Psiquiatra Marco Abud explica como o método terapêutico pode contribuir para noites bem dormidas; Conheça o relato de quem conseguiu superar a dificuldade para dormir e reestabelecer a saúde
Um
ano após o início da pandemia para conter a Covid-19, uma das certezas é de que
o brasileiro tem dormido menos. E pior. Esse é o resultado de diversas
pesquisas que analisaram as consequências das medidas de quarentena no dia a
dia da população. Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
realizada em 2020, aponta que 50% dos brasileiros relataram alterações no sono.
Segundo o Mapa do Sono dos Brasileiros, mais de 60% de nós relatou algum
problema em relação ao sono.
Apesar da baixa procura por médicos, a maioria dos entrevistados, 77% dessas
pessoas afirmam que o distúrbio é consequência de outras enfermidades, ou seja,
desconhecem insônia como doença específica que precisa de tratamento. Nestes
casos, o mais indicado é aplicar a Terapia Cognitivo-Comportamental para
Insônia (TCC-I), considerada pelas sociedades médicas e de sono nacionais e
internacionais o tratamento padrão-ouro e de primeira escolha.
Um dos especialistas no tema é o psiquiatra Marcos Abud, que além de atender
pacientes em consultório conta com um canal com mais de 1,4 milhão de
seguidores no Youtube, o Saúde da Mente - considerado o maior sobre o tema no
Brasil -, por meio do qual promove conscientização e desmistifica os problemas
que afetam o nosso equilíbrio emocional.
Segundo ele, a mudança de rotina imposta pela COVID-19 causou estresse,
agravando o panorama do sono de uma grande parcela da sociedade.
"Essa confusão de espaço pessoal com profissional, aumento nas tarefas
domésticas, cuidados com os filhos, o isolamento social, que nos colocou longe
de familiares e amigos e, claro, o medo da doença ou de algum familiar
contraí-la, e até mesmo as inseguranças com a economia do país. Tudo isso virou
um caldeirão de emoções e o sono é um dos que mais sofrem com esses momentos,
pois é o período que precisamos relaxar, mas também aquele em que tudo vem à
tona: o dia a dia, as angústias, a sensação de que é preciso encontrar soluções
imediatas para os problemas da nação a todo custo", explica.
O que é a TCC-I e como ela pode te ajudar
O médico explica que a TCC-I atua em várias frentes e não apenas na hora em que
o paciente precisa dormir. Segundo ele, a técnica "entende o sono como
parte de um todo e que vai ser afetado com as escolhas do dia a dia de cada um,
desde o primeiro momento do dia até a hora de deitar", comenta.
Antes mesmo da eclosão da pandemia, Abud já promovia uma série de vídeos sob a
chancela "Viva livre da insônia" para ajudar na conscientização sobre
esta questão que raramente é associada por quem sofre com o problema como sendo
um aspecto relativo à saúde mental. Atualmente são mais de 15 conteúdos sobre o
tema disponíveis no canal Saúde da Mente. O psiquiatra criou ainda um curso
digital, o Sono Pleno, onde usa métodos da Terapia cognitivo-comportamental
para insônia (TCC-I) para ajudar pessoas do outro lado da tela a adotarem ações
de autocuidado a partir do controle de estímulos externos, higiene do sono e
relaxamento, entre outros.
E a razão para essas iniciativas são justificadas pelos números: as
dificuldades relacionadas ao sono já afetavam 73 milhões de brasileiros quando
a COVID-19 sequer dava seus primeiros sinais de existência. "A TCC-I é
indicada como primeira alternativa no tratamento da insônia, tendo como
principal missão ajudar as pessoas insones a entenderem os gatilhos que comprometem
o sono, compreendendo melhor as suas causas primárias e os desdobramentos
disso. A terapia dá a essas pessoas os subsídios, com técnicas cognitivas e
comportamentais, para a retomada de um sono mais tranquilo", frisa Abud.
Ele explica ainda que há um mito em torno da qualidade do sono, que relaciona o
número de horas dormidas ao bem estar físico. "Na verdade esse é um ponto
chave: cada corpo tem uma necessidade particular. Não existe uma fórmula que
dita a regra geral sobre o volume de horas ideal a serem dormidas para garantir
o pleno bem estar. A grande virada é entender como é o nosso sono e aprender o
que é suficiente para que o nosso corpo e a nossa mente consigam ter um
descanso de qualidade. A angústia relacionada a essa ‘validação’ de horas
dormidas só prejudica ainda mais quem tem dificuldades para relaxar e desligar
um pouco os motores que nos mantém acordados. Algumas pessoas podem ter uma
incrível sensação de noites bem dormidas com cinco ou seis horas de sono,
enquanto outros precisam de mais, talvez nove ou dez horas. O importante é
reconhecer o que te faz bem e deixar um pouco de lado essa matemática que não
traz nenhum ganho para a nossa saúde", diz.
Mesmo quando aplicadas por um profissional à distância, Marco Abud ressalta que
os benefícios da adoção dessas técnicas vêm sendo provados. Um estudo da
Universidade de Michigan, divulgado no ano passado, destacou que pacientes que
buscaram a terapia por meio da telemedicina tiveram respostas tão positivas
quanto aqueles que passaram pessoalmente pelo processo. E isso abre frentes que
podem possibilitar um acesso mais amplo ao cuidado especializado - o que tem
ainda mais valia em tempos de quarentena estendida.
Conheça a história de quem venceu a insônia
A funcionária pública baiana Leusenira Farias Galvão, de 40 anos, conta que a
insônia passou a fazer parte da sua vida no final de 2016. Casada e mãe de dois
filhos, com idades de 10 e 13 anos, a agente de saúde notou que estava passando
por crises de ansiedade e, junto com elas, o sono passou a sofrer impactos. Ela
buscou prontamente auxílio médico e passou a fazer uso de medicações. Ao longo
de mais de três anos, Leusenira passou por etapas de idas e vindas,
intercalando períodos de pausa e de necessidade de retomada de uso de remédios.
"Apesar da recomendação profissional e acompanhamento adequado, eu seguia
sem conseguir dormir. Eu tinha uma sensação de ficar acelerada à noite, com a
mente em ebulição, o que trazia à tona pensamentos ruins, e isso só aumentava o
medo da insônia. Eu procurei fazer terapia, comprava livros de autoajuda, mas
nada mais funcionava, eu já havia perdido completamente o controle do meu sono.
Eu deitava na cama e não conseguia de jeito nenhum dormir. Essa hora de dormir
se tornou uma hora ameaçadora, ao invés de ser um momento de relaxamento para
mim representava horas de tensão", relata.
Leusenira chegou a tentar também uma medicação para auxiliá-la a pegar no sono,
mas ela temia que isso a levasse a uma dependência eterna, ao mesmo tempo em
que achava que nunca mais eu ser capaz de dormir. Ela recorda o quanto a falta
de noites bem dormidas afetava a sua rotina profissional e suas relações
familiares, o que a levou a buscar alternativas que não medicamentosas. E foi
por intermédio do seu marido que ela descobriu a Terapia
cognitivo-comportamental para insônia (TCC-I).
"No início de 2020, eu decidi experimentar a TCC-I com apoio de um
psiquiatra, a partir de um curso voltado a pacientes como eu é que promovia
essa primeira etapa de autoconhecimento. E foi assim que comecei a sair dessa
fase nebulosa e entender melhor tudo aquilo que envolvia a minha insônia. Foi
um mergulho no conhecimento de técnicas, atividades e, principalmente, no meu
caso, como lidar com os meus pensamentos negativos. Por que afinal eles
existiam? Por que eles estavam tirando meu sono? E não era só uma questão de
lidar com a insônia, mas com a ansiedade também. Eu enfim passei a me conhecer
a partir de alguns exercícios práticos. Não basta a teoria fazer sentido, a
gente tem que levar isso a sério e começar devagarzinho a colocar em prática
algumas mudanças. Na prática isso não é rápido - e nem precisa ser. O
importante é aos poucos ir tentando mudar a forma como a nossa mente está
lidando com as adversidades e mudar aquilo que está de alguma maneira fora de
ordem. Eu não tinha como expulsar simplesmente os pensamentos na marra pra fora
da minha cabeça. Mas dá para aprender a não dar importância a eles e buscar
trazer algum outro lado, algo que seja melhor. Eu sempre comparo os meus pensamentos
ruins com fake news criadas pela da nossa mente e quando conseguimos
reconhecê-los como tal fica muito mais fácil deixar eles de lado e
relaxar", descreve.
Leusenira explica que essa melhora não significa que ela ou outras pessoas com
insônia que conseguem superar o problema com o auxílio do TCC-I passam a deitar
na cama e automaticamente adormecem. "O objetivo é que a gente tenha
ferramentas para espantar aquilo que compromete o sono e conseguir voltar pro
nosso rumo, conseguir relaxar o corpo, conseguir entrar num estado de sono de
qualidade mesmo diante de cenários como o que estamos vivendo, de pandemia e de
situações que nos causam efetivamente preocupação conosco, nossos familiares,
amigos e sociedade em geral".
Outro ponto que ela faz questão de destacar é que a alimentação equilibrada,
feita nos horários certos, também contribuí para a quebra desse ciclo
persistente da insônia, complementada por suplementos recomendados por um
médico para o caso específico. Da mesma forma, a agente de saúde comemora um
grande aprendizado: mesmo que haja uma noite mal dormida, não há motivos para
desespero ou frustração.
"A ideia é a gente reprogramar o nosso cérebro pra ele aprender novamente
a dormir bem . Ele sabe dormir naturalmente, mas a gente, devido a vários
acontecimentos do nosso dia a dia, acaba mandando sinais que criam um código
novo que faz com que pareça certo permanecermos acordados à noite, nunca
desligar. Mas se você se tornar capaz de encontrar esses códigos alterados, vai
ser possível corrigi-los e devolver ao cérebro o acesso à sua programação
original. Não brigue com a sua insônia. Não brigue com a sua ansiedade. Hoje eu
não sofro mais", afirma.
Leusenira conseguiu, além de aprender a superar sua dificuldade com o sono, a
lidar com os gatilhos que levavam às suas crises de ansiedade. Assim ela
conseguiu passar pelo desmame das medicações que fazia uso - o que só pode ser
feito com acompanhamento do psiquiatra, especialista que irá orientar da melhor
forma essa diminuição crescente da dose até que seja possível suspendê-la por
completo.
"E eu passei a beber muito chá, em especial de Camomila. Claro que não é
só o chá, mas esse consumo da bebida me traz um conforto, o que junto com as
outras técnicas e mudança de hábitos, é positiva para mim. Saber o horário de
dormir e acordar, não ficar em computador ou celular na cama e sempre
questionar aquele pensamento negativo - de onde ele está vindo? Por qual
motivo? - são as minhas formas de fazer a minha higiene do sono. Com a devida
orientação dá para reestabelecer a qualidade de sono", finaliza Leusenira.
A seguir, o psiquiatra Marco Abud lista quatro impactos severos da falta de
sono para a saúde física e mental e outros quatro benefícios de um período de
sono bem dormido:
Impactos negativos da insônia
● Dificuldade na perda de peso;
● Prejuízos na libido e na vida sexual;
● Dificuldade em lembrar coisas importantes;
● Enfraquecimento do sistema imunológico.
Benefícios do sono
● Melhora da concentração, memória e atenção;
● Combate o envelhecimento;
● Reduz o risco de Alzheimer;
● Reduz o estresse e alterações de humor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário