Análise de
processos de feminicídios revela que mulheres seguem à mercê da própria sorte e
que dados importantes sobre as vítimas são precáriosFreepik
O Brasil iniciou 2021 do mesmo modo que completou
2020: colecionando casos de feminicídios, muitos deles com repercussão
nacional. Os padrões de repetição – tanto da motivação do crime (tipificado no
Brasil há quase seis anos pela lei 13.104/2015), quanto do descuido com
informações elementares sobre a profissão ou escolaridade das vítimas – revelam
muito sobre o tratamento processual dispensado ao gênero e serviram de objeto
de estudo de uma pesquisa científica desenvolvida no âmbito do Centro de
Pesquisa Jurídica e Social (CPJUS) do Programa de Pós-Graduação em Direito da
Universidade Positivo (UP).
O grupo de estudantes, coordenados pelas
professoras Maria Tereza Uille e Olívia Pessoa, analisou 147 processos de
feminicídios ocorridos no Paraná a partir de 2017, com réus pronunciados e que
não corriam em segredo de justiça. Os dados levantados deram origem a um banco
de informações que convergem em duas graves constatações: a
invisibilidade da vítima e a falta de uma perspectiva de gênero no trato
processual, demonstrada pela dificuldade em encontrar informações essenciais
sobre essas mulheres. A escolaridade das vítimas, por exemplo,
foi ignorada em 73% dos processos analisados. “Quando uma mulher é vítima do
feminicídio, a questão do gênero não para por aí”, sentencia a professora
Olívia Pessoa. “Mesmo quando uma mulher é assassinada, quando se analisa
algumas sentenças ou atas de audiência, até hoje, nos deparamos com perguntas
sobre a vítima que se remete a uma questão de gênero e a um papel que se espera
das mulheres. Por outro lado, notamos que essa fonte riquíssima de informação,
que é o processo judicial brasileiro, não tem a preocupação em trazer os dados
socioeconômicos das mulheres envolvidas, seja como vítimas, seja como rés”,
alerta.
Olívia observa que tal constatação não significa
que os agressores sejam absolvidos. “É preciso ter cuidado com essa análise,
porque os homens são punidos pelo crime de feminicídio, mas ainda existe uma
tentativa da acusação e, às vezes, do magistrado, de se levantar questões sobre
o comportamento da mulher que foi assassinada. Considero que, durante uma audiência,
deveria ser inconcebível por parte de um magistrado ou advogado perguntar se
era mulher direita ou não”, afirma.
Tal mudança, segundo a professora, é um passo
fundamental para combater o ciclo de violência vivenciado, para que, assim, se
evolua no alcance das metas estabelecidas pela ONU, em especial o Objetivo de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, da Agenda 2030, de alcançar a igualdade de
gênero e o empoderamento das mulheres e meninas. “A lentidão dos avanços e o
índice de mulheres que são violentadas e assassinadas diariamente são
angustiantes. Não estamos conseguindo proteger a vida das mulheres, elas estão
expostas a violências diárias e agora vivemos um momento de regressão”,
lamenta.
Análise dos dados
Quando a informação da escolaridade está presente
nos processos, elas revelam que o feminicídio abrevia a vida de mulheres de
todos os níveis, de analfabetas às que possuem Ensino Superior completo. Sobre
a renda familiar da vítima, em 95% dos casos analisados pelo estudo, essa
informação não consta no processo. Nos 5% restantes, a renda é de até dois
salários mínimos. “A mulher de classe alta, a mulher de classe média e a mulher
de classe baixa estão sendo assassinadas. A violência de gênero ultrapassa
esses recortes, é uma questão que está introjetada na sociedade brasileira, do
homem exercer um poder sobre os corpos das mulheres”, afirma Olívia.
No que se refere à dependência financeira da vítima
em relação ao acusado, em 35% dos casos analisados a vítima não possuía tal
dependência e, em 12%, a vítima era financeiramente dependente. Em 53% dos
casos, porém, essa informação não consta no processo. Quanto à profissão da
vítima, em 48% dos processos não foi encontrada essa informação; 13% das
vítimas foram classificadas como “do lar”; 6% como diaristas; 5% como
desempregadas; 4% como estudantes; 3% como vendedoras; 3% como
agricultoras; e 18% em outras profissões.
Universidade Positivo
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