No senso popular, se uma autoridade pune Chico cidadão comum, pé-de-chinelo, haverá de punir, por iguais motivos, o rico e famoso Francisco de sapato italiano.
Até uma singela e popular expressão como essa, de equidade de tratamento e de
justiça, colide com usos e costumes dos nossos ministros do STF. Naquele
pomposo recanto da pátria, se peneiram antecedentes e a Constituição Federal
tem entrelinhas. Usam-na “ao gosto”, como é dito sobre certos condimentos em
receitas culinárias. O quê? Só porque me fazem rir, não estou sendo sério? Eu?
Foi exatamente essa vontade de rir que senti quando o ministro Barroso
determinou que o presidente do Senado instalasse a CPI da covid-19. Senti
vontade de rir quando o notório Renan Calheiros se perfilou para integrá-la e
negocia, agora, assumir posição de mando, logo ele que, presidindo o Senado,
foi coveiro de muitas dessas comissões. Senti vontade de rir quando Bolsonaro
revidou, solicitando ao boquirroto senador Kajuru que retrucasse o STF com um mandato
de segurança pedindo que a Corte determinasse a abertura do processo de
impeachment contra Alexandre de Moraes. Não vai levar, pensei, porque a Casa já
mostrou ser em Chico, e só em Chico, que o pau bate e rebate.
Ri, também, ao ler o teor da decisão do membro novato levado à Corte pelas mãos
de Bolsonaro. Claramente, o ministro Nunes Marques abriu o processo que lhe
caiu no colo perguntando-se: “Como argumentar para negar isto?”, porque é assim
que tantos votos são dados em matérias de repercussão política. Para decisões
que tem gerado inédita insegurança ao país, confere-se, ali, aspecto jurídico a
opiniões prévias, individuais ou colegiadas. “Dadas todas as vênias”, é o que
depreendo do que assisto, no exercício do meu direito de crer mais no meu ver
do que no meu ouvir.
Desde o início do governo, é só nele que o pau do Supremo bate, e o faz com
mais vigor e determinação do que a oposição congressual. A Corte se olha no
espelho benevolente da mídia militante, que gosta do que assiste e ouve sem questionar.
Aliás, a análise mais profunda e a única crítica ao STF que identifiquei na
mídia nacional, nesse tempo todo, foi uma vistoria do cardápio dos ministros,
onde foram pescadas lagostas e identificados vinhos.
Não há setor de atividade em que a Corte se sinta inconveniente, intrometida,
ou desequilibrando a harmonia dos poderes. Usa e abusa da prerrogativa de
avaliar a conveniência e a qualidade de ações político-administrativas. Opera
no Brasil um sistema de freios sem contrapesos, que vai da nomeação de um
diretor da Polícia Federal até uma lei municipal na linha da escola sem
partido, votada e aprovada para coibir abusos.
Mesmo quando o STF invade de modo totalmente irracional, ilegal, ardiloso a
autonomia da Câmara dos Deputados, criando a ridícula figura do flagrante
eterno, viabilizando prisão a qualquer hora e lugar, essa arbitrariedade
pretoriana vai menos contra o Parlamento do que contra o Chico governista.
Há 10 pedidos de impeachment de ministros do STF na gaveta do presidente do
Senado, mas isso não tira o sono da República. Está tudo programado para não
acontecer.
* Publicado originalmente em Conseervadores e Liberais, o site de Puggina.org.
Percival Puggina - membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é
arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org,
colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o
totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do
Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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