Modelo inovador poderá ser usado em pesquisas para ajudar a entender a formação de áreas geológicas atuais, como as camadas de pré-sal no Brasil (imagem: área ocupada pelo megalago Paratehys, segundo o estudo; acervo dos pesquisadores)
·
·
Pesquisa publicada este
mês na revista Scientific Reports revela a
formação e o desaparecimento, há cerca de 10 milhões de anos, do maior lago
conhecido na história da Terra: o Paratethys, localizado na Eurásia, entre os
Alpes Orientais e o atual Cazaquistão.
No
trabalho, os pesquisadores usaram um modelo paleogeográfico 3D e concluíram que
o megalago perdeu cerca de 70% de sua superfície e um terço do volume de água
pela evaporação durante quatro grandes crises hidrológicas ocorridas entre 11
milhões e 7,5 milhões de anos atrás. Essas crises levaram à formação de
hábitats completamente novos e provocaram impacto no clima, na hidrologia e na
vegetação, influenciando a evolução de espécies na região.
Os
pesquisadores acreditam que esse modelo inovador de análise da estrutura do
megalago poderá ser usado em outros trabalhos que ajudem a desvendar a formação
de áreas geológicas atuais, como as camadas de pré-sal no Brasil ou campos de
gás próximos a Israel.
De acordo com o estudo, que teve
o apoio da
FAPESP, por volta de 11,6 milhões de anos atrás o Paratethys
começou a se fragmentar e, depois de perder conexões com regiões a oeste
dos Cárpatos (cordilheira de 1.500 quilômetros), tornou-se cada vez mais
instável e suscetível aos processos de seca extrema.
Acabou se dividindo em um lago
salgado central e bacias dessalinizadas periféricas, enquanto vastas regiões
(de até 1,75 milhão de km2) tornaram-se uma
terra emergente, adequada para o desenvolvimento de paisagens de estepe
florestal. A abertura desse cinturão de estepes formou uma ponte ecológica para
a migração de espécies animais para a Europa e para a Ásia Central.
“As
dessecações [estado de secas extremas] parciais do megalago correspondem
às mudanças climáticas, alterações da teia alimentar e da paisagem em toda a
Eurásia, embora os gatilhos e mecanismos exatos ainda não tenham sido
resolvidos”, escreve o grupo.
Primeiro autor do artigo, Dan Valetin Palcu,
destaca que as crises hidrológicas detectadas no estudo foram semelhantes à
dessecação registrada atualmente no lago Aral, mas com magnitude centenas de
vezes maior. De água salgada, o Aral está localizado na Ásia Central e começou
a secar nos anos de 1960 – hoje tem apenas 10% do tamanho original, tendo
perdido uma área equivalente ao Estado de Santa Catarina.
“O Paratethys se expandiu e ocupou
uma área de 2,8 milhões de km2. Chegou a
armazenar 1,77 milhão de km3 de água
salobra. Isso representa mais de dez vezes toda a água armazenada nos lagos
modernos”, explica Palcu, que faz estágio de pós-doutorado no Instituto
Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), sob a supervisão do
professor Luigi Jovane.
"Este estudo pode se tornar uma
referência na compreensão das bacias do pré-sal como 'megalagos'. Pode ter
repercussões fundamentais para estudar, por exemplo, as bacias de Campos e
Santos, no Brasil, e outras que eram abertas para o mar", diz Jovane, em
entrevista à Agência FAPESP.
O
professor do IO-USP cita que os locais analisados na pesquisa, principalmente
durante os períodos de dessecação parcial do megalago, devem ter sido parecidos
com as bacias do pré-sal do Atlântico.
Biodiversidade
Durante as
crises climáticas registradas na região, houve o que os pesquisadores
classificam como uma "catástrofe ecológica" para a vida no local.
Parte do megalago secou e ficaram quatro grandes bacias, entre elas a central,
localizada onde hoje estão o mar Negro e o Cáspio. Com isso, parte da água doce
ficou salobra e a salinidade de algumas áreas aumentou, tornando o local
particularmente tóxico e estéril.
O impacto
disso foi a redução e a modificação da fauna endêmica, com o encolhimento da
biodiversidade – a quantidade de espécies diminuiu drasticamente ao longo dos
anos. Os pesquisadores identificaram animais marinhos, como crustáceos, baleias
e golfinhos, que chegaram a se multiplicar inicialmente, mas, forçados a se
adaptar a difíceis condições no local (salinidade e alta toxicidade), foram se
deformando e viraram exóticos.
Em alguns casos, se tornaram os
menores na história da Terra – uma das espécies mais conhecidas é
a baleia-anã, a Cetotherium riabinini,
de 3 metros de comprimento (para ter uma ideia, uma baleia jubarte mede,
em média, 15 metros e a azul ultrapassa os 25 metros). Já os corais desapareceram
do lago.
Construção do modelo
Para fazer
o estudo e a descrição do passado geológico do Paratethys, com a reconstrução
histórica do padrão da superfície da Terra, os pesquisadores analisaram o
período entre 11,6 milhões e 7,2 milhões de anos atrás.
Foram
usados dois modelos digitais de elevação (DEM, na sigla em inglês): o primeiro
para estimar a expansão máxima do megalago e o segundo, mais próximo dos
maiores episódios de dessecação parcial do Paratethys, para simular a queda do
nível da água e obter a paleogeografia parcialmente dessecada. O modelo digital
representa altitudes da superfície topográfica agregada a elementos
geográficos, como cobertura vegetal.
Essas
reconstruções foram complementadas com dados paleogeográficos de uma série de
estudos regionais do norte e oeste da Europa, dos Alpes e da Europa Central, da
região de Gibraltar, do mar Egeu, além de um mapa tectônico do Oriente Médio.
A
reconstrução da paleogeografia também exigiu a conversão de mapas para
batimetria, que é a medição da profundidade dos oceanos, lagos e rios expressa
cartograficamente por curvas que unem pontos com equidistâncias verticais, à
semelhança das curvas de nível topográfico.
Para isso,
foram adotadas estimativas de profundidade de referências usando dados atuais
do mar Negro, mar de Azov e lago Cáspio. Além dos dados geológicos e de
perfuração, os pesquisadores estudaram também fósseis encontrados na região.
O artigo Late Miocene megalake regressions in Eurasia, dos
pesquisadores Dan Valentin Palcu, Irina Stanislavovna Patina,
Ionut Sandric, Sergei Lazarev, Iuliana Vasiliev, Marius Stoica e Wout
Krijgsman, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-021-91001-z#Sec7.
Luciana
Constantino
Agência
FAPESP
Nenhum comentário:
Postar um comentário