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sexta-feira, 18 de junho de 2021

Estudo revela como o maior lago do mundo sumiu há 10 milhões de anos e mudou a biodiversidade na Eurásia

Modelo inovador poderá ser usado em pesquisas para ajudar a entender a formação de áreas geológicas atuais, como as camadas de pré-sal no Brasil (imagem: área ocupada pelo megalago Paratehys, segundo o estudo; acervo dos pesquisadores)

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Pesquisa publicada este mês na revista Scientific Reports revela a formação e o desaparecimento, há cerca de 10 milhões de anos, do maior lago conhecido na história da Terra: o Paratethys, localizado na Eurásia, entre os Alpes Orientais e o atual Cazaquistão.

No trabalho, os pesquisadores usaram um modelo paleogeográfico 3D e concluíram que o megalago perdeu cerca de 70% de sua superfície e um terço do volume de água pela evaporação durante quatro grandes crises hidrológicas ocorridas entre 11 milhões e 7,5 milhões de anos atrás. Essas crises levaram à formação de hábitats completamente novos e provocaram impacto no clima, na hidrologia e na vegetação, influenciando a evolução de espécies na região.

Os pesquisadores acreditam que esse modelo inovador de análise da estrutura do megalago poderá ser usado em outros trabalhos que ajudem a desvendar a formação de áreas geológicas atuais, como as camadas de pré-sal no Brasil ou campos de gás próximos a Israel.

De acordo com o estudo, que teve o apoio da FAPESP, por volta de 11,6 milhões de anos atrás o Paratethys começou a se fragmentar e, depois de perder conexões com regiões a oeste dos Cárpatos (cordilheira de 1.500 quilômetros), tornou-se cada vez mais instável e suscetível aos processos de seca extrema.

Acabou se dividindo em um lago salgado central e bacias dessalinizadas periféricas, enquanto vastas regiões (de até 1,75 milhão de km2) tornaram-se uma terra emergente, adequada para o desenvolvimento de paisagens de estepe florestal. A abertura desse cinturão de estepes formou uma ponte ecológica para a migração de espécies animais para a Europa e para a Ásia Central.

“As dessecações [estado de secas extremas] parciais do megalago correspondem às mudanças climáticas, alterações da teia alimentar e da paisagem em toda a Eurásia, embora os gatilhos e mecanismos exatos ainda não tenham sido resolvidos”, escreve o grupo.

Primeiro autor do artigo, Dan Valetin Palcu, destaca que as crises hidrológicas detectadas no estudo foram semelhantes à dessecação registrada atualmente no lago Aral, mas com magnitude centenas de vezes maior. De água salgada, o Aral está localizado na Ásia Central e começou a secar nos anos de 1960 – hoje tem apenas 10% do tamanho original, tendo perdido uma área equivalente ao Estado de Santa Catarina.

“O Paratethys se expandiu e ocupou uma área de 2,8 milhões de km2. Chegou a armazenar 1,77 milhão de km3 de água salobra. Isso representa mais de dez vezes toda a água armazenada nos lagos modernos”, explica Palcu, que faz estágio de pós-doutorado no Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP), sob a supervisão do professor Luigi Jovane.

"Este estudo pode se tornar uma referência na compreensão das bacias do pré-sal como 'megalagos'. Pode ter repercussões fundamentais para estudar, por exemplo, as bacias de Campos e Santos, no Brasil, e outras que eram abertas para o mar", diz Jovane, em entrevista à Agência FAPESP.

O professor do IO-USP cita que os locais analisados na pesquisa, principalmente durante os períodos de dessecação parcial do megalago, devem ter sido parecidos com as bacias do pré-sal do Atlântico.

Biodiversidade

Durante as crises climáticas registradas na região, houve o que os pesquisadores classificam como uma "catástrofe ecológica" para a vida no local. Parte do megalago secou e ficaram quatro grandes bacias, entre elas a central, localizada onde hoje estão o mar Negro e o Cáspio. Com isso, parte da água doce ficou salobra e a salinidade de algumas áreas aumentou, tornando o local particularmente tóxico e estéril.

O impacto disso foi a redução e a modificação da fauna endêmica, com o encolhimento da biodiversidade – a quantidade de espécies diminuiu drasticamente ao longo dos anos. Os pesquisadores identificaram animais marinhos, como crustáceos, baleias e golfinhos, que chegaram a se multiplicar inicialmente, mas, forçados a se adaptar a difíceis condições no local (salinidade e alta toxicidade), foram se deformando e viraram exóticos.

Em alguns casos, se tornaram os menores na história da Terra – uma das espécies mais conhecidas é a baleia-anã, a Cetotherium riabinini, de 3 metros de comprimento (para ter uma ideia, uma baleia jubarte mede, em média, 15 metros e a azul ultrapassa os 25 metros). Já os corais desapareceram do lago.


Construção do modelo

Para fazer o estudo e a descrição do passado geológico do Paratethys, com a reconstrução histórica do padrão da superfície da Terra, os pesquisadores analisaram o período entre 11,6 milhões e 7,2 milhões de anos atrás.

Foram usados dois modelos digitais de elevação (DEM, na sigla em inglês): o primeiro para estimar a expansão máxima do megalago e o segundo, mais próximo dos maiores episódios de dessecação parcial do Paratethys, para simular a queda do nível da água e obter a paleogeografia parcialmente dessecada. O modelo digital representa altitudes da superfície topográfica agregada a elementos geográficos, como cobertura vegetal.

Essas reconstruções foram complementadas com dados paleogeográficos de uma série de estudos regionais do norte e oeste da Europa, dos Alpes e da Europa Central, da região de Gibraltar, do mar Egeu, além de um mapa tectônico do Oriente Médio.

A reconstrução da paleogeografia também exigiu a conversão de mapas para batimetria, que é a medição da profundidade dos oceanos, lagos e rios expressa cartograficamente por curvas que unem pontos com equidistâncias verticais, à semelhança das curvas de nível topográfico.

Para isso, foram adotadas estimativas de profundidade de referências usando dados atuais do mar Negro, mar de Azov e lago Cáspio. Além dos dados geológicos e de perfuração, os pesquisadores estudaram também fósseis encontrados na região.

O artigo Late Miocene megalake regressions in Eurasia, dos pesquisadores Dan Valentin Palcu, Irina Stanislavovna Patina, Ionut Sandric, Sergei Lazarev, Iuliana Vasiliev, Marius Stoica e Wout Krijgsman, pode ser lido em www.nature.com/articles/s41598-021-91001-z#Sec7.

 

 

Luciana Constantino

Agência FAPESP


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