânica entre outras. Algumas situações específicas em pacientes imunodeprimidos está indicada profilaxia com antifúngicos para evitar essas infecções.



Existe tratamento?

R: Os protocolos de tratamento existentes hoje compreendem medicamentos antifúngicos e até mesmo a remoção cirúrgica dos fungos, quando necessário. No caso da aspergilose, por exemplo, a terapia de primeira linha recomendada é voriconazol ou isavuconazol, porém estudos comprovam que o isavuconazol apresenta algumas vantagens farmacológicas que permitem o uso também por pacientes criticamente enfermos no ambiente de UTI com insuficiência renal e diálise. Existem situações onde os fungos podem ser resistentes ou o uso de antifúngicos prévios podem selecionar cepas resistentes. Nessas situações, a anfotericina lipossomal pode salvar o paciente com uma candidemia persistente, por exemplo, em uso de equinocandina.



O paciente com COVID-19 está mais suscetível a pegar este tipo de infecção?

R: Os pacientes com as formas moderadas e graves da COVID-19 podem evoluir com quadros inflamatórios importantes, fenômenos tromboembólicos, alterações nas barreiras mucosas do trato digestório e lesões pulmonares que levam o paciente a necessitar de oxigênio ou até ventilação mecânica e corticoide. Esses fatores podem contribuir para um aumento do risco para desenvolver essas infecções. As infecções fúngicas possuem uma incidência relevante, sobretudo, em pacientes cujo sistema imunológico perdeu a efetividade no combate a doenças, em virtude de outras condições clínicas, como é o caso de pacientes graves da Covid-19. Figuram também nessa lista pacientes com aids, transplantados, pessoas que passaram por cirurgias complexas, pacientes oncológicos submetidos a longos períodos de tratamento com quimioterapia e aqueles submetidos a várias linhas de antibioticoterapia e corticóides em ambiente de UTI.



Houve aumento de casos de infecções fúngicas após o início da pandemia de Covid-19?

R: As infecções fúngicas invasivas mais relatadas desde o início da pandemia de COVID-19 são candidíase invasiva, aspergilose e mucormicose. Desde 2020 vários países têm dado destaque a essas infecções, como, por exemplo, Aspergilose na Europa e México e mucormicose na Índia.


Recentemente, vimos notícias sobre a Mucormicose na Índia. Ele está de alguma maneira atrelado à cepa indiana da Covid-19? Existe chances desse tipo de fungo se desenvolver no Brasil também?

R: A mucormicose ganhou interesse mundial com o crescimento de casos de Covid-19 na Índia, onde cerca de 15 mil casos de mucormicose foram documentados recentemente. É uma micose invasiva envolvendo fungos filamentosos hialinos da ordem Mucorales (Rhizopus sp, Mucor sp, Rhizomucor sp, Lichtheimia sp, entre outros), que a imprensa vem denominando erroneamente como micose por "fungos negros". A princípio não há nenhuma evidência que a cepa indiana esteja relacionada aos casos de mucormicose. É Importante pontuar que não é esperado que a mucormicose aqui no Brasil assuma a mesma proporção que a observada na Índia. Antes do advento da Covid-19, a Índia já registrava altas taxas de incidência de mucormicose. O elevado número de casos de mucormicose em pacientes com Covid-19 na Índia pode estar relacionado, entre outros fatores, com a elevada incidência de diabetes na população desse país (muitos sem diagnóstico e tratamento), favorecendo o surto de mucormicose nos pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) e em uso de elevadas doses de corticóides para tratamento da Covid-19.


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