Após quase um ano de
isolamento e com uma segunda onda importante e ascendente acontecendo, temos,
enfim, uma vacina que já começou, aos poucos, a ser aplicada na população.
Um questionamento que nós,
pediatras, temos ouvido muito – e que vem reverberando bastante nas redes
sociais, tirando o sono de muitos pais – em razão do eminente período de volta
às aulas, é: por que as crianças não constam do calendário prioritário de
vacinação? É um questionamento importante, então vou tentar esclarecer aqui
alguns pontos em relação a isso.
As vacinas que vêm sendo
produzidas e desenvolvidas em todo o mundo não têm o público infantil como base
de estudo. Isso se deve ao fato de que, pelo menos até o momento, a Covid-19 e
suas variações são potencialmente perigosas para o público adulto, idoso e com
comorbidades. Assim, eles são prioridades nos estudos, testes e no processo de
imunização. A taxa de incidência da doença na população pediátrica é bem menor
do que na população em geral, assim como a letalidade. Além disso, as vacinas
não foram testadas nesse público, então não podem, neste momento, ser aplicadas
em crianças. O mesmo se aplica para as gestantes.
De acordo com estudo publicado
pelos Centros para a Prevenção e o Controle de Doenças (CDC) no final de 2020 –
feito a partir de quase 280 mil casos de crianças que testaram positivo para
Covid-19 nos EUA, as taxas de letalidade por faixa etária eram de 0,003% (0-19
anos), 0,02% (20-49 anos), 0,5% (50-69 anos) y 5,4% (70 anos e mais). Publicada
pela revista Jama Pediatrics, uma análise que compilou 32 estudos sobre o tema
concluiu que as crianças e adolescentes menores de 20 anos tinham de fato 44%
menos chances de contrair a Covid-19. Até o final de 2020, 514 crianças de até
5 faleceram devido à Covid-19 no Brasil. Do total de óbitos no período, que era
de cerca de 195 mil, o público de até 5 anos respondia por 0,26%. Devido a
esses dados, as crianças ainda não são prioridade para o desenvolvimento de
vacinas.
Ainda teremos muito o que
falar da pandemia, ela não vai desacelerar a ponto de podermos relaxar com as
medidas de prevenção da transmissibilidade do Coronavírus, como o uso de
máscaras corretamente, higiene frequente das mãos e distanciamento social. O
que é necessário todo pediatra fazer, e estamos fazendo isso, é orientar os
pais a manter os cuidados, pois a imunização em escala global ainda levará
algum tempo até que se possa conter os efeitos do vírus.
Devemos ainda ter atenção
quanto à saúde mental das crianças, que perderam quase um ano de contato
presencial com outras pessoas, socialização e desenvolvimento escolar. É
preciso que elas retornem às escolas o quanto antes, porém com responsabilidade
e controle, guardando-se as particularidades de cada região e de cada unidade
escolar. Contudo, vale ressaltar que não é só a saúde delas que está
comprometida, mas de toda a população. Idosos também vivenciam período difícil.
O confinamento e todas as outras restrições e orientações impostas para se
tentar conter a disseminação do vírus acabaram se tornando uma forma de
sobrevivência para esta faixa etária. Nada tem sido fácil.
Acabamos de retornar à fase
vermelha no Estado de São Paulo e os números nacionais vêm subindo
assustadoramente. Enquanto escrevo este texto, já estamos em 8,9 milhões de
casos e quase 218 mil óbitos em razão da doença. Enquanto isso, discute-se o
retorno das atividades escolares presenciais no início de fevereiro. Se até lá
essa prerrogativa não mudar, teremos um desafio imenso com que lidar. Mais um.
Assim, se a opção for voltar, é preciso que essa retomada seja com todo
planejamento possível – distanciamento entre os alunos, utilização de máscaras,
higiene constante das mãos com água e sabão e álcool em gel, atividades
realizadas preferencialmente ao ar livre e alternância entre grupos nas
dependências da escola. As salas de aula precisam ter um número reduzido de
alunos e é necessário que menos pessoas permaneçam dentro do ambiente escolar.
Deve-se, também, respeitar o aspecto epidemiológico regional onde a escola está
inserida: se o município estiver na fase vermelha, por exemplo, a retomada das
aulas presenciais é de difícil gestão.
Todas essas questões têm que
ser discutidas, precisam ser construídas em parceria entre os gestores, que vão
apontar a situação da saúde local; a escola, que terá que se organizar para
garantir os cuidados e restrições, e os cidadãos, que precisam pensar
coletivamente. Não se trata de uma responsabilidade somente da escola, nem
exclusiva dos pais, nem dos pediatras. É uma construção coletiva, com controle
das autoridades locais constituídas para que se chegue a uma decisão racional,
consciente e muito madura para que, quando esse passo for dado, ele seja
assertivo e a melhor decisão para aquele momento. O que não se pode é dizer que
quem vai decidir é, exclusivamente, o profissional médico, a escola ou a
família. Essa é uma decisão que precisa ser compartilhada, porque todos têm sua
dose de responsabilidade. Se os pais assim decidirem, se a escola também se
sente confortável em receber os alunos e se o pediatra da família concorda com
o retorno, OK, a criança retoma as aulas com todos os cuidados (de
responsabilidade de todos os envolvidos). O que se deseja é a concordância de
todos. A cidadania, a ética, o respeito ao próximo e a autonomia deve liderar
qualquer decisão neste sentido.
Ana Cristina Ribeiro Zollner -
Pediatra, Bioeticista, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria e professora
do curso de Medicina da Universidade Santo Amaro – Unisa.
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