É o que indica os resultados de um estudo feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto Adolfo Lutz por meio de técnica de autópsia minimamente invasiva
Apesar da Covid-19
manifestar-se geralmente de forma leve ou assintomática em crianças e
adolescentes, casos graves podem levar à morte. Para esclarecer a extensão da
doença, as alterações relacionadas à Síndrome Inflamatória Multissistêmica
Pediátrica (SIM-P), e o papel do dano tecidual induzido pelo vírus, um estudo
foi realizado com autópsia minimamente invasiva guiada por ultrassom em cinco
jovens, de 7 meses a 15 anos, que tiveram morte por Covid-19. Os resultados da
pesquisa foram publicados em um artigo divulgado pela revista científica de
livre acesso EClinicalMedicine, do grupo Lancet, em 25 de abril de 2021.
Desde o início da pandemia até o final de dezembro de 2020, o Brasil havia registrado mais de 7,6 milhões de pessoas infectadas e 193,9 mil mortes. Entre estes, 1.203 crianças e adolescentes morreram de Covid-19. Até o momento, este é o primeiro registro de uma série de autópsias feitas em casos de Covid-19 pediátrica. Amostras de tecidos de todos os órgãos vitais foram analisadas por microscopia convencional, microscopia eletrônica, reação em cadeia da polimerase por transcrição reversa (RT-PCR) e imuno-histoquímica. O SARS-CoV-2 foi detectado em todos os pacientes nos pulmões, coração e rins e em células de revestimento dos vasos sanguíneos do coração e do cérebro em dois pacientes com SIM-P.
Os achados histológicos variaram entre os pacientes, e incluem pneumonia pelo SARS-CoV-2, microtrombose pulmonar, edema cerebral, inflamação do músculo cardíaco, e inflamação intestinal. “Além disso, mostramos pela primeira vez a presença de SARS-CoV-2 no tecido cerebral de uma criança com SIM-P com encefalopatia aguda e no tecido intestinal de uma criança com colite aguda. A inflamação do tecido cardíaco com a presença do vírus já havia sido descrita previamente em um dos casos”, afirma a Profa. Marisa Dolhnikoff, do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e coordenadora do estudo.
Dois padrões principais da Covid-19 grave foram observados: uma doença respiratória aguda, resultado da pneumonia grave pelo SARS-CoV-2, presente nas duas crianças com doenças prévias, e a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica, com envolvimento de vários órgãos e tecidos, presente nas três crianças previamente saudáveis.
“A SIM-P é considerada como uma reação imune exacerbada em resposta à infecção prévia pelo SARS-CoV-2, mas a presença do vírus em diferentes órgãos, associada a alterações ultraestruturais celulares, indica que um efeito direto do SARS-CoV-2 nos tecidos esteja envolvido na patogênese da SIM-P”, declara a Profa. Marisa.
O estudo constatou a “alta capacidade do SARS-CoV-2
de invadir e causar lesões nos tecidos de vários órgãos como um dos fatores que
induzem à SIM-P, desencadeando uma diversidade de manifestações clínicas que
incluem, além de febre persistente, dores abdominais, insuficiência cardíaca e
convulsões”, disse o Dr. Amaro Nunes Duarte Neto, infectologista e patologista
da FMUSP e do Instituto Adolfo Lutz e um dos autores principais do estudo.
Os pesquisadores também detectaram a formação de microtrombos pulmonares em crianças com SIM-P, a exemplo do que já havia sido observado em adultos com Covid-19. A Profa. Elia Caldini explica que “os fenômenos relacionados à coagulação do sangue devem ser sempre considerados na Covid-19, uma vez que a microscopia eletrônica mostra que, em todos os órgãos estudados, há capilares sanguíneos obstruídos pelo acúmulo de hemácias, leucócitos, restos celulares e fibrina, inclusive com ruptura da parede endotelial.” Essas observações têm impacto direto na abordagem terapêutica da SIM-P.
À medida que a pandemia progride e um número maior
de crianças e adolescentes se infecta, “é muito importante que a comunidade
médica atente para possíveis manifestações clínicas diferentes da Covid-19 em
crianças e adolescentes, para que a infecção seja diagnosticada e o tratamento
da SIM-P com suporte hospitalar seja instituído rapidamente”, afirma a Profa.
Marisa Dolhnikoff.
O estudo recebeu apoio do Fundo de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), da Fundação Bill e Melinda Gates e do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico (CNPq). O trabalho
foi desenvolvido no Departamento de Patologia da FMUSP, com colaboração de
pesquisadores do Instituto da Criança e do Adolescente do Hospital das Clínicas
(HC) da FMUSP, do Laboratório de Gastroenterologia Clínica e Experimental
(LIM-07) do HCFMUSP, do Hospital Universitário da USP, da Divisão de Anestesia
do HCFMUSP, do Serviço de Verificação de Óbitos da Capital (Svoc) e do
Instituto Adolfo Lutz. Confira na íntegra em: https://www.thelancet.com/journals/eclinm/article/PIIS2589-5370(21)00130-9/fulltext
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